Crítica | Areia Movediça – 1ª Temporada (Netflix)
A aposta sueca da Netflix seria a nova 13 Reasons Why?
Buscando centralizar o massacre ocorrido numa escola, Areia Movediça procura sustentar o lado sombrio e a tensão da série intercalando diversas questões, como relacionamento abusivo, relações familiares e a frieza humana.
A jovem estudante Maja (lê-se Maia) é encontrada na cena do crime, onde professor e alunos foram vítimas de um massacre. Única sobrevivente e coberta de sangue, a garota é levada pela polícia ao hospital, onde passa por uma série de inspeções e descobre estar sendo acusada de cúmplice do namorado, antes de ser levada para a prisão temporária.
A série intercala passado, quando o relacionamento de Maja (Hanna Ardéhn) e o namorado Sebastian (Felix Sandman) começa, e presente, o estado atual da personagem e a sucessão da tragédia. O vaivém cria um elo entre produção e o público, aprofunda a história dos envolvidos o suficiente para criar empatia.
Em primeira mão, vemos a mídia sendo criticada pelo seu desespero ofensivo, o desejo em ser o primeiro a liberar uma informação, mesmo que essa seja falsa. Nem mesmo a polícia possui um laudo completo do ocorrido – muito porque Maja não consegue formular a memória e criar uma linha do tempo capaz de explicar –, mas o nome da garota já está em todos os jornais como responsável pelas mortes. Com o namorado entre os mortos, sobra somente ela para carregar a culpa.
E como entender o acontecido sem uma versão concreta? Ao passo que investigadores tentam descobrir, nós somos introduzidos ao passado, como Maja, uma garota de classe alta, volta a encontrar seu antigo colega e riquíssimo Sebastian, um garoto com tanto em mãos que acaba não tendo nada. Atrante, a conquista imediatamente, assim como seus pais. A rapidez dos momentos intensifica o relacionamento, dando pistas dos possíveis perigos a seguir.
Da perspectiva atual, Maja ainda não consegue entender como pode estar presa, tem certeza de sua inocência. Por outro lado, passa a criar laços com os inspetores da prisão, produzindo cenas das quais a emoção toma conta – choro em decorrência de memórias afetivas. É um apelo discreto e cuidadoso, o qual é possível questionar: se eles conseguem gostar dela, nós também podemos, certo?
Percebemos uma mudança de atitude muito grande na Maja, assim como seus amigos e familiares. Ela se entrega 100% ao namorado e ao estilo de vida dele, o qual envolve muita festa, bebida e outras drogas. A partir daí, conhecemos o lado mais perturbador do rapaz, seu lado imprudente, impulsivo e selvagem.
Há cenas das quais problemas são tratados de forma tensa, mas sem o perigo que algumas séries causam por não possuir cuidado necessário acerca de assuntos tão recorrentes na nossa realidade atual. Cenas onde Maja debate diretamente com o traficante, transformando a adrenalina que sentia com Sebastian em pura preocupação; as próprias cenas do massacre também aparecem em quadros cuidadosos, procurando exibir o mínimo para o choque, sem apelar diretamente.
No Brasil tivemos uma tragédia parecida recentemente, e muitas acontecem no mundo com mais frequência do que gostaríamos. Areia Movediça tem o cuidado de repassar isso sem romantizar ou procurar desculpas incabíveis.
À medida que a série avança, percebemos que não somente o relacionamento amoroso de Maja e Sebastian é abusivo, mas a forma como ela é tratada em dependência disso. Todo mundo está ciente do estado problemático do rapaz, e veem em Maja a salvação dele, ignorando qualquer assistência profissional. Não só pensam, como agem e falam diretamente para ela; até mesmo Amanda (Ella Rappich), a melhor amiga de Maja e uma das vítimas do massacre.
Por vezes nos vemos envolvidos no dilema onde não sabemos se Maja é vítima ou, de alguma forma, sempre esteve inclinada a possibilidade desse crime. Esse tipo de pergunta se mantém durante toda história, uma forma de retornar o público à crítica inicial, sobre como julgamos os outros sem procurar conhece-los ou entende-los; como buscamos acreditar na primeira versão sem termos um panorama completo.
Usar a forma como a sociedade age hoje em dia é, justamente, uma das defesas utilizadas pelo advogado de Maja. Enquanto o homem trabalha árduo para comprovar a inocência da acusada, pouquíssimas cenas mostram como os pais dela reagem a tudo (a mãe, analisamos a partir das cenas do passado, possui importante papel nas decisões tomada pela filha), como também outros sobreviventes; um deles, o amigo de Maja e Amanda, que nos surpreende no final ao assumir determinada posição. Sua história dentro da série se direcionada para a questão dos refugiados na Europa, procurando mostrar um dos caminhos possíveis e os problemas que podem continuar enfrentando. Sem a existência de Samir, seria difícil ter visão das diferenças entre classes sociais e criar sub conflitos dentro da trama.
Areia Movediça foi uma aposta que parece estar fazendo sucesso, conquistando o público por agir, principalmente, com delicadeza ao retratar assuntos pesados, envolvendo consciência, psicológico e consequências físicas e externas. Nos faz pensar sobre a natureza humana e se agiríamos da mesma forma se colocados em situações parecidas. As pessoas pararão de empurrá-lo quando descobrirem que o próximo destino é o abismo? A história de Maja tem começo, meio e fim, plausíveis e reais, dignos de seu interesse e atenção.