Crítica | Atypical

As séries originais Netflix prometem ser o grande trunfo da empresa nos próximos anos, já que a concorrência tem aumentado e até grandes parcerias tem sido desfeitas para a criação de serviços próprios de streaming, dividindo cada vez mais o público entre as diversas opções. E a empresa parece estar empenhada em trazer cada vez mais produtos de muito qualidade para aqueles que permanecerem fieis. Atypical, que estreou em 11 de Agosto, é a mais nova produção a entrar para esse time de ótimas produções.

Se você procurar a sinopse da série, verá que ela tem como protagonista Sam (Keir Gilchrist), um rapaz de 18 anos diagnosticado com a Síndrome do Espectro Autista e que mostra sua jornada em busca de sua independência. Ao mesmo tempo, a série mostra os desafios diários que sua família enfrenta para lidar com essa condição. Com muitas risadas e momentos emocionantes, vemos que ser normal não é nada simples.

A premissa se faz verdadeira. No entanto, a série tem muito mais a oferecer do que apenas isso através de simples entretenimento. É bem verdade que Sam é o protagonista e a história, bem como a vida de sua família, gira em torno de sua condição. Porém, quase todos os personagens tem profundidade, são bem explorados e há diversos plots a serem desdobrados.

A série trabalha muito a questão das relações familiares. Sam tem uma irmã um pouco mais nova, Casey (Brigette Lundy-Paine). A princípio, ela aparenta ser uma adolescente rebelde que pode ser agir dessa forma devido a atenção  especial inevitável que seu irmão tem em detrimento a ela. Casey mostra que tem uma relação complicada com a mãe e é mais apegada ao pai. Ao longo do primeiro episódio ainda, Casey mostra ser muito apegada ao irmão e sempre o defende dos bullies bem como de qualquer um que possa se aproveitar ou zombar dele. Esse traço na personalidade de Casey se estende a outros além de seu irmão, uma vez que ela defende uma desconhecida quando alguns alunos picham seu armário a chamando de gorda.

A partir dessa briga, surge um rapaz interessado em Casey, o irmão da desconhecida que ela defendeu. Evan (Graham Rogers)parecia ser apenas um personagem quase irrelevante na história, no entanto acaba ganhando muita importância mais a frente na história. Há até um momento em que parece haver uma referência a 10 coisas que eu odeio em você, já que Casey é uma atleta assim como Kat no filme de 1999, e Evan tem fama arruaceiro que foi expulso de outra escola por cometer diversas atrocidades, assim como Patrick (vivido pelo já ótimo Heath Ledger).

Como já citado, a relação de Casey com o pai, Doug (Michael Rapaport) é muito boa. O pai da família parece ser o que menos sabe lidar com a condição do filho, o que fica claro ao longo da temporada. Ele se mostra na maior parte do tempo um homem sensível e que ama sua família e faz tudo ao alcance para que sua esposa não carregue sozinha todo o peso que as dificuldades por conta do filho proporcionam.

Já a mãe, Elsa (Jennifer Jason Leigh), é super protetora com o filho. Tudo bem que ele precisa de cuidados especiais, mas a mãe simplesmente tem medo demais de tudo e não o permite ter as experiências que ele precisa para ter uma vida minimamente independente e que são essenciais para qualquer ser humano. Ao mesmo tempo em que se mostra como uma mãe que ama seus filhos e sua família, ela parece precisar fugir daquilo tudo as vezes, talvez por ter vivido apenas em função da vida de todos, deixando de ser um indivíduo, e até mesmo uma mulher, para ser apenas mãe. Mais do que isso: mãe de um autista.

Além da família Gardner, outros personagens (como o já citado Evan), completam a trama que é bem mais complexa do que se espera e se acredita ante uma breve análise. Talvez a mais relevante seja Julia (Amy Okuda), a terapeuta de Sam. É Julia que notando o interesse do rapaz em diversas atividades comuns a alguém de sua idade, como namorar, por exemplo, o incentiva a experimentar novas situações e sensações. Acontece que Sam, com sua interpretação literal de tudo e dificuldade de entender entrelinhas, ironia e nuances, acaba despertando interessa na terapeuta sem que ela saiba. Além dessa complicação, Julia é mais uma forma da série mostrar como leva a sério seu subtítulo ‘Normal is overreated‘, afinal, mesmo ela sendo uma terapeuta acaba sendo uma das (se não a) mais paranoicas da série.

Como Sam não sabe lidar com garotas (ou qualquer novidade), ele pede ajuda a seu melhor (único?) amigo Zahid (Nik Dodani). Zahid é hilário com toda suas teorias sobre pegar as garotas e seu vocabulário até chulo em relação a isso. Assim como é inevitável para quem tenha assistido a pelo menos um episódio de The Big Bang Theory associar Sam a Sheldon, devido não apenas a diversos aspectos em sua personalidade como também à sua aparência física, até mesmo o corte de cabelo, também é invetável não associar Zahid a Howard, sendo que ele seria uma mistura deste com Raj.

Durante grande parte do tempo, Atypical é uma comédia, optando por mostrar de forma suave e descontraída a condição de Sam e como todos ao seu redor lidam com tudo isso, mais ou menos como Procurando Dory trata a séria condição da protagonista. Sem banalizar e ao mesmo tempo sem tratar como um drama completo. Contudo, a série tem momentos tão intensos, que o único jeito de terminar a temporada sem derramar pelo menos uma lágrima, ou, no mínimo, sentir um nó na garganta e um aperto no coração, é sendo uma máquina ou não tendo um pingo de empatia. As atuações estão incríveis, e todos os personagens tem oportunidade de mostrar suas nuances, mostrando que ninguém é só bom ou só ruim, ou mesmo só drama ou só alegria o tempo todo. Talvez o Zahid seja o único que só nos faça rir em toda cena…

Até mesmo Paige (Jenna Boyd), que parece também apresentar alguma questão poderia a colocar no grupo dos ‘atípicos’, tem chance de mostrar diferentes lados de sua personalidade. Em alguns momentos você a detestará, em outras vai querer abraçá-la, em outros se apaixonará, em outros simplesmente não conseguirá entendê-la. Essa é uma das principais características da série: é difícil escolher seu personagem favorito. Em um mesmo episódio você pode amar e odiar um mesmo personagem. Talvez a campeã em ‘ser odiada’ na maior parte do tempo seja a mãe, Elsa. Mas até mesmo ela nos permite entender suas razões e pelo menos perdoa-la.

Outra característica importante da série é a quantidade de plot twists. Sabe aquele momento em que você pensa ‘agora vai!’ ou ‘agora já era!’ e, de repente, tudo muda seja pra melhor ou pior? Eles acontecem algumas vezes. O dois últimos episódios então, parecem ser apenas para mudar tudo e acontecer de tudo. Mas sempre de uma forma boa, sem parecer forçado. São sempre viradas plausíveis e que cabem.

Atypical pode ser considerada uma série muito focada em adolescentes e talvez atinja muito a esse público, assim como aconteceu como 13 reasons why. Mas é muito mais que isso. A série é uma lição de vida que causa impacto e faz refletir ao mesmo tempo em que faz rir e entretém com suavidade. Pode e deve ser assistida por todos os públicos (exceto crianças, claro) e vale uma maratona, que nem custaria muito, visto que tem apenas 8 episódios de cerca de 30 minutos cada. Na pior das hipóteses, se você não achar a série tudo isso, você passará cerca de 4 horas assistindo grandes atuações e possivelmente dando boas gargalhadas e se emocionando.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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1 Response

  1. janeiro 23, 2019

    […] Agosto do ano passado Atypical estreou e recebeu boas críticas (inclusive nossa). O principal ponto positivo da série era trazer como plot principal um assunto delicado e que […]

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