Criadores de Friends comentam sobre o que não fariam hoje na série

Agora em Setembro, Friends completa 25 anos de lançamento. Até hoje é uma das séries mais amadas e maratonadas pelos fãs do gênero, além de ser inspiração e referência para muitas outras.

Contudo, muita coisa ficou datada na série. Por ter sido exibida entre 1994 e 2004, uma época em que muitas coisas ainda eram tabus ou encaradas de outra forma pela sociedade, hoje muitas storylines não cairiam nada bem ou até mesmo seriam alvo de protesto.

Os criadores da série David Crane e Marta Kauffman falaram sobre algumas dessas questões recentemente durante o Tribeca TV Festival’s que homenageia o aniversário da série.

Marta Kauffman revelou dois episódios que ela agora se sente desconfortável ao assistir. O primeiro citado por ela, foi um episódio da terceira temporada em que Phoebe se apaixona por um cara que está perseguindo sua irmã gêmea. Ela disse: “O episódio do perseguidor. Reescrevemos muito para fazer isso funcionar“. No episódio em questão, um stalker persegue Ursula e a confunde com sua irmã gêmea Phoebe. Ao descobrir o que estava acontecendo, ela acaba se envolvendo com o cara, por achar ele até fofo, inocente. Ainda assim, bem estranho e, no mínimo, desaconselhável. O segundo citado por ela, não é exatamente perturbador, só estranho mesmo. Ela não gosta de um plotline da segunda temporada, onde Phoebe e um interesse amoroso ficam com catapora durante um fim de semana romântico juntos.

E enquanto o outro co-criador do programa, David Crane, não abordou nenhum episódio específico, ele citou as críticas à algumas das histórias mais problemáticas.

“Existem algumas tramas que são melhores que outras“, disse ele, acrescentando que às vezes ele se pega assistindo um episódio e pensa: “Uau, sério?! Fizemos isso?” Marta concordou, dizendo: “Para mim, é muito mais difícil aproveitar os bons momentos quando há situações em que eu fico: ‘Oh meu Deus, deixamos isso acontecer? Fizemos isso?'” David acrescentou que, enquanto assiste esses episódios, às vezes pensa consigo mesmo: “Não poderíamos ter tentado mais dez minutos e apenas encontrar uma piada melhor?“

Marta também revelou que teve embates com executivos da NBC sobre a liberdade sexual de Mônica: “Eles a pintavam como vagabunda.”

Alguns fãs e sites americanos especializados na cobertura de TV também criticam a falta de diversidade no elenco, composto majoritariamente por brancos. Dos 41 atores que aparecem em mais de cinco episódios da série, apenas duas não são caucasianas. Aisha Tyler (Charlie), namorada de Joey e Ross na nona temporada e Lauren Tom (Julie), namorada do Ross na segunda temporada.

Além da opinião dos próprios criadores da série, diversos outros veículos que tratam da cultura pop já falaram das piadas inadequadas e situações questionáveis. O Buzzfeed fez uma lista onde aponta momentos em que Friends foi ‘problemática’. Separamos algumas das mais interessantes:

1 – A questão do ‘babá masculino’: Mesmo com o fator “produto do seu tempo”, ver o cérebro de Ross derreter com a idéia de um homem hétero que quer cuidar de crianças chega a ser assustador. Por mais que um programa de TV e, portanto, coisas ridículas acontecem, na realidade, ele provavelmente teria sido processado por fazer perguntas invasivas sobre a sexualidade do babá e depois demiti-lo por ser homem.

2 – Todas as piadas sobre peso e corpo feminino, principalmente nos episódios que citam ou mostram a Mônica gorda: “Fat Monica” ajudou toda a mídia a perpetuar a imagem de indivíduos com sobrepeso como piadas e nada mais. Ela só se tornou uma personagem “digna” depois de perder peso, ou pelo menos é assim que o programa fazia parecer. Não são apenas as “piadas” gordas, mas a maneira como o programa também implica que Monica é uma loser solitária quando estava acima do peso ideal.

Além disso, o que não era padrão era considerado feio ou menos atraente. Por exemplo, quando Monica faz um penteado com tranças afro em Barbados. Chandler acha tão “nojento” que ele nem consegue beijá-la. Da mesma forma, ao final da terceira temporada, Rachel basicamente convence Bonnie a raspar a cabeça, dizendo que ela terá mais chances com Ross. A questão é que fica claro ali, que mulheres de cabeça raspada não podem ser atraentes e são tratadas como horríveis. O único ponto positivo é que Bonnie ama a cabeça se sente feliz com sua aparência.

3 – As piadas com personagens LGBT, como Carol e a mãe do Chandler: Além de diálogos constantes que satirizam ações ou comportamentos supostamente incoerentes com o gênero de alguém. A coisa toda “O pai de Chandler é uma drag queen”. Embora a adição de um personagem gay orgulhoso tenha sido um grande avanço na televisão, eles representaram mal a comunidade. A homofobia e as piadas de Chandler sobre seu pai transgênero foram horríveis. O show também misturou pessoas trans e drag queens. Ao tentar expor e desmantelar alguns preconceitos, eles também perpetuaram outros.

4 – O ciúme e o controle de Ross sobre suas namoradas, especialmente Rachel: A situação com Mark (chefe da Rachel) estava às portas de se tornar psicótica. Ele ficou ressentido e ciumento e tornou-se completamente possessivo. Ele interferiu no trabalho dela mais de uma vez, gritou em seu escritório e enviou presentes excessivos. E lembrando que por dez temporadas, Rachel teve esse arco maravilhoso ao passar de pirralha rica e mimada para uma mulher independente e auto-realizada com uma grande carreira. Então, no último momento, ela sacrifica essa carreira porque Ross não queria que ela fosse embora do país e ficasse longe dele.

5 – A objetificação das mulheres: Há um episódio de Ação de Graças em que Ross e Joey conhecem a colega de quarto bonita de Joey e suas amigas. Durante todo o episódio, eles estão tentando pensar em maneiras de induzir essas mulheres a dormirem com eles, e Joey literalmente as chama de “objetos”. Em outro episódio, Rachel machuca a costela, então ela pede a Ross para ajudá-la a se arrumar. Ela está prestes a trocar de roupa e pede a Ross que se vire, porque ela não quer que ele a veja nua. Ross não se vira e diz que já a viu nua. Rachel explica que é diferente porque eles estavam juntos antes. Ross diz que pode vê-la nua sempre que quiser – ele apenas tem que fechar os olhos. Ele então “a imagina nua” várias vezes. Ele continuava imaginando, mesmo que ela estivesse visivelmente desconfortável, e dizia para ele parar.

Além dessas citados, há muitas outras ocasiões que soam muito mal nos dias de hoje e já eram ofensivos na época em que foram ao ar pela primeira vez, porém aqueles que eram ofendidos não tinham a voz que têm hoje. E assim, infelizmente, acabavam por solidificar e perpetuar tais preconceitos e falta de sensibilidade.

Podemos citar ainda o fato de Ross se irritar com seu filho Ben brincando com ‘brinquedos de menina’, o próprio tentando transar com sua prima, ainda Ross (esse é campeão em estar errado) gravando uma transa entre ele e Rachel sem seu consentimento e usando isso, de certa forma, contra ela ao mostrar o ato para os amigos, a constante demonstração de fragilidade masculina, entre outras.

Contudo, vale ressaltar que a série também ousou em alguns aspectos, como já citados (ainda que não tenha sido bem sucedido em todos). Por exemplo, um casamento entre duas mulheres, um relacionamento entre um jovem e uma mulher mais velha, barriga de aluguel, a irreverência da mãe de Chandler, escritora de livros eróticos, e o próprio pai que é drag queen (mesmo que fique confuso a ideia de drag queen e transsexual).

De toda a forma, Friends é um sucesso absoluto por mais de duas décadas. E mesmo que tenha falhado no envelhecimento de piadas e questões sociais, ainda pode arrancar boas gargalhadas e fazer, no mínimo, refletir sobre muitas coisas interessantes. Especialmente, sobre a importância da amizade.