Crítica | Aves de Rapina

Arlequina terminou com o Coringa. Ao tentar começar uma nova vida por conta própria, ela acabou sendo envolvida em uma confusão com um dos novos chefões do crime de Gotham, o Máscara Negra. Nesse meio tempo, seu caminho cruza com a Canário Negro, Renee Montoya e a Caçadora. Todos eles, o vilão incluso, estão atrás da pequena Cassandra Cain.

Algumas pessoas torceram o nariz quando souberam que o filme que traria de volta a Harley Quinn de Margot Robbie não seria uma aventura solo, mas a mostraria agindo junto com as Aves de Rapina, e que não haveria Batgirl no grupo. De fato, pra quem conhece as personagens, parece que não vai dar certo a princípio.

Mas acreditem: funciona. O filme começa com um ritmo e uma narrativa muito interessantes. Para ambientar e situar o espectador, a sequência inicial é uma animação contando o que houve entre a Arlequina e o Coringa. Depois vemos algumas sequências rápidas sobre como ela encarou esse término e como estava planejando seguir em frente.

Em seguida, somos apresentados às personagens Renee Montoya e Casandra Cain. Ambas na mesma sequência narrativa que se inicia com Harley, que é a narradora da história também.

Quando a Canário Negro também é introduzida na história, acontece uma mudança na sequência. Voltamos um pouco no tempo para ver os eventos que aconteceram até ali do seu ponto de vista. E é então que vemos como as histórias vão se entrelaçando. E elas estão mesmo muito bem amarradas.

Ou seja, com cerca de 40 minutos de filme já acaba uma das maiores dúvidas da vertente mais tóxica dos nerds que dizia que o filme não teria roteiro e que a história não fazia sentido. É um roteiro bem simples, mas como uma boa narrativa e com personagens se desenvolvendo e se envolvendo de forma bem rápida e fluida.

A grande sacada do filme é mostrar como as mulheres que não tinham nada (aparentemente) em comum, acabam se encontrando e se ajudando. Elas buscam, cada uma por uma razão, se emancipar, se afirmar como as mulheres fortes que são.

Harley acaba ajudando Cass, que já havia sido ajudada por Dinah (Canário), que já havia ajudado Harley e que acaba se tornando informante de Renee. Essa por sua vez também tenta ajudar Cass. E ainda faltava envolver Helena, a Caçadora nessa trama.

Ela aparece em um breve momento e ajuda uma das mulheres meio sem intenção. Depois passa boa parte do filme sumida. Mas quando volta, sua história se encaixa perfeitamente na das outras (e do filme).

Todas essas mulheres, de alguma forma sempre estiverem à sombra e/ou à mercê de um homem, por diversas razões. Por vezes, eles destruíram suas vidas. E as fizeram acreditar que eram menos, e que tinham que submeter a tal situação.

Não coincidentemente, o grande ela entre todas elas é um homem. Roman Sionis, o Máscara Negra, está diretamente ligado a cada uma delas. Sem querer e sem saber, ele acaba sendo o empurrãozinho que faltava para elas unirem forças de vez e mostrarem tudo que são capazes.

Apesar de começar muito bem e terminar de forma convincente, o filme perde o fôlego por um tempo. Fica com um ritmo mais de drama e talvez até um pouco sem foco, sem estar muito definido sobre seu tom. Mas não chega a deixar o filme chato, ou ruim. Pelo contrário, até enriquece um pouco a obra, não deixando ela presa a rótulos. Só que isso pode desagradar ao público que não está acostumado, e há sim, uma certa quebra de expectativa, especialmente pelo seu início.

As cenas de ação estão boas, e Margot Robbie está excelente nas lutas. Muito boa mesmo, ela fez um ótimo trabalho aprendendo as coreografias. E sua atuação está em um tom ainda melhor do que vimos em Esquadrão Suicida, mas sem sair da personagem. Aliás, desta vez temos uma Arlequina ainda mais próxima da dos quadrinhos e série animada. Mais louca (tem uma cena que mostra mais ou menos como seria em sua cabeça que é totalmente nonsense), mais engraçada e sem muita noção. Até quebra da quarta parede acontece.

Outra que está muito bem na atuação é Ella Jay Basco (Cassandra). A menina tem muita presença e está muito bem no seu papel, ela é carismática. Tem potencial para ir longe, e quem sabe até, se tornar a Batigirl desse Universo? Afinal, a personagem assume o manto por um tempo nas HQs…

Jurnee Smollett-Bell (Canário) e Rosie Perez (Renee) estão bem convincentes em suas personagens e evoluem bem, fazendo-nos querer ver mais delas logo. Inclusive, como há uma situação da Canário que fica meio sem explicação, e visto que é uma personagem que nunca foi adaptada para o cinema, então muita gente não conhece, torcemos para que haja mais dela muito em breve.

Se tem alguém que deixa a desejar no elenco é Mary Elizabeth Winstead (Caçadora). A atriz já tem uma bagagem em Hollywood e poderia ter rendido mais. Contudo, sua personagem participa pouco da história. Quem sabe em uma sequência possamos ver mais dela?

Na parte masculina, Chris Messina entrega um Victor Szasz sádico como deveria ser, mas como pouco a mostrar. Não compromete, pelo menos. Ewan McGregor é o vilão certo para a trama e acerta bem no tom. Está muito bem.

Uma coisa que fica nas entrelinhas, é sobre a sexualidade dos personagens masculinos. Por serem misóginos e sádicos, além de muito próximos um do outro, fica implícito que eles tem algum relacionamento íntimo. Mas o filme não deixa isso óbvio, porque não importa para a trama, assim como apenas menciona por alto (e subliminarmente através das roupas) que Renee é homossexual.

Por fim, outro acerto do filme é na violência. Teve coragem de assumir o tom necessário para o filme. Há cenas mais pesadas, além da linguagem imprópria (a propósito, Cassandra parecia até a Laura/X-23 de Logan com sua boca suja demais para a idade). Lembra muito o tom adotado na série Titãs da Netflix.

Talvez se Esquadrão Suicida tivesse tido a coragem de Aves de Rapina nas cenas de luta, no linguajar e os acertos do roteiro, seu destino tivesse sido diferente. Deve ser esse o caminho que James Gunn seguirá na sequência que está dirigindo.

Contudo, ao final do filme fica uma pergunta que não cala: cadê o Batman?! Uma série de crimes, vilões sádicos e explosões bem debaixo do seu nariz, em sua cidade… E nada do morcegão. Se a DC não tivesse voltado atrás na ideia do Universo Compartilhado mais conectado entre si, sua participação no filme seria totalmente cabível. Uma pena, por um lado. Não fez falta, mas fica meio mal contado…

No fim do dia, Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa, é um filme bem divertido, corajoso e muito necessário. Apesar de passar sua mensagem através de personagens com visões distorcidas de certo e errado e métodos inadequados, passa uma mensagem de sororidade na tela que é super importante nos tempos em que vivemos e por trás das telas também, afinal, tem uma equipe de produção toda feminina (produção, roteiro, direção, etc.). Vá ao cinema assistir. Vale o ingresso e precisa ser assistido. Além do mais, é legal mostrar pra DC que esse novo caminho tá dando certo.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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