Crítica | Dear White People

As séries originais da Netflix costumam de ter o objetivo de serem mais relevantes do que uma obra de entretenimento comum. Dear White People não fugiu a essa regra, e nem poderia. A ideia, inclusive, é essa.

Por conta não apenas do título, que segundo alguns é agressivo, milhares de usuários cancelaram sua assinatura do serviço de streaming nos EUA. Somente o trailer de anúncio da série por lá, tem mais de 7 vezes o número de ‘não gostei’ do que de ‘gostei’. E há rumores de que mais de 100.000 comentários negativos que foram considerados ofensivos de alguma forma foram retirados. No Twitter a repercussão foi grande também, e entre outros argumentos, havia quem dissesse que a série promove o ‘genocídio branco’.

https://twitter.com/bakedalaska/status/829424970677641216?ref_src=twsrc%5Etfw&ref_url=http%3A%2F%2Fcinepop.com.br%2Fdear-white-people-serie-que-fez-netflix-sofrer-boicote-nos-eua-sera-lancada-no-brasil-140412

No Brasil, entretanto, apesar de ter chegado ao catálogo em 28 de Abril, a série não teve nem de longe a mesma repercussão. Ao contrário de 13 Reasons Why, por exemplo, que chamou a atenção não apenas da crítica especializada como da mídia geral que rotulou a série como polêmica e forte demais, Dear White People (ou Cara Gente Branca no título nacional) ainda não impactou tanto. E isso, de certa forma, é preocupante.

O plot principal da série começa com uma festa promovida no campus da Universidade de Winchester, que alega ser uma instituição chamada ‘pós-racial’, apesar de ter um número predominantemente maior de alunos brancos. Nessa festa, promovida por um grupo que tinha o intuito de satirizar as reclamações de apropriação cultural provindas, especialmente, dos negros da instituição, as fantasias de Halloween utilizadas eram essencialmente personalidades negras, sempre muito estereotipadas.

Porém, como pode ser visto no trailer acima, o tom da série é altamente irônico. Tanto, que ao contrário da maioria das séries Originais Netflix, especialmente as mais bem sucedidas, os episódios são de apenas 30 minutos, em média (duração característica de sitcoms e não de dramas).

Isso não significa que a série não queira e nem deva ser levada a sério. Não apenas pelos roteiros, diálogos, e dramas que permeiam a série, mas também pela produção em si. Com ótimas atuações e dinâmica contagiante, a série pode conquistar o público por diversas razões.

Com cada episódio focado em um personagem (às vezes os ‘protagonistas’ do episódio se repetem e podem haver mais de um em foco), e mostrando que todos têm profundidade, sendo ora vilões, ora mocinhos, a série faz com que o espectador se encante com diversos personagens. Outra característica interessante é mostrar a mesma cena, ou sequência, por mais de um ponto de vista. Para os espectadores um pouco mais antigos, não há como não lembrar de Lost, que foi pioneira no ramo em muitas dessas características.

Ainda no campo ‘técnico’ da série, vale ressaltar que é preciso ter um profundo conhecimento geral, seja de cultura pop, seja de história, para compreender todas as referências da série, o que enriquece muito o roteiro e a experiência ao assisti-la, mas pode por outro lado, afastar aqueles que não conseguirem pegar tudo.

Apesar da forte e idealista Sam White (Logan Browning) ter sido apresentada no trailer como protagonista, outros personagens assumem esse papel ao longo dos 10 episódios, especialmente o tímido e esperto Linoel Higgins (DeRon Horton).

Além desses dois, outros personagens mostram muito bem suas nuances e humanidade verossímil, como Troy Fairbanks (Brandon P Bell), Colandrea ‘Coco’ Conners (Antoinette Robertson) e Reggie Green (Marque Richardson) e até mesmo Gabe Mitchell (John Patrick Amedori), o único ‘personagem branco’ considerado protagonista. Todos esses são muito bem explorados e são muito carismáticos em toda sua naturalidade e realidade. Por mais que o espectador possa sentir raiva ou empatia por um ou outro, em algum momento esse sentimento pode se inverter ou fundir.

Empatia, aliás, seria a palavra que melhor define a série. Palavra essa, que permite a todo aquele que acompanha a série se envolver e entender a mensagem. A falta dessa, no entanto, é a principal causa da polêmica que ela causou nos EUA, bem como é responsável também pela ‘falta de polêmica’ no Brasil. Pois apesar do racismo ainda estar muito presente em toda parte do mundo, inclusive (e especialmente) em nosso país, tal assunto tem impacto e abordagem diferente por aqui. Muito do que se levanta na série, não se encaixa exatamente na nossa realidade. Da mesma forma que, certamente, muito do que vemos por aqui não seria real por lá.

A própria questão da palavra nigga/nigger e como ela é usada por lá, não tem a mesma força por aqui. Quando se vê legendado em português, um espectador brasileiro possivelmente não se sentiria ofendido com o termo negro, diferentemente do norte-americano que muito provavelmente ficaria.

Ainda sobre a empatia, é ela que permite que um homem branco possa ser atingido positivamente pela série, que seja capaz de observar e entender a real mensagem da mesma. Da mesma forma que Gabe consegue sentir e compreender as motivações de Sam e seus amigos na história. No entanto, ainda que se possa imaginar a posição e mensurar a dor(a tal da empatia), é praticamente impossível saber de fato como é apenas por observar. E é por isso que tantos são contra e usam termos como ‘genocídio branco’. É incrível como obras como essa conseguem atingir tão em cheio aqueles que tem empatia e aqueles que não tem (e em especial, aqueles que tem ódio), na mesma intensidade.

Dear White People (ou Cara Gente Branca, se preferir) é bem mais que uma série satírica sobre racismo. É uma experiência social sobre empatia. Infelizmente essa experiência ainda não teve o resultado esperado no Brasil, mas sem dúvida, merece sua atenção e sua participação.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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