Crítica | O Poderoso Chefinho – A eterna dificuldade/necessidade de dividir (especialmente amor)

O Poderoso Chefinho, mais nova animação da Dreamworks, é uma boa pedida pra levar suas crianças ao cinema. Além de ser uma animação bem divertida pra todas as idades, vista pela perspectiva de um adulto pode levar a boas reflexões.

O filme conta a história de Tim, um garoto de 7 anos (e meio, como ele gosta de frisar) cujos pais o amam muito e lhe dão todo o carinho e atenção. A coisa é tão exacerbada que eles chegam a ler 3 histórias e lhe darem 5 abraços enquanto tocam sua canção favorita antes de dormir (e que conste que tal canção é nada menos que Blackbird, dos Beatles, o que é uma escolha, no mínimo interessante, visto que se trata de uma filme de crianças. Mas ao descobrir que o responsável pela trilha sonora é Hans Zimmer tudo passa a fazer sentido novamente).

Tudo era perfeito até a chegada do Bebê (sim, ele não tem nome). Ele chega de táxi, usa terno, gravata e anda com uma mala a tiracolo e os pais acham isso… fofo?! Só Tim percebe que algo está errado, mas é óbvio que ninguém acredita e pensa que tudo não passa de implicância e ciúme, pois agora toda a atenção será para o bebê, e não mais para ele.

“Ele carrega uma mala!”

A magia do cinema e a imaginação das crianças se misturam nesse início do longa. A sequência inicial mostra Tim se aventurando pelos mais diversos desafios, e enfrentando muitos perigos. Tudo não passa de sua imaginação, enquanto brinca sozinho ou com seus pais. Mas para ele, tudo é bem verdadeiro e relevante em sua vida, o que está diretamente ligado à sua relação com a família bem como sua esperteza, inteligência e criatividade.

Além disso, o filme traz mais uma versão para a velha pergunta: de onde vêm os bebês? E é aí que surge uma grande dúvida que pode permear a cabeça dos espectadores por toda película: o Bebê (Chefinho) é e faz tudo que vemos ou tudo não passa da imaginação de Tim?

Afinal, nessa sequencia da origem dos bebês, vemos vários deles passando por máquinas, tal qual numa linha de produção de uma fábrica, e vão descendo por uma espécie de tobogã (muito parecido com a última coisa que Tim viu antes de dormir, um brinquedo seu) até chegarem num portal onde recebem uma dose de cócegas. Se rirem, são direcionados a uma família; se não, vão para a gerência da tal fábrica e passam a trabalhar para a mesma. Dessa forma, nós, que assistimos filmes/séries/”qualquer coisa que nos entretenha”, somos induzidos a questionar se tudo dali em diante não seria um sonho ou imaginação de Tim ou se era tudo verdade, de um jeito maluco. Ou até mesmo, se tudo que Tim (e todas as crianças) vivem é real e nós, adultos, é que nos recusamos a acreditar ou ver.

O filme se desenrola de forma bem divertida, mostrando a relação entre uma criança e seu irmão que ‘tomou o seu lugar’, além de mostrar o real plano do bebê corporativo: descobrir qual o plano de uma grande empresa que pretende atrapalhar ainda mais a ‘indústria dos bebês’. Aliás, esse é um outro assunto interessante levantado pelo filme: muita gente hoje não quer mais ter filhos ou os trata e considera da mesma forma como os animaizinhos de estimação, que muitas vezes são considerados apenas ‘decorativos’, como colocados pelo filme.

O maior inimigo dos bebês nos dias de hoje

Outra coisa legal no filme são as referências e possíveis easter eggs, que os olhos e ouvidos mais treinados vão se deliciar ao encontrar. Elas são muitas, e vão de O Senhor das Anéis à Indiana Jones. O tipo de coisa que não faz a menor diferença se você não nota, mas é bem legal quando se reconhece e dá vontade de soltar um “Eu entendi a referência!”

No entanto, de todos assuntos levantados em forma de parábolas ou alegorias, o mais interessante é a nossa dificuldade em aceitar dividir, especialmente o amor que temos dentro de nós mesmos e aquele que conquistamos, dificuldade essa que é conflitante com a necessidade de fazê-lo. Não sabemos amar e nos deixar ser amados, na mesma proporção em que precisamos disso. Por isso, é muito importante apresentar às crianças desde cedo esse paradoxo, assim, quem sabe, elas aprendam (de forma bem lúdica e sutil) a lidar melhor com isso para que sejam pessoas melhores do que nós no futuro, fazendo do mundo um lugar melhor, de quebra.

Mas não se iluda: O Poderoso Chefinho não é só profundidade e reflexão. É também entretenimento e diversão, ainda mais se você não estiver tentando perceber esses detalhes e estiver só a fim de rir (e rirá bastante em alguns momentos). Tem um final até bem clichê e previsível, mas muitas vezes é disso que precisamos. Por isso, leve suas crianças (ou a criança em você) ao cinema e se disponha a assistir uma comédia que trata de temas importantes pra nossa vida adulta, mas que desce suave enquanto nos entretém.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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