Crítica | Não Provoque – 1ª Temporada (Neftlix)

Os mistérios sangrentos em universo adolescente estão conquistando o público nos últimos anos. Cada vez mais empenhada em trazer produções originais, a Netflix apresenta agora a série Não Provoque, romance baseado no livro de mesmo título. Megan Abbott, nome por trás história, também ingressa no time de produtores ao lado de Steph Green (New Boy) e Karen Rosenfelt (Crepúsculo).

Um time de peso unido a uma grande receita só poderia dar certo, não é? Infelizmente, não aqui. Não Provoque é sobre duas melhores amigas que estão no topo da pirâmide social da escola e da equipe de líderes de torcida, onde dominam as pessoas com certa selvageria mascarada. Alimentadas feito rainhas, uma ameaça surge quando a nova treinadora chega para ajudar a levá-las ao campeonato nacional.

Addy (Herizen Guardiola) e Beth (Marlo Kelly) se conhecem desde pequenas, e nitidamente formam uma dupla equilibrada: a conturbada história de Beth, que tanto transforma sua personalidade, alcança a estabilidade através da paciência e palavras cautelosas da amiga. Mas, rápido como a apresentação do cenário, esse relacionamento regado a álcool, drogas e treinamento intenso é abalado com a chegada da treinadora Collete French (Willa Fitzgerald, conhecida por protagonizar a versão de Scream criada pela MTV).

Famosa por ser uma ex líder de torcida que agora treina e lidera equipes vencedoras, Collete chega ao colégio Sutton Grove com uma promessa: conseguir passar nas Regionais para, então, chegar às Nacionais. Tal conquista influenciará não somente as meninas, como também o quesito político da cidade, que se beneficiará da fama para conquistar investidores.

Abalada pelo histórico familiar de abandono paterno, Beth é uma adolescente com problemas relacionados à confiança. Além de ser o topo da pirâmide, era também a treinadora da equipe. Com a chegada de uma profissional, passa a se tornar apenas mais uma entre as outras, o que a faz nutrir ódio por Collete. Empenhada em expor a mulher a todo custo, Beth e Addy presenciam uma cena capaz de destruir a vida da treinadora, porém, Addy já está fascinada com a figura imponente de Collete para permitir que Beth ultrapasse os limites.

Quase nada dentro da produção faz algum sentido ou segue qualquer linha de raciocínio com um objetivo final. De repente, Collete se vê diante de duas de suas melhores atletas e o segredo ameaçador. Visando mantê-lo às escuras, decide se aproximar delas, mas a forma como é passado ao telespectador é tão abrupta que beira o vazio, sem dose emocional ou racional.

Enquanto isso, Beth vê sua posição dentro da equipe ser ameaçada pela meia-irmã caçula, fruto do segundo casamento do pai, a razão da destruição de sua família. Por conta desse histórico, sem dúvida, é única personagem contruída e em processo de evolução dentro dos dez episódios. Ela foi imposta para ser antagonizada, embora possamos perceber, através de outras condutas, que nossa visão passa por um processo de manipulação sobre quem é bom ou mau.

Em contrapartida, com sua voz suave e sua disponibilidade em ajudar, Addy carrega uma máscara de boa moça ao passo que é puxada para dentro dos problemas internos da treinadora. Há uma tensão sexual entre o trio de mulheres, centralizada em Addy, quem se mostra predisposta a apoiar Collete a ponto de ferir a sua amizade mais íntima sem pensar duas vezes.

A dramartugia fica por conta de cenas inconsequentes, por vezes, desnecessárias; e quando me refiro ao drama, ressalto a tentativa desse, já que a série deixa muito a desejar em emoção e sentimentalismo. A falta de uma linha do tempo que preencha os personagens com passado, presente, sonhos e individualidades só perde para a falta de carisma de Fitzgerald, que numa tentativa de entregar distanciamento e frieza, nos decepciona com uma única face, sem emoção alguma, do início ao fim.

E se, em meio a tantos erros, a ambientação artística ainda salvasse… Mas diferente do que encontramos em Spin Out (série original Netflix que retrata a patinação artística), o esporte é tratado como mera competição e intriga, faltando verdadeira paixão. Ainda tentaram convencer o público com algumas passagens de alongamentos, saltos e um verdadeiro desastre em campo, mas ao retornarem aos relacionamentos vazios, é como passar uma borracha em vinte minutos de cena.

A última chance de salvação fica por conta do fechamento do círculo misterioso: o assassinato, perceptível devido a passagens de tempo não linear, segura firme a linha que mantém o telespectador de olho aberto, mas sua exibição é vergonhosa, se não medíocre, quase uma ofensa a quem foi tão leal em persistir por tanto tempo.

Como é possível encontrar o lado bom de todas as coisas, talvez Não Provoque sirva para melhorar nosso discernimento sobre as pessoas ao redor. Caso venha a ter uma segunda temporada, aí sim teremos algum tipo de provocação: provocar a própria noção.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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