Crítica | O Irlandês

Recentemente Martin Scorsese esteve envolvido em polêmicas por fazer críticas à indústria do cinema no dias atuais, dizendo que o que a Marvel Studios faz não é cinema, sendo puramente comercial, merchandising, venda de bonequinhos.

Não apenas por isso, havia, portanto, muita expectativa para o seu novo filme, O Irlandês. Afinal, era um filme que só por ter esse nome na cadeira já chamaria atenção. Aí ele deu essas declarações, chamando ainda mais atenção para suas obras. E pra completar, esse era um filme exclusivo para Netflix que tinha Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci no elenco. Dificilmente poderia dar errado, e desde seu anúncio o hype estava altíssimo.

E esse é o grande problema do filme. A expectativa para o filme estava alta demais, então ele precisava ser algo realmente fora do comum para ir de encontro com o que se esperava.

Não é que o filme seja ruim. Não é. Só que não é tudo aquilo que esperávamos ou gostaríamos. É um filme padrão do Scorsese. Mas nenhum daqueles memoráveis. Apenas um bom filme.

Não é um filme para qualquer espectador comum. Você precisa estar minimamente iniciado com esse tipo de ‘cinema arte’, ou o tal cinema que o próprio diretor disse que a Marvel não faz. Um filme de 3h e meia de duração com muitos personagens, passagens de tempo (as vezes indo e voltando), porém com pouca ação. Precisa de muita atenção para não se perder ou perder a atenção.

Outra coisa que ajuda muito, é saber o contexto histórico. O filme atravessa as décadas de 60, 70 e 80. E se você não está muito por dentro do que rolou na política (interna e externa) dos EUA nesses períodos você pode boiar bastante. E talvez até nem saiba que muitos (todos?) dos personagens realmente existiram. Mas não é que não conhecer a história real atrapalha, é que conhecê-la ajuda.

Ao final, o filme nos traz algumas reflexões sobre moral, valores como família, o que importa mesmo na vida e o quanto nossa sociedade está cheia de podridão. Uma das perguntas que fica é ‘vale(u) a pena?’ Esse é um dos argumentos do diretor quando criticou a Marvel, dizendo que não dá aprender nada com seus filmes (o que é altamente discutível). Ele deixa claro com esse filme que temos muito o que aprender com essa arte.

O roteiro é bastante interessante, tem todos aqueles elementos técnicos que fazem dele bom. Por ser um filme longo, as viradas e o clímax, por exemplo, acabam demorando. Mas eles vem e não decepcionam.

Um outro aspecto técnico do filme que merece muitos elogios é a maquiagem. Como a história se passa ao longo de uns 50 anos e os atores são os mesmos (exceto as crianças, obviamente), há um trabalho muito bem feito para rejuvenescer e envelhecer os atores. É tudo muito crível e bem feito. Além disso, ainda há a caracterização de acordo com a época, sendo extremamente fiel e bem feita.

Talvez um dos pontos altos seja a atuação de Al Pacino. Ele está excelente no personagem Jimmy Hoffa. Joe Pesci tem uma atuação digna, porém nada memorável. De Niro mantém seu padrão, que é muito alto. Mas já vimos trabalhos seus mais destacáveis.

Não é um filme de violência muito gráfica, apesar de que temos algumas mortes bem fortes, como um homem sendo surrado em frente a uma criança e outro sendo assassinado na frente da família. Já vimos coisas piores, mais explícitas em outros filmes do gênero.

Falando em mortes, há aqui uma assinatura de Scorsese que é mostrar mortes de forma simples, curta e direta, sem ser glamourizada. Há até uma outra mais espetacular, com câmera lenta e trilha sonora mais intensa. Mas no geral, são tão triviais como uma cena de transição. As vezes sem qualquer trilha sonora, apenas os efeitos sonoros da cena mesmo. Aliás, som é outra marca registrada. Tudo nesse aspecto técnico está excelente e complementam perfeitamente o visual.

No fim das contas, O Irlandês é um filme que merece, sim, sua atenção e disposição. Martin Scorsese sabe mesmo muito da sétima arte e é um dos melhores artistas que temos o prazer de ainda desfrutar da obra em ‘tempo real’. Contudo, vale avisar que, assim como muitas outras obras de arte de outros segmentos, pode (e deve) causar estranhamento e precisa ser apreciada com a mente aberta.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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