Review | Cris Tales

Quando se fala em JRPG, você com toda certeza pensa em Japão. Criado na terra do Sol, o gênero conquistou uma legião de fãs ao redor do mundo. Embora a qualidade da maior parte das franquias seja incontestável, jogos de RPG japoneses estão cada vez mais escassos, muito pela ascensão dos RPGs de ação com elementos mais ocidentais.

Dito isso, a existência de um projeto chamado Cris Tales despertou e muito a minha curiosidade. O primeiro motivo: o jogo se trata de uma carta de amor ao gênero JRPG. O segundo: ele foi desenvolvido na Colômbia e parte de seus cenários são representações fiéis do país.

Criado pelos estúdios SYCK e Dreams Uncorporated, com publicação da Modus Games, será que Cris Tales realmente é um trabalho de amor que merece ser jogado pelos adeptos do gênero? É isso que você vai descobrir neste review!

A História de Cris Tales

O jogo é protagonizado por Crisbell, uma órfã com um destino glorioso (ou não) em sua frente. Sem lembranças de sua mãe, logo no começo da jornada descobrimos que Cris é uma Maga do Tempo, capaz de ver e alterar acontecimentos do Passado e do Futuro. Graças a este detalhe, o jogo possui uma das mecânicas mais criativas e bem aplicadas que eu já vi em um RPG. Suas ações afetam e muito não só o futuro dos personagens fantásticos que você conhece ao longo da jornada, como o futuro das cidades que o acolhem.

Um exemplo pra ilustrar: existe um NPC que é um aspirante a músico. Ele pede uma pequena quantia de 1500 Marbles (moeda do jogo) a você. Se você doar, ele se torna um músico de sucesso com bastante talento. Caso contrário, ele vai se tornar um ladrão e vai roubar as pessoas da cidade. Esse é apenas um entre as dezenas de exemplos que me deparei ao longo da minha experiência com o jogo.

A Madre Superiora falando sobre a lenda de uma garota que abriria o próprio tempo

Os personagens são todos carismáticos e extremamente fundamentais para o enredo e mundo do jogo. Sejam eles secundários ou peças-chave da narrativa principal. A escrita dos diálogos, o desenvolvimento deles… O estúdio fez um trabalho impecável que supera facilmente muitos exemplares conhecidos do gênero. Todos os personagens possuem o chamado voice-over e as vozes em inglês estão maravilhosas. A única bola fora no que se trata da história é a ausência de legendas em nosso idioma. O jogo não possui nenhum tipo de localização para o PT-BR, o que deve afastar muita gente.

O Tempo é uma Arma em Cris Tales

Como mencionei acima, Crisbel, protagonista do jogo, é uma Maga do Tempo. Graças a sua vocação, Cris consegue usar cristais do tempo para enviar inimigos tanto para o passado, se eles estiverem posicionados na esquerda, quanto para o futuro, se estiverem posicionados na direita. No início a mecânica é relativamente simples. A medida que você progride e passa de nível, Cris aprende novas habilidades que trazem um grau maior de complexidade para o jogo. Outro detalhe bastante peculiar é que existe uma espécie de QTE em todos os combates. Ao pressionar o botão de ataque no exato momento antes de atingir o inimigo, você causa dano crítico. O mesmo vale para a Defesa. Ao bloquear o ataque inimigo logo antes dele te atingir, você dá Parry no ataque, praticamente anulando o dano causado e qualquer efeito negativo. Isto é crucial para a sua sobrevivência no game.

Você deve estar se perguntando, como o Tempo influencia nas batalhas. Bom, vamos supor que você deixou um inimigo envenenado. Em situações normais, esse inimigo vai receber dano gradativo em cada turno. Contudo, caso você opte por enviar ele para o futuro, ele tomará o dano inteiro de uma vez. Isso é bastante útil pra vencer batalhas mais desafiadoras.

O combate de Cris Tales

Ao progredir, dá pra aprender habilidades como Regressão, que cancelam todas as ações realizadas por um inimigo no último turno que ele jogou. Por exemplo, o inimigo se transformou em um dragão imenso de armadura? Você pode regredir a jogada dele e impedir que ele se transforme. A particularidade do sistema não para por aí. Todos os inimigos do jogo possuem três versões: a do passado, a do presente e a do futuro. Ao escanear os adversários, você obtém dados cruciais para saber quais são suas versões mais fracas e agir em cima disso. Como digo várias vezes nesse texto, Cris Tales é um indie extremamente competente e esses sistemas só destacam isso!

Um Trabalho de Amor

Praticamente todos os aspectos de Cris Tales possuem um polimento surreal. O combate é bastante criativo, a trilha sonora é sublime e tem um toque orquestral bastante refinado e os cenários são sublimes. Falando em cenários, os desenvolvedores reuniram duas paixões para criar o mundo de Crystallis: a Colômbia e os JRPGs. Pouquíssimas pessoas sabem, mas, a Colômbia possui construções extremamente belas dos mais variados estilos arquitetônicos.

Um dos muitos cenários belíssimos do jogo

O processo, chamado de Fantasia Endêmica, transporta construções e elementos do dia-a-dia “real” para o jogo, adicionando uma pitada de fantasia que mexe com o imaginário de quem joga. Muito mais do que um jogo de RPG, podemos facilmente considerar Cris Tales como um cartão-postal interativo do país latino. É de conhecimento público que projetos indies carregam consigo bastante identidade graças a propostas originais ou feitas com muita dedicação. Cris Tales vai além, entregando um nível de qualidade que costuma ser mais comum em produções muito mais custosas.

Os Espinhos da Rosa

Infelizmente, Cris Tales não é um jogo perfeito. A fixação dos estúdios envolvidos por elementos de JRPG acabou resultado na replicação de mecânicas bem defasadas do gênero que tornam o jogo bem frustrante em muitos aspectos. Explorar os cenários nas etapas iniciais do jogo é uma tarefa bastante chata. O game conta com encontros aleatórios com os inimigos, lembrando os anos 90 e 2000. Isso gera interrupções frequentes que motivam o jogador a rushar os objetivos principais.

Vale mencionar que existe um anel que pode ser comprado na quarta cidade do jogo que impede a ocorrência de encontros aleatórios. O nome do item é Distortion Ring e custa 18 mil Marbles. Outro problema do jogo diz respeito a recuperação de vida e mana. Ao salvar, você não recupera nada. Ao mudar de nível, você não recupera nada. Nas primeiras horas do jogo isso acaba dificultando bastante as coisas, demandando um melhor gerenciamento de recursos por parte do jogador. Contudo, a situação fica bem melhor a partir da terceira área, parte que pessoalmente achei bastante fácil.

A navegação no mapa também é péssima até a etapa final do jogo, que passa a permitir que você visite os continentes já conhecidos. A ausência de um minimapa e um World Map, sem justificativa, também prejudica demais a exploração, tornando-a mais uma vez um porre. Outro problema é que além de ser um saco, esmiuçar os calabouços e cenários na maioria das vezes não é nada recompensador, o que tira um pouco o brilho do jogo.

Por fim, mas não menos importante, eu joguei a versão de PS5. Basicamente, o único incremento está no loading. O jogo não usa recursos como o adorado Game Help e nem as funcionalidades do DualSense, deixando bastante a desejar nesse quesito.

Conclusão

Com alguns pequenos defeitos, Cris Tales cumpre seu papel com maestria. Além de entregar um JRPG cheio de identidade, com mecânicas implementadas com perfeição, o game nos apresenta personagens memoráveis que ficarão um longo tempo em minha memória. Se você gosta do gênero, e entende inglês, considero o título imperdível. Caso você não seja um adepto de RPGs com combate em turnos, é bom se manter afastado dele.

Fonte: Desconto em Games

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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