Crítica | Dora e a cidade perdida

Um filme live action da Dora Aventureira. Foi algo que pedimos? Não. É algo que precisávamos? Não. Era, pelo menos, um filme que alguém botava fé de que seria bom? Tampouco.

Qual não seria a surpresa ao constatarmos que o filme é realmente bom? E não é assim tão desnecessário?

Dora e a Cidade Perdida é um filme até bastante divertido. E há algum tempo não temos nenhum outro filme que entregue o mesmo que ele.

Pode parecer contraditório com o parágrafo anterior, porém, esse é um filme que é um apanhado de algumas outras obras que conhecemos. Imagine uma mistura de Indiana Jones (Tomb Raider/Uncharted), com Os Goonies e doses de influência de Clube dos Cinco. E, é claro, o desenho Dora Aventureira também está lá, em sua essência, que é ensinar.

Na primeira parte do filme, já temos uma amostra de que o filme não tem a intenção de se levar a sério. Vemos Dora criança, seus pais e seu primo Diego almoçando (logo após uma aventura entre Dora e Diego, que nos dá a dica que suas aventuras no desenho seriam apenas imaginação de criança). Em um dado momento, Dora olha para a câmera, quebrando a quarta parede, e conversa com o espectador, ensinando-nos a falar uma palavra nova em espanhol. O pai acha aquilo esquisito, mas entende que é coisa de criança. Uma boa forma de começar, já deixando claro que o que veremos aqui não é jeito convencional de se contar uma história na mídia cinematográfica.

Há uma passagem de tempo, Diego vai morar nos EUA. Detalhe: fica implícito que Dora mora em algum lugar da Floresta Amazônica, mas pelo que vemos no mapa quando ela sai dali, é bem provável que seja no Brasil. Porém, ela, seus pais e Diego falam espanhol…

Quando os pais de Dora saem para uma expedição em busca de uma cidade mitológica, onde acreditam que exista um artefato antigo poderoso, a menina aprendiz de exploradora precisa ir morar com sua família nos EUA, junto com seu primo.

Acontece que a menina sempre viveu na selva. Seus amigos eram animais selvagens, suas atividades favoritas envolviam aventuras (fica a dúvida se reais ou imaginárias), e ela canta o tempo todo, para tudo e sem razão.

Quando chega à ‘cidade grande’, ela fica totalmente deslocada. Diego, que quando criança era muito parecido com Dora, exceto por não levar tão a sério suas aventuras, agora tentava apenas viver uma vida de adolescente normal. Para ele, era apenas brincadeira mesmo. Mas mesmo assim, deixou o encanto para trás para sofrer menos o impacto que o Ensino Médio causa em quem é ‘diferente’. E por essa razão, ele acaba sendo frio com Dora.

Nessa parte, o filme parece que tomará um rumo totalmente diferente do que prometeu no início e que não teria nenhuma relação com a Dora que conhecemos. Aqui temos um clássico filme de high school americano. Inclusive, é nessa parte que acaba aparecendo a referência ao Clube dos Cinco. Na escola, Dora acaba fazendo amizade com um nerd meio lento mas bem simpático chamado Randy. Sammy era a inteligente (CDF) chata que se gaba de ser a mais inteligente da escola. Além destes, temos Dora, que acaba com o ‘reinado de Sammy’ por ser tão inteligente quanto, só que muito menos amarga e muito mais livre, sem medo de ser estranha. Para completar o grupo temos Diego, que tentava ser o mais discreto possível, ao mesmo tempo que não se encaixava em nenhum grupo. Obviamente esse grupo tão heterogêneo acaba precisando ficar junto.

Eles acabam sendo levados por um grupo que sequestra Dora para conseguir chantagear os pais e botar as mãos no tal artefato que eles buscavam, já que apenas eles sabiam chegar à Cidade Perdida e resolver seus mistérios.

Aí sim, o filme ganha sua identidade. Ele mistura diversos elementos e gêneros. Mas continua tendo cara de Dora Aventureira. Ao longo do filme conseguimos nos apegar a todos os personagens adolescentes, cada um com sua personalidade bem construída pouco a pouco. E os atores têm muita responsabilidade nesse processo.

Isabela Merced (Dora) é um poço de carisma e é totalmente convincente no papel de ‘adolescente esquisita’ sem ser estereotipada demais. Os momentos ‘fora da caixinha’ da personagem (e do filme) são perfeitamente equilibrados com sua atuação. Madeleine Madden (Sammy) começa devagar, mas cresce o suficiente para vermos a evolução da personagem. Acaba tendo grande importância e participação. O mesmo se aplica a Nicholas Coombe (Randy), sendo que este, tem ainda a vantagem de ser mais vezes o alívio cômico. O mais fraco, a princípio, é Jeff Wahlberg (Diego), mas mesmo ele tem seus momentos. No final acaba tendo uma interpretação no mínimo digna, boa. E, sim, ele é parente do Mark Wahlberg, mais precisamente sobrinho.

No fim das contas, a aventura dos adolescentes pela selva em busca da tal Cidade Perdida, tem muitos clichês sim, porém nenhum deles mal aproveitados. E sempre vale lembrar: clichê é algo que é uma fórmula repetida que sempre dá certo. E dá. Tudo funciona muito bem. Até mesmo as piadas escatológicas que poderia ser descartadas, devem atingir bem em cheio ao público infanto-juvenil, que deve curtir muito essa aventura.

Há algum tempo Hollywood não produzia um filme grande com essa pegada para esse público e sem nenhum tipo de apelação, além de passar muitas e boas mensagens.

Se você foi uma criança que assistiu Dora Aventureira, você ficará muito satisfeito com todas as referências. As músicas, o Mapa, Botas, a quebra da quarta parede, o Raposo e até mesmo a própria animação (em um momento totalmente WTF) estão lá. E nada totalmente gratuito. Acredite: tudo está plenamente de acordo com a proposta do filme.

Uma observação: como o público alvo é infanto-juvenil, as cópias que devem chegar aos cinemas brasileiros devem ser dubladas apenas. E a dublagem está ótima, como de praxe tem sido há muito tempo. Mas se por acaso você tiver a chance de ver com áudio original, note que a voz do Raposo é de Benicio del Toro e do Botas (na única vez que ele fala de fato) é de Danny Trejo. Isso é apenas uma forma de ‘easter egg’, nada relevante de fato.

Vá despreocupado, de mente aberta e aprecie uma bela aventura infanto-juvenil que também pode agradar aos mais velhos e saudosistas. O filme é uma grata surpresa que ninguém pediu mas que muitos precisavam, ainda que sem saber disso.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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