Resenha | Crave a Marca – Veronica Roth

Mais fantasia que ficção científica, embora a intenção tenha sido o contrário.

Em Crave a Marca, livro escrito pela estadunidense Veronica Roth (Divergente) acompanhamos a história de Akos e Cyra, opostos de um mesmo planeta-nação. Aqui, os planetas são centrados dentro de uma força trazida pela “corrente”, responsável por ligar tudo e todos. Dessa força, nascem os dons.

Veronica Roth

No planeta Thuvhe, temos o thuvesita Akos, filho de uma das três Oráculos do seu planeta. Cyra, por outro lado, é filha do ditador do povo Shotet, pessoas consideradas selvagens e sem nação. Quando soldados shotet sequestram Akos e seu irmão, o garoto promete leva-lo de volta para casa, embarcando numa viagem (aparentemente) só de ida. A Corrente fornece as pessoas dons, dos mais variados. O dom-da-corrente de Cyra faz qualquer pessoa sob seu toque sofrer, tornando-se uma arma para seu pai e, sucessivamente, o irmão. Já o de Akos inibe qualquer outro dom.

A partir daí, temos uma menina decidida a fugir das garras do irmão e o garoto que pretende salvar o seu do maior inimigo. Obrigados a conviver diariamente, os dois formam uma aliança incomum.

A coisa mais interessante aqui é a profundidade dos povos. Somos introduzidos desde o tipo de comida até os princípios e religiões de cada um. Apesar da Corrente ser uma verdade para todos, ela é vista sob diferentes perspectivas. Para alguns leitores, o livro teve cunho racista. Isso porque o povo Shotet é descrito como indivíduos de pele escura e vistos como selvagens. Porém, durante minha leitura, percebi que essa é a visão que outros povos têm dos Shotet, não um fato universal ou incriticável. Os capítulos designados a Akos acompanha o caminho de desmitificação do personagem quanto aos rumores ouvidos sua vida inteira.

No início da resenha eu comentei sobre a intenção não alcançada, isso porque a autora falou em inúmeras entrevistas sobre sua vontade de escrever uma história no espaço, aumentando a expectativa de algo parecido com Star Wars. Apesar de uns passeios em naves espaciais, o foco gira em torno das diferenças entre os personagens e como eles lidarão com elas para continuarem vivos. Enaltasse muito mais a fantasia (os dons e suas consequências) que de fato um universo além da nossa realidade.

Roth é brilhante, sem dúvidas. Tem uma escrita impecável, com descrições de fácil entendimento, capaz de nos fazer pincelar perfeitamente a ambientação, gestos e fisionomia. Cyra é a melhor personagem desse livro: badass, escolheu ser o seu melhor mesmo sendo para o pai e irmão apenas um instrumento de tortura. Sozinha, se tornou inteligente, sagaz e uma guerreira. É mais do que apenas empoderamento feminino, é um empoderamento geral.

Crave a Marca conseguiu se manter sem perder-se dentro de súbitos romances mesquinhas. A amizade é bem retratada, o amadurecimento de questões internas e a evolução das incertezas também. É lindo ler nas entrelinhas como conhecimento muda tudo. Os confrontos interligam a força interna (dom) e a física (estilos de luta), criando embates de encher os olhos.

Apesar de ter valido a pena a leitura, fiquei decepcionada por não ver o problema real sendo melhor assinalado. Poderia ser algo inédito, mas Roth preferiu trabalhar na criação de novas criaturas, de mundos diferentes, ignorando, talvez, problemáticas mais profundas. No final, duas informações cruciais buscam manter no leitor a vontade de continuar lendo, prometendo uma sequência que, se bem direcionada, pode levar a um grande desfecho.

OBS: Abra as últimas páginas, há um guia de pronúncia para ajudar na linguagem criada pela autora. Bem legal, né?!

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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