Resenha | Holocausto Brasileiro – Daniela Arbex

*O texto a seguir foi escrito por alguém que é leigo na área da Psicologia e Psiquiatria e que procurou se ater a obra resenhada.”

Na sociedade brasileira muitos dos principais protagonistas foram pessoas excluídas socialmente. Negros, mulheres, homossexuais, pessoas com transtornos mentais, entre outros; sempre tiveram seus direitos negados, em muitos momentos da história.

Internos do Hospício de Barbacena

“A dor só vira palavra escrita depois de respirar dentro de cada um como pesadelo.”

A obra Holocausto Brasileiro da jornalista Daniela Arbex (Editora Geração) apresenta, com riqueza de detalhes, a negação de direitos e as inúmeras violências sofridas pelos internos do Hospício de Barbacena (Colônia, como era mais conhecido), localizado em Minas Gerais, que vitimou cerca de 60 mil pessoas.

Daniela Arbex

Fruto de uma rica pesquisa jornalística, a autora mergulha dentro da indústria da loucura e denúncia como os ditos “normais” construíram um verdadeiro campo de concentração, no qual a maioria dos internos que foram trancafiados à força não possuíam quaisquer diagnóstico de doença mental – eram: alcoólatras, drogados, epilépticos, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas dos patrões (estupradas), mulheres abandonadas pelos maridos, jovens que perderam a virgindade antes do casamento; perderam a vida, vitimados por um sistema organizado para descartá-los somente por não serem socialmente aceitos.

Minha leitura do Holocausto Brasileiro foi marcada por uma série de sentimentos conflitantes. Em muitos momentos a revolta e a indignação me dominaram, principalmente ao “ver” os pacientes bebendo água do esgoto e a própria urina para matar a sede e ainda tendo que comer ratos para não morrerem de fome. Em outras passagens, a alegria e a comoção me acompanharam, nas histórias de reencontro e solidariedade que alguns internos puderam vivenciar. O sentimento de impotência também foi muito marcante, por saber que apesar dos acontecimentos do livro estarem no passado, ainda hoje é comum ver pessoas em situações desumanas.

Internos do Colônia viviam nus ou vestindo trapos, mesmo com temperaturas baixíssimas.

Ao escrever Holocausto Brasileiro, Daniela Arbex devolve um pouco de dignidade e humanidade aos sobreviventes de Barbacena e traz um pouco de justiça ao relembrar daqueles que morreram. O livro é de uma riqueza histórica por apresentar uma história desconhecida por grande parte da população brasileira e que foi um dos cenários determinantes para surgir movimentos que lutaram e lutam pela reforma da psiquiatria, a exemplo do Antimanicomial.

“O fato é que a história do Colônia é a nossa história. Ela representa a vergonha da omissão coletiva que faz mais e mais vítimas no Brasil. Os campos de concentração vão além de Barbacena. Estão de volta nos hospitais públicos lotados que continuam a funcionar precariamente em muitas outras cidades brasileiras. Multiplicam-se nas prisões, nos centros de socioeducação para adolescentes em conflito com a lei, nas comunidades à mercê do tráfico. O descaso diante da realidade nos transforma em prisioneiros dela. Ao ignorá-la, nos tornamos cúmplices dos crimes que se repetem diariamente diante de nossos olhos. Enquanto o silêncio acobertar a indiferença, a sociedade continuará avançando em direção ao passado da barbárie. É tempo de escrever uma nova história e de mudar o final.”


Sinopse:

Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade. Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.

Curiosidades:

Aclamado pelo público e vencedor do segundo lugar na categoria livro-documentário do prêmio Jabuti e ganhador do APCA de melhor livro reportagem e do Lorenzo Natali (Bélgica), a obra também foi adaptada como documentário e lançado pela HBO em 40 países.

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