Crítica | The Batman
Disclaimer: não sou fã do Batman. Acho o personagem interessante, complexo. Mas nunca foi meu favorito. Eu prefiro o Superman. Veja, eu diria que eu amo o Wolverine, que é um personagem, no mínimo, questionável. Como o Batman também é, ou pelo menos deveríamos vê-lo assim. Dito isso, quero deixar claro que minha opinião sobre o personagem é quase sempre negativa, eu sou muito crítico quanto a ele.
Assim sendo, posso dizer com tranquilidade minha opinião sobre The Batman: melhor filme do personagem, melhor versão live action, eu diria melhor versão ever! Um filme excelente com atuações perfeitas, trilha sonora alucinante, roteiro amarradinho, direção competente.
Se você é do time ‘não aguento mais filmes de super heróis‘, repense. É verdade que dentro desse gênero já vimos comédia, fantasia, ação, drama, aventura, talvez um pouco de sci-fi e até mesmo western. Mas não consigo lembrar de um suspense poilicial com tanta intensidade, beirando a um terror psicológico em certos momentos, sem deixar de ser super-herói. Esse é um sub-gênero que ainda não tínhamos visto.
E para quem é fã do personagem (ou, pelo menos fã da DC), esse é o filme do Batman que todos queriam. Então ele finalmente é ‘o maior detetive do mundo’? Sim, eu diria que sim. Porém, eu diria que está mais para um filme do Charada, ‘o maior desgraçador de cabeças de detetives do mundo’. Sim, mais uma vez o vilão rouba a cena do herói, e novamente com o ‘pobre’ do Batman.
Veja bem, o astro do filme é o herói sim. E Robert Pattinson está impecável, como muitos já previam que estaria. Não dá espaço pra hater/fã nenhum criticar um A. Só que é o Charada de Paul Dano quem rouba a cena. Que vilão! E sobretudo: que atuação! Olha, posso estar exagerando por ainda estar na emoção do momento, mas pra mim, ele já pode se sentar na mesma mesa que Heath Ledger e Joaquin Phoenix e comer o que esses monstros estiverem comendo.
E, olha, apesar de não ligar muito para o Batman, eu sempre achei o Coringa o melhor vilão de todos os heróis, quiçá o melhor vilão da cultura pop. O de Heath Ledger é um marco na minha vida, já fiz cosplay mais de uma vez até! Mas esse Charada.. definitivamente já tem um lugar no meu coração (um lugar sombrio e de medo, mas tem).
Ambos estão insanos, e isso é mais uma coisa que esperávamos ver do Batman. Todos sabemos que ele tem sérios problemas, como deveria ter qualquer órfão que presenciou o assassinato dos pais à sangue frio quando era criança e saiu por aí vestido de morcego batendo em criminosos à noite. Só que esse Charada, além de assustador e cruel como nunca vi o personagem ser, tem uma motivação que nunca foi levantada antes. Como ambos são muito inteligentes, e o Charada parece estar sempre dois passos à frente do Batman, essa briga intelectual e doentia é muito interesante de se acompanhar.
Eu definiria essa versão do personagem, muito diferente visualmente do que nos acostumamos, como uma mistura de Bane (mais pelo visual com máscara quase BDSM, a respiração à la Darth Vader e também o fato de ‘quebrar’ o Batman, só que de um jeito diferente, claro) com Jigsaw (grande vilão dos primeiros filmes da franquia Jogos Mortais) e até um pouco (ou bastante?) do serial killer de Se7en (falo mais disso adiante).
Já que levantei essa bola, durante diversos momentos do filme, tive a nítida impressão de que estava assistindo Se7en – Os sete crimes capitais. Os detetives que eram os personagens de Morgan Freeman e Brad Pitt, agora são Gordon (o ótimo Jeffrey Wright) e o Batman. E o Charada, claramente é o serial killer insano e inteligente com seus enigmas e esquemas elaborados (e uma certa obsessão pelo herói). Não a toa, após sair da sessão, soube que o diretor se inspirou muito nesse filme policial/suspense de 1995 para construir o seu Batman. A inspiração fica ainda mais clara uma vez que sabemos dela.
O herói e o principal vilão são obviamente quem mais se destacam, porém, outros personagens também mandam muito bem. Especialmente a Selina Kyle de Zoë Kravitz. Essa também é uma versão da personagem bem diferente das que já vimos antes. Zoë é uma baita atriz (não que Michelle Pfeiffer e Anne Hathaway não sejam também, mas se você já viu outros trabalhos da atriz como Big Little Lies, sabe do que estou falando). E essa versão, pra mim, é a melhor. Motivação, atuação, traje crível, sensualidade inata. O pacote completo.
Além disso, essa Selina é a mais anti-heroína dos live action. E veja, continuo ignorando solenemente a versão de Halle Berry, até porque nunca assisti. A propósito: em nenhum momento o termo ‘Mulher-Gato’ é usado no filme. Ela tem suas próprias motivações e metódos um tanto questionáveis, mas ainda assim, passa a maior parte do tempo ajudando inocentes e trabalhando junto com o Batman.
Quem é vilão mesmo, esse não um ‘super’, apenas um mafioso que só quem lê os quadrinhos do morcego já ouviu falar, é Carmine Falcone, supreendentemente muito bem interpretado por John Turturro. A surpresa se deve pelo fato de que esse ator é conhecido por seus trabalhos em comédias, quase sempre pastelão. É claro que ele já fez outras coisas, mas é mais lembrado pelas comédias. Aqui ele está ótimo. Tem pouco tempo de tela, mas cumpre muito bem sua parte, que é muito importante.
Jeffrey Wright também está muito bem como Gordon (aqui ainda apenas um Tenente), tem algumas cenas de maior destaque, mas no geral, fica a impressão de poderíamos ver ainda mais dele. Também gostaria de ver muito mais do Pinguim de Colin Farrell. Além da maquiagem excepecional, que sequer deixa reconhecermos o ator, a atuação está no tom perfeito. Mas ele aparece pouco, apesar de que na cena de perseguição do Batmóvel ele arrebenta e bastava ela, seria o suficiente.
No entanto, já soube que há uma série prevista para o personagem dentro desse universo. Se rolar mesmo, aceito como compensação. Da mesma forma, há algo planejado para a polícia de Gotham, então imagino que também haverá mais espaço para o Gordon.
E se é pra falar de subaproveitado, falemos do Alfred de Andy Serkis. Quem conhece bem o ator, sabe de todo o seu potencial. O personagem tem pouco tempo de tela pra tanto talento. Contudo, quando dão a chance, o ator brilha. Uma pena, talvez o único ponto que realmente poderia ser bem melhor no filme.
Se você ainda não sabe, nessa versão do Batman, Bruce Wayne atua como o herói há pouco tempo, cerca de dois anos. Ele ainda está encontrando seu tom, criando seu método de atuação e se tornando o mito. Mais importante: ele ainda carrega muita raiva e mágoa. Muita mesmo. Ele é bruto e beirando à psicopatia em alguns instantes. Chega a ser grosso e frio com Alfred, como raramente vemos nas versões mais recentes, onde eles são grandes amigos e Bruce o vê como sua figura paterna. Aqui, ele ainda não chegou a esse ponto. Tudo compreensível e quase justificável.
Ainda tem o fato de que esse é o Batman mais detetive que já vimos. Suas bugigangas tecnológicas estão lá, mas de alguma forma é tudo muito crível, menos ‘militar’ que nos filmes do Nolan, menos ‘bélico’ que os do Snyder, bem próximo da praticidade do Tim Burton. Da mesma forma é Gotham: suja (imunda), feia e que parece estar sob chuva o tempo todo. A cidade mostra uma riqueza de design de produção que não deixa a desejar em nada em comparação com suas outras versões.
Ah, e o Batmóvel! Que satisfação! Se eu me arrepiei com o primeiro ronco do motor, imagino como deve se sentir um fã do personagem… A cena de perseguição é digna de grandes filmes de ação. É alucinante!
Se há um detalhe da produção que mesmo quem não presta atenção a estas questões técnicas vai notar é: a trilha sonora. Michael Giacchino está em sua melhor forma aqui, e olha que ele já havia subido muito essa barra antes. A fotografia também é linda, tons frios e depressivos, mesclado com vermelhos (tom da vingança?) além de muito bom uso da luz em ângulos incomuns. Mais um ponto que até quem não se liga tanto nisso, notará.
A propósito: quero ver o que os Scorseses e Villeneuves da vida vão dizer desse filme. Ora, é um blockbuster, sim. Mas é MUITO cinema, é arte sim, senhores. Dá para ser ambos e esse filme é. Um baita amontoado de entretenimento feito com qualidade e muito talento. Não sei se tem atuações premiáveis, isso depende muito dos concorrentes (Paul Dano merece pelo menos ser indicado). Mas nos quesitos técnicos? Não há dúvida. Forte candidato, inclusive.
Agora, um ponto que todos vão notar é construção e profundidade dos personagens, em especial dos vilões. Afinal, o Batman todos já conhecem, mesmo quem nuca viu um filme sequer do personagem. Tanto o Charada como Selina, tem motivações bem interessantes e profundas, fáceis de nos relacionarmos e termos empatia. Falcone e Pinguim são só caras maus mesmo, aparentemente. Mas esses dois, são construídos de uma forma parecida com o Coringa de Joaquin.
Inclusive prevejo nerdolas reclamando de lacração e de “colocarem política no meu filme do bátima”. Só que da mesma forma que dá pra entender um Coringa ser insano porque a sociedade e o sistema o levaram a ser assim, dá pra entender (até certo ponto) os argumentos do Charada e da Selina. A segunda, como normalmente acontece, acaba sendo ‘consertada’ pelo herói (até porque ela não é insana). Já o segundo, assim como os vilões da trilogia do Nolan, acabam deixando uma forte sensação de que conseguiram derrotá-lo, ainda que não em definitivo.
Para concluir, a análise de The Batman é altamente positiva. A expectativa era altíssima, pois é o personagem queridinho da DC e eus fãs, o que mais vende e que parece onipresente em todos os âmbitos (veja, só em live action esse ano temos 3: esse do Pattinson, o do Keaton e do Affleck no filme do Flash, isso sem falar dos outros em séries). Mas a entrega foi no mínimo à altura, e na minha opinião, acima do esperado até. Mas lembre-se eu não sou fã do Batman, não estou exatamente no meu lugar de fala.
Acho que isso é bom, na verdade. Porque eu, que não me importo, curti muito. Então significa que uma pessoa que vive em uma caverna (HÁ!) e nunca viu nada sobre o personagem, também é capaz de gostar. Isso vai dar muita bilheteria para o filme, o que pode fazer com que a Warner finalmente entenda a propriedade de potencial inestimável que tem em mãos e que não sabe tratar da forma merecida: a DC. E digo mais: mesmo os fãs do Batman sendo quase tão exigentes (eu diria chatos) quanto os de Star Wars (e aqui estou no lugar de fala), que parecem gostar mais de criticar do que curtir a abundância de material que têm, até eles devem curtir. Quem sabe daqui uns anos digam que Matt Reeves é o novo Christopher Nolan e o idolatrem. Não acho impossível.
Encerro com o importante lembrete: este não é um filme indicado para crianças! ‘Ain meu filho adora o Bátima..’ Que idade ele tem? A classificação indicativa é 14 anos, mas poderia tranquilamente ser 16. O filme não tem violência muito gráfica, não lembro de ter visto muito sangue. Então ele não está no nível de Logan ou Deadpool, nem mesmo de Coringa. Mas está logo ali no limite. Há palavrões (vi a versão legendada, não sei se na dublada eles entrarão), violência acima da média em filmes de super-heróis e um clima de tensão constante, alguns momentos até mesmo de scare jump (aqueles sustos do nada em filmes de terror, sabe?). Claro que cada um cria os filhos como acredita ser a melhor forma, mas você não quer traumatizar uma criança expondo a cenas que elas ainda não precisam lidar e provavelmente ainda não estão prontas. Fica a recomendação.
Fora isso, vá assistir. Se ainda não está se sentindo seguro para ir ao cinema, aguarde as versões digitais e dedique três horinhas que vão fluir facilmente para assistir a essa obra de arte que traz mais frescor e muito fôlego para o gênero. Você dificilmente se arrependerá, sendo fã ou não.