Crítica | Eu Não Sou um Homem Fácil
Um casal se conhece em um bar, as coisas esquentam e os dois vão para o apartamento dele. Já entram se pegando pelo corredor. Quando a mulher encosta o homem na parede e começa a abrir os botões de sua camisa, ela para e olha atônita o peitoral peludo dele que se sobressai. Ela exclama: ‘Nossa! Você é… tão… peludo! Você gosta de deixar assim, ao natural, né?!’ Ao dizer isso ela se afasta, e diz que não pode ficar com ele, pois ela não consegue transar com um homem que deixa o peito peludo, acha nojento.
Pessoas correndo para se exercitar na rua. Homens devidamente vestidos com camisa sintética bem justa e shorts esportivos igualmente curtos e/ou justos. Uma mulher corre ao seu lado, com seus fones de ouvido, shorts de futebol e com os seios à mostra. Ao fundo, um caminhão de lixo para e duas mulheres descem para coletar as bolsas que se acumulava no canto da rua.
Um casal tem um filho e o homem, que é assistente/secretário de uma famosa escritora, é quem fica em casa de licença paternidade, já que a mãe voltou a trabalhar alguns dias depois. Ele acaba perdendo o emprego, pois a chefe diz que não pode ficar tanto tempo sem seus serviços. Seu amigo, que ele mesmo havia indicado para substituí-lo durante a licença, acabou ficando com sua vaga porque a chefe o achou atraente.
Essas situação parecem um tanto absurdas. Mas se você simplesmente inverter os papéis e colocar os homens no lugar das mulheres (e vice-versa), seriam perfeitamente comuns. Essa é a premissa do filme Eu Não Sou Um Homem Fácil.
O mais novo filme original da Netflix entrou no catálogo em Abril. E apesar de não ter repercutido tanto nos grandes portais de cultura pop, ele merece muito sua atenção. É um filme muito impactante e consegue fazer isso de uma maneira forte sem ser imposta, forçada. Pelo contrário, prefere fazê-lo com um humor inteligente e agradável.
O filme seria um enorme clichê se os papéis principais fossem invertidos, com Damien (Vincent Elbaz) sendo um homem bem sucedido e um pegador, um machista inveterado; e Alexandra (Marie-Sophie Ferdane) sendo a assistente de um escritor famoso que é mais qualificada do que sua função exige e que é acusada de ser lésbica por ter uma atitude diferente (leia-se ativa) em relação ao seu trato com os homens em geral.
Contudo, ele surpreende fazendo algo bem simples e ao mesmo tempo quase inimaginável: coloca o homem como o passivo na sociedade e a mulher como dominadora. Todas as situações descritas nos três primeiros parágrafos desse texto acontecem no filme, além de outras tão ‘absurdas’ quanto.
Há muitos outros clichês a história que poderiam tornar o filme uma tediosa e comum comédia romântica, onde o homem rico e acostumado a ter todas as mulheres usando-as para se satisfazer e que não quer compromisso (ou simplesmente não consegue manter um relacionamento adulto), se apaixona pela assistente que se mostra diferente e o desafia, o intriga, pelo simples fato de não se curvar a ele. Sendo esse homem um escritor em crise de criatividade, ele acaba se interessando pela história de vida da assistente e, ao passo que vai se envolvendo com ela e se tornando parte dessa história incomum, resolve escrever sobre isso, reacendendo sua criatividade e solucionando seus problemas. No fim, algo acontece com os dois, eles se separam e eles percebem que gostam um do outro e acabam, ambos, cedendo em nome desse sentimento.
Agora troque todas as partes em que você lê ‘homem’ e ‘mulher’ e troque uma pela outra. Ainda assim, a história é simples, mas ganha uma ótica inovadora e curiosa. Além de ficar hilário, por mais que não devesse.
É claro que há uma grande bandeira feminista sendo levantada no filme. E esse é um filme que deveria ser assistido por todos, se possível projetado em salas de aula de ensino médio e devidamente acompanhado de discussões acerca de seu entendimento e das mensagens que ele transmite. Se não fosse pelos corpos expostos em cenas quentes de sexo, poderia, inclusive, ser exibido para adolescente mais novos, com seus 12 ou 13 anos, para fazer essa desconstrução o quanto antes.
Aliás, essa coisa dos corpos expostos, é um outro paradigma que o filme enfrenta. A produção é francesa, portanto, tem uma visão diferente, uma falta de pudor quanto aos corpos. Se fosse uma produção americana (ou até mesmo brasileira), isso tomaria uma outra proporção e seria muito mais sexualizado.
Eu Não Sou Um Homem Fácil é um filme divertido e que exercita nossa cidadania, nossos (pré-)conceitos e brinca com nossa percepção por muitas vezes distorcida de como certas situações são absurdas e inconcebíveis.