Resenha | Jogador Nº 1

(Para evitar spoilers, a resenha não abordará de maneira profunda a trama do livro.) 

A cultura pop dos anos 80 exerce um estranho fascínio sobre muitas pessoas. Tenha você vivido sua infância nos anos 80 ou 90, certamente diversas obras oitentistas clássicas terão te marcado. Aquele clima de “Sessão da Tarde(Ou Cinema em Casa), é algo que carregaremos com carinho por todas nossas vidas.

Atrelado a esta paixão, está o uso de recursos conhecidos como easter-eggs, fan-service ou referências. Apesar de terem certas diferenças, todos buscam trazer para o público algo com que ele se identifique e tome como recompensa.

Foi com em cima desta sensação e destes recursos que Ernest Cline escreveu Jogador Nº 1, publicado no Brasil pela Editora Leya.

O livro conta a história de Wade Watts, um jovem que passa, como a maioria das pessoas no ano 2044, a maior parte do seu tempo no OASIS, um mundo virtual criado por James Halliday. No OASIS, todos podem ser o que quiserem e viver as suas vidas sem as limitações do mundo real. Contudo, após a morte do criador, é iniciada uma caçada por um segredo deixado por Halliday no OASIS, onde o primeiro a encontrar este segredo terá controle sobre o OASIS e a fortuna de Halliday.

Halliday, tido como um Steve Jobs da próxima geração, era um absoluto fã da cultura pop oitentista. Amante da obra de Spielberg, John Hughes, Vídeo-games e RPG, Halliday fora um nerd absoluto. Deste modo, fica óbvio para os frequentadores do OASIS que muitos dos segredos a serem desvendados estarão ligados às obras que permearam a adolescência do criador.

Então temos uma caça ao tesouro, no maior estilo Goonies, recheada de referências a filmes como De Volta para o Futuro, Jogos de Guerra, TRON, ou a jogos como Zork, Black Tiger, Pac-Man, RPG de mesa e  tantas outras coisas. Talvez, uma forma genérica de de resumir esta trama seja chamá-la de um “Código da Vinci da Cultura Pop”.

Do outro lado do OASIS, temos um contexto de sociedade beirando a ruína de maneira quase distópica. Muitos dos temores que temos atualmente, como esgotamento de recursos, se realizaram e a humanidade se vê em declínio, o que a leva a recorrer ao OASIS (nome bem aplicado aqui) como a forma maior de escapismo.

Assim como nos MMOs atuais, no OASIS cada um pode assumir uma nova identidade e ser aquilo que quer ser. Neste contexto, o mundo criado por Halliday acaba tornando-se o artifício máximo para uso de easter-eggs e menções que animam os leitores. Lá é possível ver recriações de cenários de obras famosas, usar naves como X-Wing e TARDIS para se transportar, além de poder usar artefatos mágicos.

Acompanhando a jornada de Wade Watts, cujo pseudônimo no OASIS é Parzival, somos levados a uma aventura onde a paixão pela cultura pop é o principal motor. À medida que os personagens vão chegando mais próximo do tesouro, vamos revisitando diversas obras que nos marcaram e certamente marcaram o escritor. No entanto, a quantidade exagerada de referências aqui atende ao contexto e não soa forçada, Poder ver personagens, veículos e objetos de diferentes obras clássicas interagindo faz todo o sentido dentro do universo do livro.

Mas nem só de referências vive Jogador Nº 1. Enquanto muitos civis buscam o segredo de Halliday, estes apelidados de Caça-Ovos, uma corporação também está na busca e utilizando os seus infindáveis recursos. A IOI, Innovative Online Industries, representa a face do mal que busca tornar o OASIS um ambiente lucrativo e opressivo para os seus usuários. Comandada por Nolan Sorrento, a empresa não mede esforços para sair na frente na corrida. Para tanto, ela conta com um exército de funcionários que possuem equipamento de ponta para encontrar o “ovo” antes de todo mundo.

Apesar da presença da IOI, Sorrento acaba por encarnar o papel de vilão da história. Contudo, sendo totalmente unidimensional, o personagem torna-se um dos pontos fracos da trama. É possível arguir que esta seria a intenção de Cline, resgatar os vilões caricatos dos anos 80. No entanto, fica a sensação de o personagem poderia ter ido além.

Já os companheiros de Parzival são mais interessantes. Art3mis, que funciona como interesse romântico do protagonista, além de ser uma valiosa parceira do personagem, é interessantíssima assim como Aech, melhor amigo de Wade, que possui um background mais complexo que vai sendo revelado ao longo da trama.

Apesar de ser uma trama futurista, é possível se relacionar com os personagens nas mais diversas situações. O paralelo traçado por Cline no uso da tecnologia, na paixão pela cultura pop e na forma como podemos nos isolar por conta disso é extremamente indetificável. Elementos como este tornam o livro mais humano e ainda mais envolvente. Ainda que de forma sutil, o livro nos faz refletir sobre a forma que gastamos nosso tempo e o quanto nos dedicamos a algo que não é necessariamente “real”.

 

Com uma mistura de referências e sentimentos, Jogador Nº 1 transporta o leitor para um universo novo e ao mesmo tempo familiar. É bem interessante a forma como revisitamos coisas que amamos dentro de um novo contexto enquanto tentamos desvendar enigmas. Apesar de um vilão esquecível e um desenvolvimento de personagens pouco competente, o livro consegue ser uma aventura marcante e com todo sabor da nostalgia.

Vale ressaltar que apesar de carecer de profundidade, Jogador Nº 1 é um livro extremamente divertido e absolutamente viciante. A busca pelo tesouro prende o leitor enquanto as referências arrancam risos. A experiência é extremamente gratificante.

Se você é fã de cultura pop, especialmente a dos anos 80, e de histórias de caça ao tesouro, Jogador Nº 1 é uma escolhe extremamente acertada. Aquele livro com cara de “Sessão da Tarde”.

Jogador Nº 1 pode ser adquirido a preços promocionais na Amazon.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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