Resenha | A Vida Perfeita Não Existe – Daiana Garbin

  • Por Beatriz Barbosa

A história de formação da sociedade humana sempre teve o “protagonismo” de homens “bem-intencionados” que apoiados pelos grupos de poder e dos que detinham a riqueza da época, ditaram costumes, modos e o ideal para a população; relegando às mulheres a um lugar de coadjuvantes – que apesar da resistência, ainda buscam romper com essas amarras. Hoje, esse modelo patriarcal de organização, ainda resiste e tem um importante aliado nas redes sociais. Muitos influenciadores digitais, na busca de likes e recursos, reforçam estereótipos, vendem padrões irreais e uma perfeição produzida pelos inúmeros filtros de aplicativos.

Sobre esse contexto das influências das redes sociais em nossas vidas, a autora Daiana Garbin nos convida à leitura do seu mais novo livro A Vida Perfeita não Existe. Lançado pela editora Sextante, a autora se abre para os leitores e através de um doloroso processo pessoal divide conosco sua jornada à procura de respostas. Com base em estudos, pesquisas, entrevistas com especialistas e depoimentos, ela traça um panorama da frustração que sentimos ao perseguir um tipo de felicidade irreal e mostra como encontrar coragem para adotar uma nova atitude em relação a vida.

Daiana Garbin

A escritora faz uma abordagem sobre os nossos sentimentos mais intimidadores e as nossas dificuldades de lidar com eles. A leitura da obra se parece com uma conversa entre amigas, na qual alguém conta sobre um problema e o que foi feito para chegar nas condições atuais. Esse caminho é desnudado por relatos fortes e emocionantes, tanto da autora como também de alguns de seus leitores, o que nos provoca reconhecimento e compaixão.

Faz parte da natureza humana sentir medo, raiva, ciúmes. Por outro lado, tem sentimento que parece absurdo ser sentido e é um verdadeiro tabu se falar nisso – como a inveja. Em um dos seus relatos, Daiana reconhece que sente inveja desde a infância e o quanto ela sofreu com isso.

“Eu hesitei e depois comecei a chorar; não queria falar alto a palavra “inveja”. Eu não podia sentir aquilo afinal é um sentimento hostil, agressivo. Queria ser uma pessoa boa e, na minha cabeça, pessoas boas não sentem inveja. Mas acabei percebendo que o que sentir naquele momento foi, sim, inveja. Chorei muito, não conseguia me perdoar por algo tão terrível.”

Aprender a reconhecer os nossos sentimentos nos faz ter mais percepção sobre nós mesmos e a partir disso trabalharmos no nosso desenvolvimento. Contudo, para chegar a esse grau de evolução, precisamos rever os nossos condicionamentos, uma vez que desde muito novos, somos ensinados a reprimir os sentimentos ditos ruins e como consequência sentimos vergonha, culpa. Vergonha de ser quem somos, de não ser aceito, não ser amado, de não fazer parte de um grupo social ou de um padrão estético. Uma pessoa não nasce sentindo vergonha, ela é externa, aprendemos a senti-la.

“O que vai ditar as vergonhas que vão se manifestar é tudo aquilo que você aprendeu, ouviu e vivenciou desde a infância (…)”

Garbin se aprofunda nessa questão dos sentimentos que nos é incutido desde a infância, ao abordar sobre as vergonhas direcionadas ao corpo. Nos dias atuais é muito comum nos deparar com pessoas insatisfeitas com o corpo que possui. O corpo deixou de ser um templo sagrado, a nossa casa, o lugar que nós habitamos e virou um inimigo a ser combatido – virou alvo de ataques. Sentimentos de ódio, rejeição, raiva, culpa, vem ganhando espaço e com eles, a dificuldade em olhar o próprio corpo no espelho, características de um transtorno de imagem – no qual a pessoa tem dificuldades em enxergar a sua imagem real e não distorcida pela ideia do que seria perfeito.

“Em meus estudos e pesquisas, descobrir que a vergonha relacionada a imagem corporal é quase unanimidade entre as mulheres e muito presente nas inquietações dos homens. E que a vergonha da forma do corpo é, na verdade, vergonha de algo que aquele corpo viveu ou desejou.”

Existe muitos relatos fortes de mulheres que sentem vergonha do próprio corpo por uma série de motivos: por odiar ser “magra”, por odiar ser “gorda”, pela vergonha de fracassar, não ser boa namorada e nem boa filha… e uma forma de escape/ autopunição que encontram é através da mutilação, outras ficam anoréxicas ou obesas por nojo e culpa de terem sofrido abuso.  Esses fenômenos não se limitam a faixa etária e nem condições financeiras, o que evidencia que a raiz do problema está na forma como aprendemos a nos relacionar com o nosso corpo, com as nossas dores.

“Para lidar com um sofrimento, seja ele qual for, é preciso primeiro perder a vergonha de senti-lo e, ao invés disso, aceita-lo, dar-lhe acolhimento incondicional no lugar de querer fazê-lo desaparecer. Ele já está aqui, não vai sumir sozinho. Suas feridas mais profundas precisam ser reconhecidas, aceitas, tiradas das sombras, para que assim você possa suavizá-las”.

Outro tema abordado no livro é o sentimento de insuficiência. A autora, mesmo tendo sucesso profissional, se sentia incompleta e se enxergava sozinha, desolada, fracassada por coisas que ela não conquistou – como por não ter o corpo magro como desejou ou pelos caminhos profissionais que ela percorreu.

“Perdemos a capacidade de gostar de nós mesmas quando passamos a viver de um jeito perigoso: baseado na comparação, na competição, na inveja, na desqualificação dos outros, idealizando uma vida plena/perfeita e não aceitando que erros, fracassos e vazios são partes inevitáveis da vida.”

Quando comecei a ler esse livro eu não imaginava que Daiana teria tanta razão em dizer o quando esse livro iria incomodar. Passei anos na minha vida me sentindo insuficiente, incompleta e nada em mim bastava. Então eu busquei preencher vazios, sempre buscava ter minha mente ocupada e assim foi por anos. Quando entrei na faculdade eu me dediquei absurdamente, coloquei os estudos acima do meu bem-estar, eu queria alcançar um espaço, eu acreditava que assim eu me sentiria plena e completa. Mas nada disso ainda era bom o suficiente. Eu não me sentia feliz por muito tempo com algo que eu conquistasse, estava sempre presa naquilo que ainda não conquistei.

“Vivemos uma busca eterna por algo que nunca chega. A vida idealizada nunca chega. A felicidade idealizada nunca chega. O corpo idealizado nunca chega. O dinheiro idealizado nunca chega. Estamos perpetuamente angustiados deixando nossa vida passar.”

Daiana ressalta que a vida perfeita realmente não existe, nem para ela, nem para mim e muito menos para você. Somos humanos, temos emoções, sentimos dores, sofremos, coisas boas e ruins acontecem em nossa vida. Pessoas vão embora, outras chegam. Não temos como controlar os acontecimentos. Mas podemos identificar o que sentimos, reconhecer e cuidar com amor e carinho para suavizar.

“Viver de modo respeitoso é saber que posso contar comigo para enfrentar os desafios da vida. É me considerar uma aliada, uma amiga, e não minha pior inimiga. É saber que eu posso me acolher, me respeitar, me abraçar, sentir amor e carinho por mim mesma. É ter coragem e a responsabilidade de aceitar e admitir meus erros e defeitos, meu lado obscuro, e mudar, porque me amo e me respeito.”

Depois de muitas reflexões, relatos, trechos de livros que foram necessários na vida da escritora, ela nos convida a voltar para nossa casa. Nosso corpo estará ali conosco até o final da nossa vida. Mesmo que você não se sinta feliz por ele não ser como gostaria é necessário se olhar com respeito e cuidar da casa que te acolhe todos os dias.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.