Crítica | Eternos

Pense no filme mais ‘diferentão’ do MCU. Alguns diriam que foi Pantera Negra, outros Doutor Estranho, e há até quem cite Capitão América: Soldado Invernal. De fato, esses três têm elementos que fazem deles destoantes quando comparados com a maioria dos filmes desse unvierso, cada um por uma razão.

Eternos não apenas entra nessa lista de filmes que ‘não parecem um filme da Marvel’, como vai além. Eu diria que é o filme ‘mais artístico’ do estúdio até hoje e abre precedente para coisas novas, para essa mescla de blockbuster com cinema arte. Sim, é possível fazer filmes de super-heróis serem bem próximos do que se chamaria de cult, tá ouvindo Scorsese?

O único trabalho da diretora Chloé Zhao que eu conhecia até então era Nomadland (que lhe rendeu o Oscar de melhor direção). Mas já consigo notar um certo padrão, talvez sua assinatura: a bela fotografia. Esse é um dos grandes pontos do filme. É facilmente a mais bonita não somente nos filmes da Marvel, mas provavelmente em qualquer filme de super-heróis. Até mesmo pelo fato de mostrar várias localidades e usar muita luz natural e não apenas cenários inseridos digitalmente.

Mas não se engane: Eternos não é um filme chato. Longe disso! Que filme divertido e emocionante! E mesmo tendo 2 horas e meia de duração e muitos personagens para desenvolver em uma trama relativamente complexa, tudo é muito fluído. Tudo é bem dinâmico sem ser corrido, há um ótimo equilíbrio.

Quando pensamos em um filme que mostra uma equipe tão grande e diversa, no sentido de serem personagens bem distintos, é de se imaginar que alguém vai acabar ficando esquecido no rolê. De fato, alguns personagens obviamente têm mais destaque que outros. Contudo, há espaço suficiente para que possamos entender as motivações e personalidades de cada um.

Inclusive, fiquei bem surpreso que Angelina Jolie (Thena) e Salma Hayek (Ajak), atrizes j´á consagradas e com bastante bagagem, acabam tendo menos tempo de tela que outros atores mais desconhecidos do grande público. É bem verdade que quando estão em cena, especialmente Angelina, elas se destacam muito. Eu diria que a melhor atuação é dela, que dá um show, entregando uma personagem com camadas e muito intensa.

No entanto, são Gemma Chan e Richard Madden (Sersi e Ikaris, respectivamente) que podem ser chamados de protagonistas do longa. Richard parece um pouco mais ‘engessado’, muito por conta do personagem. Mas Gemma dá conta do recado, se saindo muito bem.

Ainda sobre a atuação, Barry Keoghan (Druig) está tão convincente em seu papel, que dá raiva no espectador. Kumail Nanjiani, que dá vida a Kingo, o Eterno mais divertido, é quase um alívio cômico no filme e cumpre muito bem essa função. Fora esses, todos os outros estão bem sólidos, têm bastante importância em momentos decisivos e não comprometem em nada.

A trilha sonora também é no mínimo competente. Aliás, logo nos créditos iniciais toca Pink Floyd de forma muito bem contextualizada e, olha, arrepia.

Quanto à história, se você está se perguntando como eles se encaixam no MCU, tudo é muito bem explicado e faz muito sentido. A trama é eleborada com bastante calma e fica amarradinha, sendo muito pontual com o que deixa em aberto. Talvez esse recurso narrativo e as diversas referências ao restante do MCU são os únicos momentos em que lembramos que estamos vendo um filme da Marvel.

Falando em referências, abro um breve parênteses para citar que em dois momentos o filme cita diretamente os heróis e o universo da DC. Achei isso muito curioso.

Voltando à questão da dinâmica da equipe, ao fato de não parecer um filme Marvel (e ligando ao assunto DC), eu diria que Eternos é tudo o que gostaríamos de ver em um filme da Liga da Justiça, mas sem parecer em nada com o que já vimos deles no cinema. É impossível não fazer a conexão: temos claramente um Superman ali, uma Flash e uma Mulher-Maravilha. E quando eles estão trabalhando em equipe, há um entrosamento que não se vê sempre em equipes de super-heróis nas telonas.

Em Eternos há bastante drama, especialmente familiar. Há, sim, espaço para piadas, diferente do que dizem muitas críticas. Há ação, fantasia, um pouquinho de sci-fi e muitas mensagens, lições. Dá até para aprender história. Arrisco dizer que é o filme mais maduro desse universo. Uma maturidade diferente da que vimos em Pantera Negra ou em Soldado Invernal.

Falando em ‘adulto’, sobre a polêmica primeria cena de sexo do MCU, particularmente acho que poderia ser dispensada. É apenas uma insinuação, dura cerca de um minuto, mas ainda assim, desnecessária. Poderia haver um salto da cena em que o casal se beija para a que se casa, que a mesma mensagem seria transmitida. E concluindo a parte polêmica, temos também o primeiro beijo gay. Esse sim, completamente contextualizado e natural, eu mesmo mal tinha notado de tão singelo que é. Posso estar sendo pudico demais, mas achei a cena de sexo bem mais chocante do que o beijo, como deveria ser mesmo. Beijo é uma coisa a qual crianças são expostas constantemente e simboliza afeto e carinho, já sexo, é mais complicado, no mínimo.

Um pouco menos polêmico, mas que poderia ser chamado de ‘lacração’ pelos nerdolas mais conservadores, é a diversidade praticamente perfeita que o filme entrega. Diversidade de gêneros, etnias, sexualidade, culturas… até mesmo os surdos tem uma super-heroína em que se espelhar agora. E, outra vez, tudo faz muito sentido dentro da trama, sem parecer nada forçado.

Com esse filme e todo o lore que ele traz para o MCU, vemos que a Marvel continua pensando muito adiante. Na atual fase, temos o núcleo do Multiverso (com Wandavision, Loki, Doutor Estranho e Homem-Aranha), o cósmico (Eternos, Capitã Marvel, Guardiões da Galáxia) e o ‘pé no chão’ (Capitão América/Falcão & Soldado Invernal, Viúva Negra, Gavião Arqueiro, a equipe que vai se formando e que provavelmente será os Thunderbolts). Todos com muito espaço pra mais coisas por vir. Pode colocar aí mais uns bons dez anos de filmes e séries com muita história boa para ser contada.

Além disso, com essa obra bem diferente do que estamos acostumados na Marvel, Chloé Zhao abre espaço para outros grandes diretores com ideias e estilos próprios no gênero de super-heróis. Tem muito espaço para diretores que ‘pensam fora da caixinha’ se os deixarem viajar, derem liberdade. Para quem pensa que o gênero estava desgastado, Eternos traz muito mais do que um sopro ou novo fôlego. Está mais para um novo caminho, uma nova possibilidade.

Eu não tinha expectativa nenhuma para esse filme. Mesmo sendo leitor assíduo de quadrinhos e Marvete declarado, não sabia absolutamente nada de Eternos (pode perguntar ao seu amigo leitor de HQs, caso você não seja um, e terá a confirmação de que essa é uma equipe obscura até para quem acompanha quadrinhos). Fui surpreendido positivamente. Conheci uma história muito rica. Me diverti, me emocionei e de quebra assisti a um baita filme.

Se você já está se sentido seguro e confortável para ir ao cinema, vá assistir Eternos, de coração e cabeça abertos. Se tiver condições, veja na maior tela possível, vale a pena apreciar cada detalhe dessa obra. Se não for o seu caso, tudo bem esperar para ver no conforto da sua casa. Mas assista, vale muito a pena. Ah, e não se esqueça das duas cenas pós créditos de praxe. Não sabemos como ainda, mas são importantes para o futuro do MCU. Mas não é disso que gostamos, dessa especulação, de fazer teorias? Ponto para a Marvel, de novo.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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