Crítica | Euphoria – 1ª Temporada (HBO)

Pare e pense: quantas séries abordando a vida dos jovens foram lançadas nos últimos, sei lá, cinco anos? Mais do que você pode contar em apenas cinco segundos, isso eu garanto. Algumas resistiram, como Riverdale; outras caíram no poço da baixa audiência e do esquecimento. Algumas, também, se perderam em seu propósito, buscando a áurea misteriosa que vem conquistando o telespectador por décadas. Porém, é difícil encontrar uma série que seja tão real, prática e, ao mesmo tempo, não sirva de incentivo a práticas ilegais ou perigosas para essa faixa etária ainda em formação. Humanizar uma série a ponto de aproximar o público das personagens é uma receita guardada a sete chaves ou pura sorte?

Em Euphoria, vemos justamente um acoplado de pontos positivos envoltos numa rede clara, independente e firme. Várias histórias paralelas que se sustentam sozinhas, mas, quando juntas, explodem em elogios. O mistério ou suspense comuns foram trocados pelo sombrio e o psicodélico. Com baixa luminosidade e diversas cenas iluminadas por tons neon, a série instiga os olhos a “euforia” dos novos cenários. E, apesar de ser uma série sobre adolescentes, é uma obra para maiores de 18 anos, por conter diversas cenas de nudez – marca registrada da HBO.

Estrelada por Zendaya (recentemente vista em Homem-Aranha: Longe de Casa), Euphoria foca na narração de sua personagem, Rue, órfã de pai e recém-integrada a rotina após um longo tempo internada numa clínica de reabilitação. Sua vontade em não querer se livrar das drogas é um dos primeiros problemas expostos, seguido do que já esperamos: sexo e sexualidade, bullying, problemas familiares e amorosos, gravidez na adolescência e aborto.

A estética da série, com fotografia mutável e giratória, reflete os sentimentos dos jovens frente a seus problemas mais íntimos. Temos a questão do homem branco e classe alta, criado na base da hierarquia patriarcal, representada pela história de Nate (Jacob Elordi), o cara mais bonito, popular e o melhor jogador do time da escola. Ele enfrenta a verdade crua de perceber que, apesar de ter sido ensinado para isso – por seu pai –, o mundo não está aos seus pés como imaginou. Sua frustração com a realidade influencia no relacionamento abusivo com a namorada Maddy (Alexa Demie), a quem ele tem sentimento de posse, enxerga mais como um objeto frágil, vulnerável e puritano; do outro lado dessa mesma moeda, Maddy esconde quem é para agradá-lo, agindo, na maioria das vezes, pensando nele.

A obra, em seus oito episódios, destaque-se das outras ao criar linhas do tempo conexas e permanentes. Deixa uma mensagem clara de como a sociedade, principalmente família e escola, lida com a Geração Z: jovens indefinidos, conectados, capazes de viver múltiplas realidades e, ao mesmo tempo, com visão do futuro deturpada pela ansiedade e medo. Abre os olhos para o fato pouco refletido: os pais enxergam os problemas dos filhos e procuram “salvá-los”, sem se dar conta de que, por trás da vida conturbada, há o contexto nascido dentro da própria casa.

Euphoria pressiona a mesma tecla enquanto utiliza-se de cada episódio para narrar a história de personagens específicos, dando a eles tempo para se apresentarem e se explicarem. Todos os adolescentes aqui tratados passaram por tipo de conflito responsável pelas consequências atuais; uns se tornam muito destemidos, outros reclusos na mesma medida. Apesar das diferentes personalidades, todos acabam sempre se encontrando onde luz, música, sexo e droga compõem o universo. É lá, em meio ao grupo, que os sentimentos guardados explodem.

Na busca pelo descobrimento e a auto aceitação, a personagem Kat (Barbie Ferreira) oferece um viés de desconstrução e empoderamento. Discreta e suavemente aconselhando os vários jovens telespectadores a aceitarem quem são, a quebrar os paradigmas e lutar contra os preconceitos que regem a sociedade atual. Ela, uma mulher gorda, que tem sua privacidade agredida em um vídeo pornô exposto na internet, possui base para se posicionar diante de tantas questões implementadas durante a trama. Ela, acima dos outros, mostra o contato íntimo e desesperado do ser humano com a tecnologia, com a rede social. Com duas identidades, uma totalmente influenciadora e outra ainda não tanto, Kat encontra em sites de pornografia um meio de ganhar dinheiro satisfazendo homens através da câmera de seu notebook, usando uma máscara para esconder sua face (e idade), em um quarto totalmente obscurecido, referenciando tantas verdades sobre si escondidas dentro dela.

O conceito de Euphoria é consistente e referencial. A alusão mantida por todo o percurso liga o técnico ao sentimental, a teoria à prática. Facilita a interatividade entre obra e público, convida o telespectador a entrar na mente do personagem, a sentir o peso de seu coração. E, mais uma vez, realço a fotografia artista da série, a que tanto contribuiu para torná-la um destaque. O episódio final, já não mais narrado por Rue e sim por um discurso de sua mãe sobre ela, é uma obra de arte para ser aplaudida de pé. O passado de Rue vindo à tona numa amargura autoexplicativa, os sentimentos explosivos, dolorosos e tão bem transparecidos de uma garota que, mais uma vez, perde outra pessoa de sua vida.

A música final, como um clipe estrelado por ela, acompanha seus movimentos em uma dança histórica: cada tropeço, empurrão e momentos de solidão levaram à depressão de Rue, mostrada desde o início através do casaco agarrado ao seu corpo – da mesma forma que ela gostaria de estar agarrada ao falecido pai. O desfecho da primeira temporada expande-se para diversas teorias ligadas ao fim de Rue ou a capacidade de recomeçar. Afinal, precisa partir dela a vontade de dar a volta por cima. No fim, Euphoria não foi uma sacada de sorte; é, de fato, uma receita, porém, adaptada para abrir os olhos daquilo que consideramos apenas parte do externo.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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