Crítica | Alguém Como Eu

É um equívoco associar o clichê a algo ruim. Por vezes, até é ruim ser clichê. Por outras, especialmente quando se é assumidamente clichê, é justamente isso que se é buscado. Portanto, o clichê é importante e não há nada errado com ele.

Alguém como eu, é um filme clichê. E não por isso é um filme ruim. A ideia é bem simples: uma mulher balzaquiana, bem sucedida profissionalmente, tenta encontrar um amor e, assim, se sentir plenamente realizada. Para isso, aceita uma proposta de emprego em Portugal, ‘deixando tudo para trás’. Ao encontrar por acaso um belo português, acaba se envolvendo em romance tórrido e eles passam a morar juntos. Depois de alguns meses a relação esfria e cai na rotina, além de ela começar a ver os defeitos dele, e que ele não tem a sensibilidade que ela gostaria que tivesse.

A partir desse momento, o filme até passa a fugir um pouco da história super clichê e passa a ter um pequeno diferencial: ela pede a Deus que seu namorado pudesse ser mais parecido com ela, que gostasse das mesmas coisas que ela. Acontece que ele acaba se tornando uma mulher, pelo menos aos olhos dela. Em alguns momentos, ela olha para ele e só vê uma bela mulher, mas que faz tudo para agradá-la e gosta de coisas parecidas.

Em teoria, o filme passa a ficar até mais interessante. Mas na prática, acaba voltando ao lugar comum. Contudo, vale ressaltar: ainda não é essa exatamente a razão para o filme não ser bom. Há até situações engraçadas e que podem trazer reflexão.

Qual é (ou são) o problema do filme então? Começa pela protagonista. Além de Paolla Oliveira não trazer sua melhor performance para a personagem (Helena), começando o filme extremamente fria e só melhorando no clímax, quando sua personagem atinge o auge de sua loucura com a situação em que se encontra. Ricardo Pereira (Alex) se sai um pouquinho melhor que sua companheira. Nas cenas mais cômicas ele é apenas ok, mas nas dramáticas é que se destaca, mesmo sem ser espetacular.

Mas se a atuação de Paolla não é das melhores, talvez isso se deva a personagem. Helena é a pior parte do filme. Ela faz o chamado ‘desserviço’ a tudo que as mulheres têm lutado para conseguir, e contradiz o que ela mesma diz sobre si no início do filme. Ao se colocar como mulher bem sucedida e independente, ela se sabota ao passar a tratar Alex como solução para sua vida. Quando ela percebe que sua relação não está avançando bem, passa a desejar que ele seja como ela, que goste do que ela gosta, ao invés de ser madura e aprender a lidar com as diferenças e conflitos que uma relação adulta trazem, ela apela para o divino para obter aquilo que quer por puro capricho e as custas de ter que mudar a pessoa amada.

E como se isso não bastasse, o filme não deixa claro se a personagem teve seu desejo atendido por Deus ou por alguma dessas mágicas do cinema (bem ao estilo do clássico do cinema brasileiro Se eu fosse você) ou se é simplesmente loucura, coisa da cabeça de Helena. E isso só contribui para denegrir a imagem da mulher, já que fica a impressão de que Helena é uma maluca, exatamente como diz a antiquada convenção social. Ela não sabe o que quer, quando acha que sabe e consegue por mágica, sem precisar ser forte ou madura ou mesmo ter conquistado, ela simplesmente muda de ideia porque não gosta do resultado. Pede que tudo volte a ser como antes.

No fim das contas, não sabemos se Helena tinha mesmo problemas psicológicas (ela chega a tentar terapia mas acaba por ser motivo piada por parte do terapeuta, de seu namorado e até mesmo de sua melhor amiga), se era apenas uma ‘mulher maluca’ como diz o chavão machista ou se seu pedido foi realmente atendido por Deus só que de forma literal… E ainda não fica claro se no final ela aprende a lição, parece que ela vai continuar a mesma mimada e indecisa/inconstante de sempre.

O fato de os personagens secundários serem pouco relevantes para a história nem chega a incomodar. Nem mesmo o fato de que a trama não encontra o seu tom ideal, e acaba permeando entre o romance (mais dramático e simples) e comédia romântica, o deixando um tanto sem sal. O que dói mesmo é a imagem distorcida da mulher que o filme passa. O clichê da trama em si, ou mesmo o final clichê, nenhum dos dois torna o filme menos interessante. O pior dos clichês é o de que mulher é tudo maluca e que precisa de um homem, de um relacionamento para ser completa/feliz.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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