Resenha | Nocturna – Maya Motayne

Dinâmica, sentimentos, profundidade e um curto espaço de tempo? Maya Motayne nos provou a possibilidade dessa junção com seu primeiro livro, Nocturna. Publicado no Brasil pela Seguinte, selo jovem da Companhia das Letras, a obra é um YA inspirado na cultura latina.

Maya Motayne

Em Castallan a existência da magia é como o próprio ar: está em todo lugar. As pessoas possuem magia e cada um está inclinada a algum elemento – água, ar, terra e fogo. No entanto, somente alguns possuem propio, poder mais intenso e único. Alfie era o segundo na linha de sucessão do trono de Castallan, e com o assassinato do irmão, foi obrigado a se tornar rei, mesmo se achando incapacitado e despreparado. Do outro lado, Finn, uma ladra detentora de um propio que a permite mudar de rosto, se tornando a criminosa mais difícil de pegar. Quando os dois, por motivos distintos, participam de um jogo premiado, o destino do reino de Castallan passa a ficar em suas mãos.

O livro se sustenta sobre um pequeno grupo de personagens que defende a obra do início ao fim. A produção autêntica e independente de cada personagem faz com que o leitor se apegue a história nas primeiras páginas. À princípio, parece ser somente mais uma fantasia para jovens; embora boa, nunca passará disso. Porém, somos arrematados por construções de cenas pesadas, sangrentas e bastante criativas.

Enquanto Finn foi abordada pela mais temível criminosa do reino e obrigada a roubar o manto da invisibilidade do castelo, Alfie – quem passou meses em alto mar fugindo da responsabilidade – procura uma forma de provar aos pais e ao povo que seu irmão não morreu ao ser levado para um vácuo onde a magia não existe, e, por isso, não há vida – essa é o tamanho da relação entre magia e vida dentro desse universo. Alfie convence Finn a ajuda-lo a salvar uma pessoa querida, mas como consequência, os dois acabam liberando uma magia escura há muito tempo trancafiada.

Se a proposta parece clichê, é porque provavelmente seja. Mas, novamente, me repito ao defender que: a escritora soube mexer exatamente na construção de cenas, personalidade das personagens, universo mágico e naturalidade das relações a ponto de tornar sua ideia um diferencial entre tantos do mesmo. Há um cuidado extremo em demonstrar as relações de maneira real e gradativa, nada corrido ou falso. Por mais que a história seja contada em um curto espaço de tempo, o equilíbrio entre teoria e prática – diálogos, aprofundamento da história e descrição dos ambientes – é um prato cheio para o leitor.

Motayne preocupou-se tanto em ambientar – sempre fiel aos costumes e tradições latinas – quanto em problematizar questões reais e visíveis na sociedade contemporânea em uma obra contada tantos séculos antes.

Depois de perder os pais muito nova, Finn foi acolhida por Ignacio, um homem que, por traz de palavras bonitas e pressão psicológica, sempre a fez se sentir única e ao mesmo tempo indesejada. Ele a manipulou a ponto de fazê-la acreditar que era um monstro e, sendo assim, sem salvação. Finn precisa lidar com os erros do passado, a criação abusiva e o medo profundo ao passo que ajuda o príncipe a salvar o mundo.

Já Alfie, sempre a sombra do irmão perfeito, do futuro rei ideal, se destaca ao referenciar a masculinidade frágil e vulnerável que os homens sempre tentaram esconder. Ele não é um bad boy, tampouco aquele característico personagem debochado, insensível e escroto. Muito pelo contrário, sua presença dentro do livro é um importante “dedo na ferida”, um alerta e um alívio.

Além das sub tramas que ajudam a sustentar o pilar da obra, outro grande ponto positivo está no fato de a magia obscura, algo que necessita de um hospedeiro tão obscuro quanto, encontrar alguém que faz nossa mão suar de ansiedade, medo e tensão. A cada possibilidade de encontro dos nossos dois personagens queridinhos com o vilão faz os cabelos da nuca se arrepiarem.

A descrição impecável e a escrita fluída de Maya Motayne deixa com gostinho de quero mais e, apesar do livro ter tido um final completo e plausível, também nos deixa com a expectativa de uma continuação. A autora teve o cuidado de não deixar nenhum romance interferir em seu propósito, mas é impossível não se apaixonar pelos opostos Finn e Alfie. Eles não foram feitos para se completar, assim como ninguém deve ser; foram feitos para se apoiar na luta contra os fantasmas mais internos de si mesmo.

E como a própria editora defende: os fãs da Victoria Aveyard e V.E. Schwab realmente vão amar.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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