Crítica | Sintonia – 1ª Temporada (Netflix)
Com seis episódios, Sintonia é a nova aposta brasileira da Netflix, produzida pelo próprio Kondzilla. A série apresenta a história de três grandes amigos, criados em uma favela de São Paulo, unidos, principalmente, por um grande sonho: o funk.
Doni, interpretado pelo MC Jottapê (Chiquititas e o Menino da Porteira), sequer terminou a escola e sonha em ser um funkeiro rico e famoso. Desde o primeiro episódio, sua ambição surge em sonhos inconscientes enquanto frequenta a casa de um colega. Esse, um garoto de classe alta, surge para destacar as diferenças sociais, exibindo o preconceito no olhar das pessoas que criticam e generalizam outros por possuírem tatuagens ou piercing.
À medida que a série avança, percebemos que Rita (Bruna Mascarenhas) é órfã de mãe e, pelos erros cometidos pelo pai, se considera órfã dele também. Independente, vende produtos em passarelas e na rua, buscando dinheiro para se sustentar sozinha. Seu envolvimento com droga é o que leva sua melhor amiga a ser pega pela polícia, empurrando Rita para um novo caminho de vida em busca do perdão, se envolvendo cada vez mais com seu passado e a Igreja.
Já Nando (Christian Malheiros, Sócrates), é o mais maduro dos três. Ainda que jovem, afunda cada vez mais no mundo do crime, crescendo e sendo reconhecido na favela por meio do tráfico de drogas. Talvez sua lealdade para com os amigos e “irmãos” da quebrada seja a maior explicação sobre como se tornou o personagem mais bem desenvolvido dentro da história, com sub conflitos que beiram o moral, o social e a religião.
Embora sempre unidos, os três fazem escolhas solitárias que despertam caminhos nunca imaginados. Por outro lado, é nítido a necessidade de apoio um no outro para resolver algum problema ou fazer outra grande escolha. Jottapê soube interpretar perfeitamente a inocência e orgulho jovem de Doni; ele convence em seu personagem, cujo dilema é continuar persistindo na carreira de cantor de funk sem decepcionar o pai, que desgosta profundamente disso.
Quando uma música de sua autoria é reconhecida por uma gravadora, a vida de Doni se abre positivamente em direção ao seu desejo. Ao perceber que a música foi roubada por uma cantora famosa de funk, Doni mostra seu lado selvagem e temperamental, um contraste a sua personalidade doce e calma da maior parte do tempo. Entre erros e acertos, dúvidas e opções incertas, Doni parece alavancar gradativamente na carreira, aos poucos descobrindo (e aqui, nós temos participação de seu melhor amigo em ótimos conselhos de vida) que precisará de pequenos passos para alcançar o topo.
Do outro lado, temos Rita procurando se redimir pelo fato de Cacau ter sido presa por uma escolha egoísta sua. Após pancadas, físicas e psicológicas, a garota é acolhida pela pastora e melhor amiga de sua falecida mãe. Em meio a tropeços e negação, Rita encontra na fé a possibilidade de alçar o perdão de que tanto precisa para se sentir em paz, mesmo que isso signifique trazer seu pai de volta ao seu convívio.
Nando é o principal responsável por mostrar a realidade da favela, desde o cenário real a coexistência das pessoas com o tráfico de droga e a bandidagem. Seguindo rumos perigosos e obscuros, o jovem rapaz sempre mantém sua fé em Deus intacta; de certa forma, tenta convencer a si mesmo que estar em contato com Deus compensa as escolhas erradas. Apesar de cuidadoso e sutil, a ambição em ser reconhecido diante dos outros é, sem dúvida, seu maior obstáculo.
Sintonia é regada a uma realidade nua e crua, intercalando as diferenças e problemas sociais para chocar o telespectador. Em contrapartida, boas e animadas músicas de funk surgem na produção para equilibrar o tema. As composições criadas por Doni procuram desmitificar a ideia de funk ser pura ofensa, unindo versos do ritmo que referencie a favela e a realidade vivida pelo personagem.
No episódio de estreia, o primeiro contato de Doni com uma produtora musical, reserva poucos minutos para a aparição dos funkeiros MC Kekel e Dani Russo, dando peso ao elenco da obra. Pequenos detalhes do cenário fazem singelas homenagens a outros cantores do ritmo, além de vermos uma clara referência ao MC Kevinho, nome de grandes hits do país.
Sintonia cumpre sua promessa em poucos episódios de, em média, cinquenta minutos. São suficientes para entregar realidade bem descrita, atuações sinceras e um amadurecimento da trama que deixam linhas inacabadas para uma possível segunda temporada. Todo o investimento e cuidado em produzir tal trama, realmente, merece continuação.