88 Mph | Batman Begins – 15 anos depois

15 anos se passaram desde que Christopher Nolan reinventou um dos super-heróis mais queridos e de maior fan base de todos os tempos no cinema em Batman Begins.

E como todas as coisas de verdadeira qualidade, essa versão de Nolan do personagem não apenas resistiu ao tempo, mas também cresceu em importância até os dias de hoje, com mais relevância e potência do que nunca.

Falando em legado, é claro que Nolan prestou atenção às outras versões do Batman nos quadrinhos e é incrível o que acontece quando um diretor trata o material original com reverência.

Esse Batman é tão sombrio quanto o céu noturno no qual ele pode ser visto deslizando. Grande parte dessa escuridão se deve à influência da re-imaginação de Frank Miller do personagem em The Dark Night Returns (nome original da HQ que no Brasil se chama O Cavaleiro das Trevas).

Ambas versões do quadrinista e do cineasta são atormentadas por trauma psicológico, e a profundidade de caráter que isso proporciona é o que torna as duas obras de arte tão boas.

É claro que o Batman já estava sombrio antes – Tim Burton e Michael Keaton cuidaram disso no final dos anos 80 -, mas Nolan consegue conceder a essa escuridão algum tipo de propósito e densidade emocional. E não há melhor maneira para isso do que começar do princípio.

Contudo, Batman Begins não começa no começo – não exatamente. Começa no meio. A história começa com Bruce Wayne preso em um buraco do inferno em algum lugar nas profundezas da Ásia, onde ele parece perdido e sem propósito.

Aqui, após uma impressionante cena de luta de abertura que capta essa falta de direção, Bruce é confrontado por Henri Ducard (Liam Neeson) e convidado a se juntar à League of Shadows: um grupo de míticos guerreiros samurais liderados por Ra’s al Ghul (Ken Watanabe).

Com o uso de um trabalho de câmera muito bom que faz você se sentir como se estivesse olhando através de uma janela para a casa em que os demônios de Bruce vivem, Nolan nos leva de volta ao início com um jovem Bruce Wayne correndo em volta da mansão com a jovem Rachel Dawes (interpretada mais tarde por Katie Holmes).

Enquanto brinca, Bruce cai em um poço abandonado, onde é engolido por uma escuridão que tudo consome, que logo se materializa em um enxame de morcegos que intimidam Bruce e o deixam encolhido no chão – uma cena que remete aos quadrinhos de origem do Batman.

Esse encontro angustiante e de pesadelo com as terríveis criaturas deixa Bruce atormentado para sempre pela simples lembrança d etal evento. Tanto que em uma noite no teatro com seus pais, Bruce se vê incapaz de assistir a uma cena em que os atores, vestidos de preto da cabeça aos pés, estão espiralando do teto para imitar o movimento dos morcegos.

Para salvar Bruce de mais um tormento, a família Wayne deixa o teatro, saindo pelos fundos e entrando em um beco lateral, onde são confrontados à mão armada por um indivíduo misterioso e de aparência abatida. A cena que se segue certamente é familiar a todos que conhecem a origem e trajetória do super-herói…

Quando, já no futuro, Bruce pinta seu recém-adquirido Batsuit totalmente de preto, Nolan também aplica uma nova e mais escura camada de tinta sobre o legado de Batman.

Obviamente, a história de por que Batman se identifica com morcegos e por que ele busca justiça já foi explorada antes. No entanto, Batman Begins foi o primeiro a fundir esses dois. Ou seja, foi a primeira vez que a morte dos pais de Bruce foi posicionada como resultado direto de seu trauma na infância: seu medo de morcegos.

O que Nolan nos apresenta em Batman Begins não é um épico e destemido anti-herói, mas, simplesmente, um homem – um homem que é amplamente governado e motivado pela perspectiva de vingança e culpa que sente pela morte de seus pais.

O filme não é tanto sobre o Batman, mas sobre o que o tornou o Batman; e, nesse sentido, trata-se de Bruce Wayne – não o disfarce de solteirão arrogante, mas o humano que está realmente por trás da máscara: o homem que é o Batman. É aqui que a escuridão do filme permanece e é uma grande parte do que torna a história tão boa.

Toda essa escuridão se faz necessária já que há uma quebra de paradigma no filme que tenta emular um mundo real e não cartunesco. Veja, como dito anteriormente, o Batman já tinha sido sombrio nos filmes de Tim Burton, mas esses filmes sempre lutaram para se destacar da escuridão bidimensional que já estava presente nas histórias de Frank Miller.

Em Batman Begins, no entanto, essa escuridão parece real, de modo a evocar uma certa qualidade opressiva – com a paisagem muito familiar de Gotham que nos envolve em seu desespero e depressão. Por isso, não é que o filme seja realista de fato, mas age como se fosse.

Gotham em si é modelado nas mesmas cidades em que o filme foi filmado, com o monotrilho imponente das indústrias de Wayne cortando o coração da paisagem – um símbolo brilhante de esperança, como Thomas Wayne diz a Bruce – e os problemas que atormentam a cidade (drogas, violência, corrupção, política) são os mesmos problemas que apodrecem e sugam nossas próprias cidades.

Todos os clichês do gênero também recebem uma reformulação necessária para coincidir com essa mudança. O Batmóvel não é mais um carro esportivo elegante e tunado, mas uma monstruosidade de volume e intimidação que se parece mais com um tanque de guerra. E a Batcaverna? Bem, a Batcaverna é exatamente isso: uma caverna cheia de morcegos, o que dá um toque surpreendentemente agradável, considerando que este é, essencialmente, um filme de origem.

É justo, portanto, dizer que o Batman nos cinemas realmente começa em Batman Begins. Nolan consegue nos dar o filme que ninguém sabia que o personagem precisava. Ele nos fornece profundidade de caráter e uma bem-vinda reforma do século XXI.

É claro que bons filmes divertem, mas comumente também alcançam um objetivo maior. Eles desafiam normas e desconstroem binários. Eles criam. Eles ultrapassam os limites. E aí então eles divertem. Por mais contraditório que possa parecer, grandes filmes são feitos quando não é seu objetivo entreter. Quando alguém cria algo novo e intencional, isso realmente significa algo. Algo que desafia todas as convenções preexistentes do que antes era considerado possível.

Claro, a mensagem é muitas vezes obscurecida por conta desse aspecto ‘realista’ e pela influência que a vingança exerce sobre a história, mas Nolan nunca nos deixa verdadeiramente de lado o fato de que, quando despojado da máscara, Batman é apenas um homem com coragem e vontade de agir contra a injustiça que ele vê no mundo. Então, quando o filme chega ao seu fim brilhante, Batman nos deixa com um lembrete: “não é quem eu sou, mas o que faço que me define“.

Pode ser que hoje, mais do que nunca, alguém precise ser esse Batman. Ou talvez todos nós precisemos, de certa forma.

Esse texto é uma adaptação do original encontrado no site LeftLion.