Crítica | Vis a Vis – Netflix (1ª Temporada)
Vis a Vis é uma série espanhola já disponível na Netflix. Em onze episódios com cerca de uma hora de duração, nomes como Maggie Civantos (As Telefonistas) e Alba Flores (La Casa de Papel) protagonizam a obra ambientada em uma penitenciária feminina.
Macarena tinha um relacionamento com seu chefe, um homem casado, e sua ingenuidade a levou a se envolver num grande golpe. Traída e abandonada pelo amante, toda a culpa recaí sobre ela. Condenada a sete anos de prisão por todos os crimes, precisará crescer e aprender a se defender se quiser sobreviver as outras prisioneiras.
“Eu sou inocente” é dito por tantos recém prisioneiros que aos poucos se torna uma comédia. Macarena alega inocência desde o tribunal até a entrada na penitenciária. Contudo, acompanhando o enredo pelo seu ponto de vista, é claro como ela realmente se sente inocente diante dos acontecimentos.
Talvez a palavra certa seja “injustiçada”. É possível tirar tal conclusão ao passo que a série intercala passado e presente, a concepção do plano do golpe e as consequências acarretadas para a vida de Maca. Claramente, ela tem sua parcela de culpa, sabia exatamente o que estava fazendo e o grau ilegal; se iludir com os motivos foi seu erro.
Sua inocência é incômoda para quem assiste. Ela parece incapaz de ficar longe de encrenca, e o fato de praticamente estar buscando por isso é irritante. Ela é dócil e delicada, fazendo com que crie amizades verdadeiras e se iluda com outras. Ao confundir negócio e boa vontade, Macarena ganha perigosas inimigas. Enquanto tenta pagar as dívidas e fugir da morte prometida, uma colega de cela é assassinada. A mesma prisioneira que foi condenada por roubar e esconder nove milhões de euros.
A diretoria do presídio começa a procurar pelo assassino, simultaneamente, o telespectador começa a ter suas próprias suspeitas. Antes de morrer, a jovem mulher deixou um chip com as informações de onde o dinheiro foi enterrado. Sem surpresa alguma, encontramos a prova bem diante dos olhos da nossa (quase) mocinha.
Macarena busca por justiça o tempo inteiro. Assim que os pais descobrem sobre a prisão, os garante de que ainda continua sendo a boa menina que criaram. Enquanto se esforça em manter sua imagem intacta, percebemos como tenta convencer a si mesma dessa frágil verdade. E aos poucos, os eventos põe suas crenças à prova.
Há preocupação na construção real doutras personagens: fora do presídio, a aceitação da família; dentro dele, prisioneiras têm seus dilemas pessoais e funcionários lidam com singulares problemas. A diretora, por exemplo, lida com a crise do término do casamento, permitindo que a produção tome partido em defesas femininas.
A trama gira em torno do desejo pelos nove milhões. Macarena enfrenta inimigos internos e externos, colocando a si e sua família em perigo. O suspense enrolava-se na rede de mentiras e segredos, dos riscos de negócios ilegais dentro do presídio; drogas, celulares, mensagens cifradas. O dia a dia das mulheres e dos funcionários são como corredores de um labirinto que levam ao mesmo lugar. De alguma forma, todas as escolhas e caminhos tomados interferem em como Macarena sobreviverá.
A partir do momento em que Maca e seu pai decidem por usufruir do dinheiro roubado para pagar a fiança, personalidade e princípios se transformam. A busca pela plena justiça perde força e a falta de esperança cria desespero. É lógico e visível o sofrimento passado pela inocente mulher – e aqui me refiro a sua facilidade em acreditar nas pessoas e se iludir com qualquer oportunidade –, seu amadurecimento frente a pressão em se manter viva.
A série carrega um peso enorme sobre machismo. Tenta-se mostrar frequentemente que, apesar de serem responsáveis pelos crimes cometidos, isso não faz delas menos humanas. A relação de Macarena com o médico do presídio é angustiante, causa raiva e nojo. A maneira como um homem tenta desmentir a verdade de uma mulher, tudo para se livrar da culpa por ser abusivo, é um precioso tapa na cara. Macarena perde a credibilidade de quem é, passa a ser conhecida como uma pessoa de personalidade bipolar, além de ter seus traumas elevados a um patamar psiquiátrico.
No momento em que percebi que estava considerando as mentiras do abusivo médico como uma possível explicação, entendi a verdadeira qualidade de Vis a Vis: por baixo da fictícia história de criminosas coexistindo no mesmo ambiente, é mostrado a luta difícil das mulheres em serem valorizadas e reconhecidas por quem são, e não se deixarem ser diminuídas pelo abuso e repressão masculina.