Crítica | O Escândalo
O Escândalo é um drama que estreia nessa semana no Brasil e já chega com três indicações ao Oscar 2020: Melhor Atriz (Charlize Theron), Melhor Atriz Coadjuvante (Margot Robbie) e Melhor Maquiagem .
O drama conta uma história real de um grupo de mulheres que trabalhavam na Fox News e começaram uma onda de denúncias contra o magnata CEO da empresa, Roger Ailes (John Lithgow).
Apesar das duas atrizes indicadas ao Oscar estarem muito bem, de fato, no filme, ainda assim suas indicações parecem um tanto precipitadas. Certamente deve ter havido atuações melhores em outros filmes.
O filme é muito interessante. Seria lugar comum dizer que ele atinge de forma mais íntima as mulheres que o assistem. Principalmente aquelas que, infelizmente, ainda passam por situações que aparecem no filme em seu dia a dia. Porém, é importante dizer que é um filme que se faz essencial para os homens.
Ele mostra como a masculinidade tóxica que está arraigada na nossa sociedade controlada pelo patriarcado fere e faz mal às mulheres todos os dias, a todo momento, sem que muitas vezes muitos desses homens sequer saibam disso.
Se há alguma coisa em que o filme peca, é na profundidade em que seus personagens se desenvolvem. Não há tempo em tela suficiente para os diversos e interessantes personagens. Todos mostram que tem camadas a serem exploradas. Mas talvez, a única que tenha essa chance seja Megyn Kelly, de Charlize Theron.
A personagem que acaba desencadeando a onda de denúncias, é Gretchen Carlson (Nicole Kidman). Ela tinha um programa com boa audiência na emissora mas decide por desafiar o poderoso Roger, começando com simples questionamentos, como o porquê de precisar usar saias, ou reclamando das piadas machistas de seus companheiros muitas vezes ao vivo (e até encorajadas).
Na contramão, está Kayla Pospisil (Margot), uma jovem conservadora e cristã que tinha o sonho de trabalhar na emissora e busca crescer dentro dela. Ela acaba cometendo alguns equívocos e gafes, muito por conta de sua inexperiência. Então ela percebe que não pode e não quer perder essa chance na carreira. E acaba caindo nas garras do asqueroso CEO.
Roger Ailes é interpretado por John Lithgow, que está praticamente irreconhecível no papel, o que até justifica a indicação ao Oscar de maquiagem.
Ele é um homem velho e doente. Um republicano conservador que claramente mantém a parcialidade de sua emissora, apesar de vender a imagem não sê-lo. Contudo, sabe jogar o jogo da mídia. E assim, gera muito lucro para os reais donos do canal, os Murdoch.
E no meio de tudo isso, temos Megyn Kelly, que apesar de se auto definir como tendo uma boca muito grande, e que acaba não se prendendo tanto às cordas impostas pelo meio que, querendo ou não, representa, especialmente pelo sua emissora que defende muito do que ela, pessoalmente, não acredita.
Contudo, mesmo assim, ela acaba cedendo em muitas situações. Quase sempre em nome da posição profissional de respeito em que se encontra, que acabaria indo por água abaixo caso ela se opusesse de forma realmente contundente. Outras vezes, por não querer deixar a boa vida que conseguiu dar à sua família graças ao seu trabalho.
Assim sendo, como dito anteriormente, só conseguimos ver mais camadas de Megyn. E ela, como protagonista, precisa mesmo mostrar todas essas camadas. Mas a proposta do filme, que por muitas vezes é corajoso de forma até surpreendente, pede que haja mais. Seria muito mais interessante se pudéssemos ver mais a evolução de alguns personagens.
A jovem cristã que acaba descobrindo que a empresa dos seus sonhos é imunda e que acaba indo contra muito daquilo que parece sempre ter acreditado, até mesmo se envolve em uma aventura homossexual, acaba mudando muito drasticamente. É bem verdade que há uma situação traumatizante no meio do caminho, mas poderíamos ter visto mais de seu caminho.
E Gretchen, aparece muito pouco. Poderia ter tido um protagonismo maior, dividido com Megyn. Fica a impressão de que ela seria esmagada fácil pelos gigantes e mesmo quando sua carta na manga, que muda todo o jogo a seu favor, é revelada, o conflito se resolve relativamente rápido. A personagem tinha tudo para ser uma espécie de Erin Brockovich da bandeira que levanta.
Talvez esse seja um filme que teria funcionado muito melhor se fosse uma minissérie. Haveria muito mais espaço e tempo para o desenvolvimento desses personagens, até mesmo dos ‘vilões’.
Ainda assim, O Escândalo é um filme que merece muito sua atenção. Para aqueles que conhecem as causas ali apresentadas e apoiam suas bandeiras, é um grito (sem trocadilho com o título) de libertação, e até uma convocação, mostrando que elas devem continuar e precisam se manifestar por mais que doa e que possa custar caro. Para os que não as conhecem ou as negam, é a oportunidade de ver como as coisas são e uma tentativa válida de se desenvolver um pouco de empatia. Para os olhos mais atentos, é possível fazer um claro paralelo com o momento político em que nosso país se encontra. Não deixe passar esse filme, assista e sinta-o.