Resenha | Os Sertões – A Luta
Muitos (se não todos) de nós, que estamos aqui neste site de cultura pop, já tivemos algumas aulas chatas de História. Por vezes é um semestre/ano inteiro chato. Mesmo quando a gente gosta muito da disciplina, sempre passamos por isso.
Contudo, sempre tem aquele professor que tem as manhas de fazer a turma se interessar pelo tópico. Muitas vezes trazem um filme, um episódio de série, leva pra um passeio de campo. As vezes temos que ler um livro, um romance. Quase sempre um clássico da literatura.
A não ser que você seja um leitor assíduo e que realmente curta clássicos, dificilmente você irá gostar desses livros que o professor da escola passa como obrigatório, e você lerá apenas por obrigação. Mas lembra do professor que tem as manhas? Ele sabe como fazer você se interessar pelos clássicos.
Um desses clássicos que os professores tanto de História do Brasil quanto os de Literatura passam como obrigatórios para o ano letivo é Os Sertões.
Trata-se de um livro que relata a Guerra de Canudos, um capítulo muito importante na história do nosso país. O diferencial aqui, é que esta é uma história em quadrinhos.
Por sê-lo, essa seria a versão que aquele professor legal recomendaria. Pois é muito mais fácil de ler do que a obra original, e não deixa nada a desejar em termos de adaptação. Talvez, no máximo, possa ser dito que a história ficou resumida demais nesse formato. Ainda assim, dá com clareza o depoimento único de Euclides da Cunha necessário para conhecer bem o conflito.
Sobre a HQ, a arte é fundamental para a climatização. O leitor tem uma experiência muito intensa sobre as dificuldades que os protagonistas dessa história, o Sertão e os sertanejos, impõem a quem os desafia. Mesmo em preto e branco, sentimos o calor, o vermelho do sangue que jorra o tempo todo é claramente visível e quase dá pra sentir o fedor podre dos corpos expostos no “Caminho do Inferno” no calor desumano.
Apenas nas páginas finais temos cores, e mesmo assim apenas tons de vermelho e amarelo, tornando essa sensação de calor e do sangue que vira quase um mar no meio do sertão. Essa mudança define bem a reta final da história, quando a República consegue finalmente derrotar os sertanejos depois de seguidas tentativas frustradas. E os tons quentes das páginas finais dão o clima perfeito do momento.
Ainda sobre a história, é claro que é muito importante conhecer nossa própria história. Porém, Os Sertões – A Luta se faz (infelizmente) essencial para os dias atuais.
Euclides da Cunha foi um homem do Século XIX. E como todos os outros homens brancos dessa época, acreditava que pertencia a uma raça superior. Assim sendo, o sertanejo era inferior. E não conseguia entender como tal raça conseguia sobrepujar os soldados republicanos no confronto. As únicas explicações seriam o sertão, quase comparado ao inferno aqui, e algum tipo de força sobrenatural. Não podemos dizer que nossa sociedade atual vive um momento muito longe disso. Apenas um pouco diferente.
Além dessa questão, também pode-se apontar a política. A transição de Império para República acaba sendo um bom espelho do que vivemos no mundo hoje em dia, e não apenas no Brasil.
E por fim, temos um retrato de Antônio Conselheiro. Um ícone da resistência do povo contra o sistema que o oprime. É interessante como ele é retratado no livro, um personagem difícil de se compreender ou definir. E que apesar de aparecer pouco, é um dos principais. É o primeiro a aparecer e o último.
Um dos momentos mais artísticos da HQ, daqueles que exigem um pouco mais de embasamento e conhecimento prévio de arte. Aquele momento em que se interpreta ou sente. Entender não é o objetivo aqui. Poderíamos dizer que é a representação de sua morte, mas seria um pouco demais de pretensão. Como dito, fica a critério do leitor.
Em suma, Os Sertões – A Luta, é uma HQ que aquele professor legal tem que conhecer para indicar para seus alunos. Não apenas para trabalhar a Guerra de Canudos e a chegada da República. Mas também para falar de assuntos muito contemporâneos e que são importante na formação de uma sociedade melhor.
Mas mesmo se for não for um professor, nem um aluno, você também deveria dar uma chance a nesta bela adaptação, com um texto atual e ao mesmo tempo clássico, uma arte admirável e uma mensagem que precisa ser transmitida.