Crítica | Todo dia

Você já teve a sensação de assistir a um filme e achar que ele funcionaria melhor se tivesse sido uma minissérie, algo entre 5 e 10 episódios? Afinal, há espaço para o desenvolvimento de muitos personagens e algumas subtramas renderiam bem. Ao mesmo tempo, não haveria o mesmo impacto caso resolvessem fazer uma continuação da história na forma de uma sequência a esse primeiro filme. Pois Todo Dia passa essa sensação.

A história é a seguinte: uma pessoa que se autodenomina A, acorda todos os dias em um corpo diferente. Esse ‘hospedeiro’ é sempre alguém da mesma idade que A teria, é ‘escolhida’ de forma aleatória, e nunca se repete. Normalmente está em uma mesma região. A mantém suas memórias e tem acesso a todas do seu corpo hospedeiro durante o dia em que está naquele corpo. A tenta não mudar muito a rotina daquela pessoa e não interferir com grandes decisões que possam mudar drasticamente qualquer coisa. Toda noite ele abandona o corpo às 23:59, tentando sempre deixar a pessoa em casa e confortável. No dia seguinte, o hospedeiro não se lembra do que aconteceu no dia anterior e a vida segue ‘normalmente’ para A.

Um dia, A se apaixona por Rhiannon, uma menina de 16 anos. Um dia, A está no corpo de Justin, namorado de Rhiannon. Acontece que Justin é o famoso ‘babaca do Ensino Médio’, e sabe-se lá por que razão namora Rhi, já que não dá a devida atenção à menina. Nesse dia, Rhi e Justin passam o melhor dia de suas vidas em muito tempo e a garota praticamente se apaixona novamente pelo namorado.

Acontece que no dia seguinte tudo volta ao normal, Justin volta a ser o péssimo namorado de sempre, Rhiannon não entende nada e A passa a ‘stalkeá-la’. Justamente nesse primeiro dia ‘pós-Justin’, A está no corpo de Amy, que se apresenta como aluna nova na escola.

Já a partir daí, o filme mostra uma das ideias mais legais do filme que poderia ser melhor explorada caso a história viesse em formato de série: a questão de amar pessoas, independente do gênero. A princípio, Rhiannon fica incomodada com o fato de Amy tocar seu cabelo e tratá-la de forma muito íntima. Mas até aí, ela está apenas agindo de forma correta, afinal, Amy é alguém que ela acabou de conhecer.

Conforme o filme se desenvolve, no entanto, e de acordo com a abordagem que A toma em relação a Rhiannon, o filme trabalha até bem a ideia de que pessoas podem se relacionar bem e se apaixonar por atitudes, caráter e afinidades e não exatamente por homens/mulheres.

O primeiro menino que Rhiannon dá atenção após perceber que sua relação com Justin está se desfazendo, é Nathan, claro, com ‘alma de A’. Após dançarem e se divertirem em uma festa, Nathan finge ser gay quando Justin o ameaça. Ainda assim, Rhiannon sente uma conexão.

Esse personagem, inclusive, é outro ponto que poderia ser mais aprofundado. Após essa mentira inventada por A para fugir de Justin, uma confusão se instaura na vida do rapaz. A não consegue abandonar o corpo na hora de sempre e o rapaz tem um apagão enquanto foge de Justin e seus amigos que queria lhe bater. Isso faz com que Nathan, um rapaz muito religioso, acredite que esteve possuído pelo demônio. Como se não bastasse, Justin cisma com ele e pensa em persegui-lo.

Temos aí, mais um assunto que traria uma boa trama a ser explorada em um episódio inteiro. As consequências que A poderia trazer na vida de cada um assim que os abandona, especialmente através das ‘pistas’ que pode deixar quando as coisas não saem conforme o planejado.

O filme segue com um clima envolvente, com um drama leve, gostoso de acompanhar. Por mais que romances adolescentes possam ser clichês, esse tem uma fórmula diferente e uma carga emocional com uma intensidade boa. Pode-se dizer que uma ‘história clichê diferente’. Pode prender sua atenção como poucos filmes do gênero conseguiram ultimamente. Há vários momentos em que pensamos ‘ih, pronto… agora que tudo desanda…’, naqueles famosos conflitos que integram bons enredos.

Porém os conflitos não são tão óbvios, ou pelo menos não desapontam. Um dos momentos mais intensos e interessantes é quando A acorda no corpo de uma menina que tem tendências suicidas. Então o casal precisa decidir se interfere na vida dela, procurando ajuda e/ou contando a alguém, já que ela pretende dar um fim a própria vida no dia seguinte. Assim, A descobre que pode ficar mais de um dia em um corpo e decide fazer o bem às pessoas.

 

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Durante os quase 80 minutos de filme, A vem acorda em diversos corpos. Meninos, meninas, um transgênero, várias etnias, diferentes formas físicas… E por todas elas, mantém a mesma personalidade que acaba conquistando Rhiannon. A menina não se incomoda nada quando, após diversos encontros com A, em um momento o corpo hospedeiro é uma outra menina e, assim, A pergunta educadamente se pode beijar Rhiannon.

No que diz respeito ao elenco, não há nada a criticar. Angourie Rice (Rhiannon) está ótima como protagonista, é muito carismática e transmite toda emoção requerida pela personagem. Justice Smith (Justin), se não tem a mesma presença que sua colega, pelo menos não compromete. O grande destaque, são todos atores/atrizes que dão vida aos hospedeiros de A. Por mais que sejam pessoas com vidas e histórias próprias e diferentes entre si, dá pra perceber a mesma personalidade, a mesma intensidade de A nelas. E dá pra ver a diferença naqueles que aparecem como eles mesmos, e não A. O mais óbvio é Justin, que como dito, não é nada de mais quando é ele mesmo, e quando é A, é muito mais interessante e agradável.

Todo Dia é um filme que pode ensinar muito sobre vários assuntos. Mas o mais importante é o amor e suas muitas faces (nesse filme, de forma literal). É um filme fofinho, que te prende, te arranca uns risinhos, te faz torcer pelo casal, chorar e pensar. O maior (ou talvez único) problema, é que falta um pouco de explicação para algumas pontas soltas. Bem como o espaço que há para o aprofundamento em tramas de personagens secundários como a relação dos pais de Rhiannon, sua relação com a irmã e todos os hospedeiros de A, cada qual com uma história de vida que poderia ser riquíssima. Nada que atrapalhe a apreciação do mesmo, no entanto. Mais uma vez: funcionaria melhor se tivesse sido uma (mini)série. Merece bastante sua atenção.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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