Crítica | Aruanas – Globoplay (1ª Temporada)

Altamente crítica, a série “Aruanas”, original da Globoplay, é um convite aos brasileiros – e ao mundo – para abrir os olhos e enxergar o que acontece debaixo do nosso nariz, como o meio-ambiente é extremamente usurpado pelas empresas privadas.

Líderes da ONG Aruanas (palavra índigina que significa “sentinelas”), três amigas com personalidades distintas se unem para investigar os crimes ambientais na Amazônia, envolvendo uma grande empresa mineradora. Com um elenco de peso, as personagens fazem jus ao nome da ONG: Natalie (Débora Falabella) é uma jornalista e apresentadora que procura impulsionar sua influência através do programa de televisão; do outro lado, temos Verônica, advogada dedicada e objetiva que usa suas conexões políticas para resolver as questões necessárias; por último e não menos importante, Luiza (Leandra Leal), nacionalmente conhecida por seu ativismo, é quem mais coloca o corpo – literalmente – à prova de riscos, se infiltrando, invadindo e espionando a rede criminosa em torno da mineradora de Miguel Kiriakos, interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos.

O suspense criado por Estela Renner e Marcos Nisti inicia nos primeiros minutos da série, quando Luiza se prepara para receber o dossiê sobre a atuação da mineradora na reserva de Cari, mas descobre que o jornalista está morto dentro do porta malas de seu carro. A partir disso, todos os acontecimentos criam uma rede perigosa envolvendo oficiais corruptos, mortes e desaparecimentos, e os membros da ONG deixam de priorizar completamente seus problemas pessoais em prol da questão social: o alto índice de mercúrio nas águas e nos peixes está adoecendo índios e moradores da região. Nesse momento, a série faz uma crítica audível e parece se desprender do muro onde está.

O investimento cinematográfico, com direção artística de Carlos Manga Jr., é indiscutível, e a atenção dada à ambientação é de encher os olhos. A floresta tem sua beleza retratada frequentemente, uma lembrança ao telespectador do que existe tão perto de nós; e da importância de tal existência. Há equilíbrio entre o que é bom e o que propaga o mal, revelando também as áreas desmatadas em prol da mineração, principalmente a extração do ouro.

O roteiro escolhido para expor a questão ativismo-crimes-política-empresas não é uma grande aposta, peca em autenticidade, mas isso não prejudica a trama, porque seus apelos – e são bons apelos, apelos necessários – deixam uma mensagem clara: “não precisa ser o melhor, só precisa ser feito”. A visibilidade que a personagem Natalie traz através de seu programa dentro da trama, é da mesma proporção que a série traz para nós em realidade. É uma adaptação baseada em fatos reais com pitadas de suposições que não afetam a crítica em si.

Para quebrar a parte totalmente prática do enredo, a série investe em sub conflitos focados no emocional e humano, buscando cutucar as feridas dos personagens e coloca-los à prova do que são capazes de enfrentar. Temos a força do ativismo de Luiza combatendo sua briga na justiça pela guarda do filho; o casamento problemático de Natalie, que teve como pontapé a morte da filha do casal; e Verônica, envolvida romanticamente com o marido da melhor amiga, ameaçando não só a amizade, como o futuro equilibrado da ONG. Outros personagens acrescentam à obra, e apesar de personalidades distintas e bem atuadas, não têm suas histórias aprofundadas – é um fraco, porém não afeta o bom retorno da série. Uma das personagens trabalhadas, além das três líderes, é Clara (Thainá Duarte), responsável por representar o relacionamento abusivo e dar visão ao tráfico infantil.

Com a personagem Olga, Camila Pitanga faz par no antagonismo da história. Sua atuação magnífica não mascara o clichê de sua personagem, a lobista da mineradora de Miguel, com muitos contatos políticos. Sem aprofundamento, suas aparições só complementam o peso do elenco. Já Miguel tem uma neta, cuja existência libera o lado sensível e bondoso do homem, reafirmando como todo mundo possui dois pesos na balança.

Intercalando a teoria com a prática, os episódios possuem picos de tensão e suspense que levam à uma maratona. É fácil sentar para assistir ao primeiro e só levantar ao final do décimo, eles se assemelham no ritmo acelerado, um ponto positivo muito alto. O final insiste no bem vencendo o mal, mas é um importante recado para o ativismo real da nossa sociedade. Embora as diversas cenas de ação, a série mostra como é possível buscar justiça sem violência (em duas cenas, o padre dá aos ativistas uma arma, como forma de proteção, e a devolução sem uso do objeto realça a ideia da não violência).

Aruanas é um lembrete. Da existência da Amazônia, das reservas, dos índios e dos moradores. De como as vidas importam, de como a saúde deve ser preservada e oferecida à toda sociedade. São inúmeras críticas que enchem os olhos de lágrimas e o peito de orgulho, por saber que em algum lugar, há pessoas lutando pelo que é certo, arriscando as próprias vidas para isso.

Saindo de cima do muro por completo, o último episódio carrega uma força emocional gigantesca, um toque na consciência, e para isso, os personagens gritam nomes de vários ativistas mortos em diferentes períodos da nossa história. É o momento mais alto da voz de Aruanas, que tem, além do desejo de proteger a floresta, o desejo de alavancar a importância dos ativistas.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.