Especial Dia Das Mulheres | O protagonismo feminino nos filmes e séries de super-heróis

Em 2017 a DC foi pioneira ao, finalmente, lançar o filme da Mulher-Maravilha. Esse foi o primeiro filme do (hoje não mais ‘sub’) gênero de super-heróis protagonizado por uma mulher, além de também ter sido dirigido por uma mulher, Patty Jenkins.

O filme foi um sucesso de bilheteria e crítica. Mas o seu maior legado foi ter conseguido se tornar o ícone que precisava ser. Além da esperada inspiração e exemplo para as meninas que precisavam de uma super-heroína para representá-las nas telonas, ele abriu as portas do mercado cinematográfico para essas heroínas.

A Marvel, que até já tinha nos planos o filme da Capitã Marvel, pôde acreditar mais no projeto e talvez até tenha se sentido desafiada (no mínimo motivada) a fazer algo tão bom quanto, ou até melhor. De fato, será um desafio. Afinal, o apelo comercial da Mulher-Maravilha é absurdamente maior do que o da Capitã Marvel.

Contudo, se observarmos com um pouco mais de atenção, poderemos notar que, na verdade, a Marvel acabou preparando o terreno para a DC nesse campo, e não o contrário. Por mais que Diana Prince tenha sido a primeira protagonista superpoderosa nas telonas, nessa ideia de Universo Compartilhado (que a Marvel começou há 10 anos e a DC ainda não conseguiu se firmar totalmente), já tínhamos mulheres nas rédeas.

Preste atenção em Agents of SHIELD. Perceba que ela é uma série sobre as mulheres. Elas são as grandes protagonistas. Começando por Skye/Daisy Johnson/Tremor. A história basicamente gira em torno dela, mesmo que o grande link da série com o restante do MCU, pelo menos a princípio, tenha sido Phil Culson. Agora pense em quem é a personagem mais badass da série, aquela que resolve qualquer situação e que pode salvar (ou bater em) qualquer outro? Melinda May. E a segunda mais badass, que quase teve sua própria série? Bobbi Morse (a Harpia nas HQs). Falando em spin-off, quem teve sua própria série que, de certa forma, saiu de AoS? A Agente Peggy Carter.

Além de Agent Carter, que não foi concebida, a princípio, para durar muito já que contava uma história de prequel, tivemos Jessica Jones na Netflix. Uma heroína um tanto desajustada e praticamente desconhecida do grande público. Mesmo assim a série foi muito elogiada e tratou de assuntos sérios como relacionamentos abusivos e estupro. Jessica ainda viria a ser um dos pilares e uma das mais poderosas na equipe Os Defensores algum tempo depois.

No entanto, essa valorização do protagonismo feminino que há nas séries da Marvel não chegou ao cinema, e por consequência, ao grande público. A personagem mais popular do MCU nos cinemas é a Viúva Negra. Uma das poucas que participou de outros filmes do Universo sem ser Os Vingadores (Homem de Ferro 2 e Capitão América 2). Há alguns anos rola o boato de que o filme solo da personagem vai acontecer, mas somente no início desse ano o rumor ganhou força e parece que vai mesmo se concretizar. Resta aguardar e torcer.

No segundo filme dos Vingadores, a Feiticeira Escarlate foi adicionada à equipe. Mas apesar da personagem ser uma das mais poderosas nas HQs, até um tanto over powered (já acabou com todos os mutantes da Terra com apenas uma frase), nos dois filmes em que apareceu ainda não mostrou todo seu potencial, talvez por ainda estar descobrindo todo seu poder. Outra que tem um papel muito mais influente nas HQs e nos filmes (e séries) quase não aparece, é Maria Hill. Ela não é nem de longe a ‘xerifona’, badass, boca suja e excelente estrategista que podemos ver nos quadrinhos. Na verdade, é possível contar nos dedos quantas falas ela tem somando-se todo seu tempo em tela em todo MCU.

Temos ainda uma Gamora aquém do que pode ser, Lady Sif quase nula e ignorada no Ragnarok e uma Valquíria ainda com muito recente e com pouco tempo para uma análise melhor (mas com potencial). No máximo pode-se destacar a vilã Hela, que sim, poderia render mais, mas foi no mínimo digna (e a primeira vilã em um filme do MCU).

Quando o assunto são os interesses românticos dos super-heróis, a maioria das personagens são irrelevantes, isso quando não são irritantes mesmo. Jane Foster que o diga. A personagem que nas HQs durante algum tempo nos últimos anos carregou o manto de Thor, nos filmes do filho de Odin foi tão rejeitada pelo público que simplesmente desapareceu, foi eliminada. Assim como Betty Ross, que também já foi uma Hulk nos quadrinhos, e nunca mais sequer foi citada no MCU, mesmo tendo seu pai de volta à história em Guerra Civil. Mary Jane nunca foi a mulher forte e decidida, ou como muitos chamam, um furacão na vida de Peter Parker. Talvez essa nova ‘MJ’ apresentada em De volta ao lar possa sê-lo em breve. Pareceu promissora. A única esposa/namorada de super-herói que foi realmente relevante (na verdade fundamental) nos filmes foi Pepper Potts em Homem de Ferro 3. Bem como, verdade seja dita, sempre demonstrou sua personalidade forte e sua inteligência e eficiência profissional, sobrepondo-as à sua relação e seus sentimentos por Tony Stark.

Se falamos das outras personagens da Marvel nas mãos da Fox, o cenário também não é muito diferente. Os únicos destaques positivos ficam por conta da Lince Negra de Ellen Page, que nem foi tudo que poderia, mas foi muito importante em Dias de um futuro esquecido e ainda pode ganhar um filme solo; e Jean Grey, que também não mostrou tudo que poderia/deveria, mas foi, no mínimo importante na primeira trilogia dos X-men e vai ser protagonista em a Fênix Negra. Bem diferente de Tempestade e Vampira, que foram as personagens mais subestimadas e subaproveitadas de todas já citadas. Negasonic Teenage Warhead em Deadpool também foi legal, mas nada de muito destaque ainda. Aguardemos Domino, no próximo filme do Mercenário Tagarela. Mas a falta de cenas dela nos trailers, já nos sinaliza que devemos manter as expectativas baixas. Ignoraremos Sue Storm, a Mulher Invisível do Quarteto Fantástico tal qual a Fox a ignora.

Quando voltamos ao DCEU, o cenário é ainda pior. Por mais que o primeiro filme de uma heroína ter vindo de lá, a Mulher-Maravilha é praticamente uma estrela solitária. No lado dos bonzinhos, no máximo temos um Lois Lane questionável, apesar do potencial de sua intérprete. Já no lado dos não tão bonzinhos assim, temos uma hiperssexualizada Arlequina, que até ganhou muita popularidade, mas, convenhamos, não pode ser um exemplo ou inspiração pra ninguém. Pelo menos não deveria. Entretanto, a DC poderia se aproveitar dessa popularidade para tratar de assuntos como relações abusivas e distúrbios psicológicos que podem causar desvios de conduta.

Temos ainda a, ao mesmo tempo over powered e subaproveitada, Magia. Outra onde também podemos notar um certo peso na sexualização. Poderia ter sido muito melhor aproveitada e ser o que Hela foi em Ragnarok e, assim, uma boa vilã, que queira ou não, é protagonista.

Quando parecia que o DCEU iria dar mais um passo em direção ao protagonismo feminino e continuar inspirando e dando esperança para as meninas (e logicamente tendo retorno financeiro, pois ninguém é bobo e o capitalismo é selvagem), Joss Whedon abandonou o filme da Batgirl e não se sabe ainda qual o status do projeto.

A maior aposta da DC nas super-heroínas está na TV com a Supergirl. Infelizmente a série não emplacou como se esperava, mas pelo menos também não chega a ser exatamente um fracasso. A prima do heróis mais famoso de todos os tempos tem muito potencial para ser um dos maiores ícones femininos ao lado da Mulher-Maravilha mas ainda está bem longe disso. As outras personagens menores do chamado Arrowverse são até bem relevantes e tem muita importância nas séries, mas acabam pecando por se focarem muito nas relações amorosas e acabam, por muitas vezes, perdendo a paciência, atenção e simpatia dos espectadores. As principais nesse quesito são Felicity Smoak e Iris West. Sara Lance, a Canário Branco que saiu de Arrow e foi Legends of Tomorrow, é a mais bem sucedida e, ainda assim, uma parcela muito pequena do público comum a conhece. Ou seja, seu papel como símbolo ou inspiração é quase nulo.

O mais triste, é que praticamente todas essas personagens tem já há alguns anos (algumas delas há muitas décadas), papéis infinitamente mais importantes nos quadrinhos. E ainda há aquelas que sequer foram apresentadas nas séries ou filmes. O principal exemplo é Kamala Khan, a Ms. Marvel. E olha que ela é uma personagem fundamental para a sociedade em que vivemos, e poderia ser o maior símbolo dessa geração: é uma adolescente, poderosíssima e muçulmana. Se não agora, quando essa personagem seria mais relevante? Quando sua causa e mensagem pode ser melhor aproveitada se não nesse momento em que filmes de heróis ainda estão em alta?

A Marvel foi muito criticada por investir na diversidade em suas HQs. Acabou por encerrar muitos títulos relacionados à diversidade. Tínhamos uma Thor e uma Wolverine, só pra citar as mulheres que assumiram mantos historicamente masculinos. Foi muito corajosa. Teve muito repercussão, no entanto. E repercussão, gera lucro, gera buzz. Por que não, então, fazer o mesmo nos cinemas? Se sabe que deu certo nos quadrinhos que tem um público muito menos abrangente (e sim, deu certo, não é por essa razão em particular que os títulos foram encerrados), por que não fazer o mesmo, ou pelo menos fazer algo parecido, nos cinemas? Por que tanta demora? Não precisa correr e botar os pés pelas mãos. Mas isso deveria ter começado de forma gradativa há muito tempo.

Tanto Marvel como DC ainda tem muito que evoluir na questão do protagonismo feminino nos cinemas. E só tem a ganhar. Se produzirem material de qualidade, o que sabem fazer (vide Mulher-Maravilha e Pantera Negra, pois sim, este também foi um filme com mulheres protagonistas, ou no mínimo com representatividade), o público pode se interessar cada vez mais e consumir esse material. É uma via de mão dupla: quanto mais envolver e representar, mais retorno financeiro. Quanto mais retorno, mais representação. E assim segue o ciclo. Mulheres para isso há. Tanto as fictícias (personagens interessantes) como as reais (atrizes talentosas, diretoras, roteiristas, produtoras e tal). E pode ter certeza: há muitas mulheres que se interessam por esses produtos, e se ainda não há tantas quanto homens, é justamente por essa falta de investimento para que haja. Todos os envolvidos saem ganhando.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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