Crítica | Spin Out – 1ª Temporada (Netflix)

Uma verdadeira colcha de retalhos tentando suprir baixas temperaturas.

Spin Out é uma série original Netflix dirigida pela ex-patinadora Samantha Stratton. Com dez longos episódios, a série acompanha a vida conturbada de Kat Baker após um grave acidente que a traumatizou. Cercada de problemas, ela precisa decidir entre abandonar o sonho ou criar coragem para continuar.

Provavelmente a última vez que vi algo sobre patinação no gelo foi em algum filme mediano da sessão da tarde, por isso a premissa chamou tanto a atenção. De fato, a introdução ao esporte é atenciosa e bem estruturada, com camadas de drama, veracidades e danças quase poéticas. O histórico de Stratton ajudou na composição do cenário, trazendo não somente o lado belo das apresentações, como a dificuldade do backstage. 

Katerina, vivida por Kaya Scodelario (Maze Runner), é considerada excepcional entre os demais. Depois da queda que a deixou inconsciente por dias, voltar à pista como antes parece impossível. Sua mente traumatizada se fechou para qualquer movimento complexo, a afastando dos holofotes. No entanto, a treinadora russa Dasha acredita no potencial da garota e propõe à ela retornar; dessa vez, como uma dupla, ao lado de Justin (Evan Roderick). Acostumada a carreira solo, o primeiro instinto de Kat é negar. Porém, com a pressão psicológica da mãe, Carol, precisará seguir outro caminho.

Apesar da trama priorizar o drama esportivo, o maior dilema da personagem está ligado ao distúrbio de bipolaridade herdado da mãe. As duas precisam estar diariamente medicadas para evitar algum episódio, além de manter a doença em segredo. Contudo, se por um lado a filha se esforça para se manter estável, a mãe tem inúmeras recaídas que geram consequências dolorosas para Kat e a irmã caçula, Serena. 

Obrigada a abandonar a carreira como patinadora após engravidar pela primeira vez, Carol Baker (January Jones) desconta suas frustrações em Kat, enquanto se dedica ferozmente para transformar a mais nova numa estrela. Entrando e saindo de empregos, dedica o pouco dinheiro da família em bons profissionais para ajudar unicamente Serena. Desde o início o sentimento de abandono acompanha nossa protagonista, seguido de seu amor pela irmã, a única coisa que parece mantê-la firme diante dos abusos apresentados pela mãe.

A série é um compilado de relacionamentos tóxicos, de irmã para irmã, até o romance conturbado que irá nascer entre a dupla de patinadores. Abordar a bipolaridade deveria ser, no mínimo, ousado. Kaya tem em seu currículo a série Skins, onde viveu uma adolescente com problemas parecidos, e se tornou famosa por isso. Performar com realismo não é o problema da vez, mas sim o fato de faltar conteúdo mais complexo, uma amostra mais afunda de até onde a bipolaridade pode atingir da pessoa e de quem está ao seu redor. Principalmente pelo fato de as personagens tratarem isso como um segredo, dificultando que o telespectador entenda como de fato é viver com a doença. 

Spin Out começa a se perder desde o início. Na procura por entregar diversas problemáticas, desde o ambiente artístico, questões financeiras e de saúde, amizades e romances, nem mesmo a ambientação consegue interligar tudo em um único fio. Cada sub-trama é uma agulha perdida no palheiro e é impossível se agarrar a alguma com firmeza.

Quando a história do quadril fraturado de Jenn (Amanda Zhou), melhor amiga de Kat, começa a nos comover através de suas escolhas irresponsáveis, a questão de Serena possivelmente estar sendo abusada pelo treinador sobrepõe tal dor. Então novamente tentamos nos agarrar aos sentimentos da nova personagem, e tudo outra vez, fugindo de nossa percepção.

Alguns personagens chegam perto de salvar os minutos perdidos. Dasha é a lembrança de que existe vida além dos Estados Unidos, ícones tão memoráveis quanto os americanos, apesar de tudo remeter a cultura do país. Ela é a figura que sustenta a bandeira LGBT dentro da trama, atuando também como a detentora de frases profundas e a representação de mentora. 

Ainda dentro das representatividades, temos Marcus, garçom no hotel da família rica de Justin e o melhor atleta dentro da equipe de esqui – embora pouco abordado, o esporte tem seu espaço -, protagonizando cenas de racismo enquanto ainda continua sendo o homem negro trocado pelo jovem branco. 

Stratton visualizou a dramaticidade artística e tentou surfar em todas as ondas da atualidade de uma só vez, mergulhando em cada uma delas sem nunca emergir. É nítido como cenas desnecessárias tentam tapar buracos dessa colcha, criando uma bola de neve prestes a se desintegrar.  Indiscutivelmente a fotografia de Spin Out é um presente aos olhos, principalmente quando as personagens se deleitam na pista de gelo, entregando minutos de poesia silenciosa. 

Infelizmente, a sensibilidade de Scodelario e as intenções de Stratton não são suficientes para lutar contra o frio de uma trama dispersa, sem ligações e que procura no drama revolucionário se sustentar sozinha. 

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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