Crítica | O Esquadrão Suicida

Quando a Warner anunciou que havia contratado James Gunn para fazer um novo filme do Esquadrão Suicida a reação de fãs e crítica foi bem divisiva: muitos ficaram muito empolgados, afinal, ele foi responsável por dois ótimos filmes dos Guardiões da Galáxia na Marvel (uma equipe que até então quase ninguém conhecia); já outros ficaram preocupados, pois ele poderia piorar a imagem da equipe de vilões da DC tornando-os ‘engraçadinhos demais’, já que uma de suas características é o tom de comédia.

Essa sensação mista de medo e esperança se intensificou quando surgiu a informação de que o filme seria uma mistura de reboot com sequência. Foi algo do tipo: ‘como assim?!’ Mas, no mínimo, o longa ganhou ali a curiosidade de todos.

Consta que James Gunn teve carta branca para fazer o que quisesse com a equipe. Até porque, o pior que poderia acontecer era mais um flop e a franquia seria enterrada de vez. No geral, o que viesse seria lucro. E carta branca em um filme de super vilões que são conhecidos por encararem missões suicidas significava liberdade para matar quem bem entendesse e cenas de ação com muito sangue e violência.

E foi exatamente isso que Gunn entregou. Violência, muito sangue, personagens morrendo e um tom de humor que permeia toda a história mas que não descamba pra comédia babaca. É tudo bem contextualizado e cabe no roteiro. Nada parece ser gratuito, por mais que seja exagerado. Outro ponto que merece destaque nesse filme é a trilha sonora. Se no primeiro filme ela era muito boa mas muitas vezes estava meio aleatória e sem sentido, aqui ela encaixa perfeitamente e continua de altíssimo nível. Uma característica marcante de Gunn.

Logo nos primeiros 20 minutos de filme, antes mesmo dos créditos iniciais, tripas e litros de sangue são jogados na nossa cara regados a muita explosão, loucura e tiroteio. Quando chega o título do filme, já estamos ‘Meu Deus do céu, o que tá acontecendo?!’

Gunn mostra ao longo do filme que quando a Warner dá liberdade para diretores e roteiristas (neste caso a mesma pessoa), filmes de super-heróis ainda podem trazer coisas novas e continuar se reinventando. O formato ainda pode dar muito caldo e está longe do seu fim.

A história e motivação que parecia difícil de encaixar com tantos personagens e fazer sentido dentro da galhofa que o filme é, ficou muito coerente e envolvente. Há um pequeno período de ‘barriga’ dentro do filme, que deve durar cerca de uns 25 minutos. Mas não chega a ser o suficiente para fazer com que percamos o interesse. Na verdade é uma barriga que cabe ali, não é só pra encher linguiça mesmo. Está mais para um momento de calmaria no meio de toda a tempestade de violência e ação que o filme é no geral.

Impressionantemente, há tempo para desenvolver alguns dos personagens, dar profundidade e propósito a eles. E é nessas horas que vemos o talento do elenco. Viola Davis finalmente teve a oportunidade de brilhar como a estrela que é. No primeiro filme ela tem pouquíssimas chances de mostrar seu talento, de mostrar como Amanda Waller é um ser humano desprezível e é, provavelmente, uma das mais perigosas anti-heroínas da DC. Não seria exagero pedir mais dela em futuras produções da casa, desde que tenha esse devido espaço.

Idris Elba é um dos principais protagonistas do filme. Deve ser quem tem mais tempo de tela e não o desperdiça. Protagoniza bons momentos de ação, tem bom timing de comédia e segura bem na hora do drama. Talvez fique uma breve sensação de que ele é o Deadshot/Pistoleiro (personagem de Will Smith no primeiro filme) versão 2.0. Mas isso logo passa, apesar da inegável semelhança em muitos aspectos. Na verdade, seria bem interessante ver esses dois interagindo em uma produção futura.

Assim como também foi interessante ver a interação Bloodsport/Sanguinário (Idris) vs Peacemaker. John Cena está se consolidando cada vez mais como um grande astro de filmes de ação de sua geração. Além disso também tem um ótimo timing de comédia. Ao lado de The Rock e Dave Bautista, é um desses ex-lutadores de WWE que deu muito certo em Hollywood. E semi-spoiler: na cena pós-créditos do filme temos um gancho para a sua vindoura série na HBO Max.

E o que dizer de Margot Robbie? A atriz com sua Harley Quinn/Arlequina pode se gabar de ser uma das poucas que estão no terceiro filme do cambaleante DCEU, e não seria ousado demais colocá-la como a segunda mais bem estabelecida, ficando atrás apenas da Mulher-Maravilha, pois esta já teve dois filmes solos e ainda foi uma das protagonistas de Liga da Justiça e teve participação essencial em BvS.

Margot é um desses casos em que simplesmente não conseguimos imaginar outra atriz que se encaixasse melhor ao personagem. E ela se supera a cada aparição, com cenas de ação que envolvem muita técnica e atuação bem convincente dentro do que sua personagem exige, com várias nuances. Até quem não gosta da Arlequina tem que admitir o quanto ela se encaixa em toda aquela loucura perfeitamente. É outra que merece mais chances em novas produções que a permitam continuar brilhando.

O filme funciona muito bem dentro do que se propõe: puro entretenimento. É o que os leitores de quadrinhos chamam de ‘massavéio’. Tiros, explosões, ação insana e mentirosa, monstros bizarros, sangue jorrando, tosqueira divertida. Mesmo sem se levar a sério em nenhum momento, é um filme muito bem feito. Uma ótima variação no gênero de super-heróis.

Aliás, a Warner deu uma boa escalada em direção a se encontrar no DCEU, que até agora não sabemos se está vivo ou não. Teve os bobalhões assumidamente toscos, mas muito divertidos e que funcionam em seu propósito: Shazam e Aquaman, especialmente por serem filmes de super-heróis que o público infanto-juvenil pode curtir (algo cada vez mais raro). Teve o momento derrapada para levantar e se encontrar novamente com o sentimental mas que funciona pouco como ação e errou no tom ao exagerar na tosqueira e comédia: Mulher-Maravilha 1984. Teve aquilo que os fãs nem sabiam que queriam com muita violência e ‘escuridão’, mas com personagens sérios e história bem desenvolvida (talvez até um pouco demais): Liga da Justiça Snydercut. E a escalada se consolidou em um pouco de tudo isso com Arlequina e as Aves de Rapina. Esse sim, pavimentou o caminho por onde o Esquadrão Suicida hoje desfila orgulhoso.

O estúdio acertou muito com essa ideia de reboot/sequência que ninguém sabia bem o que seria. Em nenhum momento é mencionado que já houve outro filme, ninguém cita outros personagens que estavam na equipe antes e não voltaram. Mas fica bem claro, ainda que implicitamente, que a equipe já existia e que houve outras missões. É realmente uma história que vem depois de outra que já vimos, mas sem precisarmos tê-la visto. É uma grata surpresa essa ideia, quase como aconteceu com O Incrível Hulk de 2008, que aproveitou a origem contada no filme de 2003 mas ao mesmo tempo fingiu que ele não existiu. Só que aqui, isso funciona ainda melhor.

Talvez esse seja um bom caminho para um novo filme da Liga da Justiça. Começa de novo, finge que o primeiro não existiu, mas aproveita tudo que foi iniciado lá. James Gunn mostrou que é possível e que dá certo. A propósito, já há uma corrente pedindo que o cineasta assuma a cadeira principal em um futuro filme da principal equipe de super-heróis da DC. Dadas as circunstâncias atuais e o seu currículo, até que seria uma ideia interessante. E novamente, seria uma aposta do estúdio no estilo ‘o que temos a perder?’. Deu certo dessa vez, pode dar de novo.

James Gunn e o elenco estelar de O Esquadrão Suicida entregaram aos fãs um filme surpreendente, que quase ninguém queria e que agora percebem que era o que precisavam. Um filme digno para uma equipe de vilões/anti-heróis. Agora é esperar o hype se acalmar e ver o que isso pode significar para o futuro.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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