Capacitor Entrevista | Wendell Almeida, escritor do livro Y(in): Crônicas do Caos Cotidiano

A data 29 de Outubro é de grande importância para os leitores, afinal é quando celebramos o Dia do Livro. Diante da presença dessas obras em nossa vida e da grande relevância que eles desempenham em nosso dia a dia, tivemos a oportunidade de conversar com o jovem escritor Wendell Almeida – que está lançando seu livro chamado Y(in): Crônicas do Caos do Cotidiano.

Wendell, com uma visão perspicaz e sensível do cotidiano, nos traz reflexões sobre fatos corriqueiros e que costumamos deixar passar batido.

Wendell Almeida

Confiram abaixo como foi esse encontro.

O Capacitor – Bom, para começarmos que tal falar um pouco de você. Quem é Wendell Almeida?

W.A. – Só mais um soldado nas trincheiras da guerrilha que é o mundo moderno. Alguém que escreve poesia e vive reclamando que não tem tempo para muita coisa por querer fazer tudo ao mesmo tempo. No mais, um soteropolitano administrador de 25 anos.

O Capacitor – Acho que a pergunta que todo mundo tem vontade de fazer a um escritor é: como surgiu o hábito da escrita? Teve alguma influência?

W.A. – Tentei escrever um livro algumas vezes e “brincava” com mitologias neles. O primeiro foi O Senhor, o Lobo e o Corvo, que falava sobre a amizade estranha de um lobo ferido e um corvo preso em uma gaiola onde trazia um pouco da mitologia nórdica, mas com algumas características de O Corvo do Edgar Allan Poe. Depois comecei um outro livro chamado O Espelho Quebrado de Narciso, o qual trazia Narciso como um limpador de vidros com seu amigo Ícaro que tinha medo de altura. Não terminei esses por não ter muito tempo já que tinha que conciliar trabalhar durante o dia, estudar a noite, cursos e outras atividades que tinha. Foi nesse meio tempo que comecei a escrever poesias como uma forma de pôr para fora as tensões do dia a dia. No fim, foi como um “ritual” que todos acabam por desenvolver. Uns acham na escrita, outros na pintura, música, cuidar de plantas, criar um pet e os mais variados “hobbys”.

De influência direta, não, mas, o que mais me influenciou a escrever algumas poesias e criar o hábito da escrita foi o Bukowski. E tenho outras influências como: Kerouac, Pedro Juan Gutiérrez e Schopenhauer.

O Capacitor – Como é conciliar o processo de escritor a outras áreas de sua vida, como o trabalho, a vida pessoal, o tempo com os amigos?

W.A. – A parte da escrita é mais tranquila. Vou escrevendo no bloco de notas quando me vem algo e guardando, mas acaba que é um processo bastante “quebrado” por ter que ser feito apenas entre uma atividade ou outra. A parte mais complicada é a releitura e edição dos textos, o que exige um tempo maior para fazer alguns ajustes necessários, o que acaba sendo cansativo e faz com que, muitas vezes, escreva muita coisa e não tenha como parar para editar e organizar os textos em um livro por ter algumas outras atividades que tomam boa parte do meu tempo.

O Capacitor – Como foi a recepção de sua família quando você revelou que estava escrevendo um livro?

W.A. – Para boa parte da família, num primeiro momento, surpresa. A notícia que estava escrevendo um livro só surgiu quando estava lançado. Foi um processo demorado e que eram só poemas que escrevia e guardava, então, ninguém sabia que eu escrevia, mas quando contei sobre o livro foi algo bem recebido. Apenas dois primos e minha mãe sabiam do livro, e recebi bastante apoio durante o processo de criação do livro.

O Capacitor – Quais são as principais dificuldades que você encontra enquanto escritor?

W.A. – Acredito que as mesmas que todo escritor iniciante. Chega um ponto onde se tem um livro pronto nas mãos e se pergunta: E agora, o que eu faço com ele?

Toda a parte de finalização de um livro, revisão, lançamento e vendas se torna algo complicado, ainda mais para um escritor no seu primeiro livro, lançado de forma independente.

O Capacitor – Recentemente, acompanhamos o fechamento de grandes livrarias em Salvador e outras grandes capitais pelo Brasil afora. De que maneira esse fenômeno impacta na vida de um jovem escritor?

W.A. – Acredito que isso impacta no contexto geral do país e inibe o surgimento de novos escritores também, não apenas aqueles que resolvem se lançar como tal. Muitas pessoas escrevem e por notar tantas dificuldades terminam por optar em nem chegar a tentar por falta de meios. Hoje a internet tem sido uma válvula de escape para isso, mas ainda existem pessoas que são adeptas ao contato com os livros, ver as prateleiras, ler uma ou duas páginas para decidir qual melhor opção e afins, e nisso se perde bastante, ainda mais para alguém que está iniciando.

O Capacitor – Infelizmente, no Brasil, ainda existe muita resistência acerca da leitura, em especial, em relação ao acesso aos livros pelos mais jovens. Como você enxerga isso? Tem sugestões de estratégias para a gente começar a mudar esse quadro?

W.A. – Essa resistência, pelo menos a nível Brasil, sempre existiu. É uma questão cultural, algo visto como chato e que não gera resultados palpáveis. Hoje em dia, vejo a literatura como uma busca pela “droga” do século, o sucesso. Até mesmo escrevi um poema sobre  isso chamado: Páginas escritas em branco. Os livros mais buscados me parecem manuais. Autoajuda com métodos de ser feliz, ter sucesso, ser bem sucedido, influenciar pessoas, ficar rico e afins, e o jovem, em sua maioria, busca algo mais voltado a Fantasia, Ficção, Romances, Poesia e gêneros que o levem mais para o lado imagético, questionador e prenda à atenção dele, algo que, mesmo sendo fictício traga algo que dialogue com as diferentes realidades e afins – como por exemplo, algo próximo a ler Frankstein, Alice no País das Maravilhas, O Pequeno Príncipe e por ai vai … Uma leitura que, ao mesmo tempo é mais leve, mas não deixa de ter certa profundidade de forma lúdica. Uma conclusão que cheguei é que a literatura tem se tornado uma busca por respostas que não temos mais tempo para procurar, e isso não interessa aos jovens (pelo menos a maior parte deles). Quando une isso a questão de se entender a leitura como algo chato que se faz na escola porquê é preciso fazer, o interesse diminui.

E falar do público jovem é levantar questões macro, pois, é um grupo que é financeiramente dependente dos responsáveis, ou seja, são também, decisores nisso. Sem falar que, se discutir aumento de impostos sobre livros, analisar o aumento vertiginoso na disparidade econômica e as dificuldades financeiras da maioria das famílias brasileiras faz com que boa parte delas precise priorizar suas necessidades básicas e deixar de lado questões como: lazer, arte e outros pontos que se tornam supérfluos na realidade de alguém que, antes de mais nada, precisa prezar pela sobrevivência e não pode se “dar ao luxo” de pensar sobre o assunto.

Então, se dissesse que tenho algum tipo de fórmula mágica ou solução estaria mentindo. Afinal, é uma questão que vai muito além de livros ou apenas o conteúdo, visto que, é algo que envolve esferas educacionais, políticas, culturais, entre outras. E como um pessimista, não vejo solução, é como a teoria dos jogos de Nash, mesmo que se tenha um bom projeto de mudanças, algum lado tende a desertar e todo mundo perde.

O Capacitor – Agora, falando um pouco sobre o seu livro, Y(in): Crônicas do Caos Cotidiano. Você poderia nos falar um pouco dele? Quando será lançado? Do que se trata? Qual foi sua inspiração para escrevê-lo? (diz também onde ele pode ser comprado)

W.A. – Foi lançado a pouco mais de um mês e está disponível na versão digital pela Amazon (todos os países) e na versão física pela Uiclap, Clube de Autores, Amazon. Vou deixar os links no final para quem tiver interesse.

É um livro criado no ócio. No ano passado (2019), durante cerca de 2 meses, tive um tempo de ócio, numa transição da vida e comecei a escrever poesias. No final desse tempo vi que tinha um bom material e comecei a trabalhar para fazer um livro, algo que ainda ficou  guardado por alguns meses. Quando veio a pandemia e meus horários se tornaram mais flexíveis e muitas coisas pararam, aproveitei esse período livre para escrever mais alguns poemas e reformulá-lo. Inicialmente, a obra se chamava Aforismos do Caos Cotidiano, o poema Y(in) sequer existia, era apenas o final de um outro que tirei durante o processo de formatação e a ideia veio por ter sido um período que estava lendo alguns livros sobre a filosofia chinesa/taoísta (Tao Te Ching e alguns outros) e encontrei algumas características do que escrevia com o Yin.

Y(in) é um livro de poesia, com alguns contos (que são na verdade, partes dos livros que tinha falado antes que reaproveitei)  sobre o “caos” numa visão antiga, onde é visto como: vazio (aquela frase antiga: Do caos viemos e ao caos voltaremos). Dai o nome Y(in): crônicas do caos cotidiano.
Yin é a parte da filosofia chinesa que trata os aspectos mais frios da vida e o in vai destacado por que, no inglês, significa em/no (num sentido de estar dentro de algo/fazer parte), logo, ele está presente no vazio que é o dia a dia. Nele falo sobre solidão, vazio existencial, a forma de utilizar redes sociais, política, ideologias e afins como fuga. Dificuldade de comunicação entre as pessoas, a morte, a previsibilidade dos acontecimentos e a necessidade de fazer parte de algo para sentir-se preenchido de alguma forma.

São 3 capítulos que tem o nome das 3 virtudes taoístas: Vazio: Poemas sobre o isolamento e a solidão das pessoas nas grandes metrópoles. A Não-ação: poemas e  conto sobre assuntos que independem da nossa ação para acontecer, mas achamos ter controle sobre eles. Nestes falo sobre a hipocrisia e a fragilidade das relações humanas, a morte, a busca por heróis, a visão romantizada das coisas; e, Contemplação: Poemas e contos sobre a dificuldade de interação, a busca desenfreada por um ideal de sucesso, a busca por figuras políticas que nos salvem, a contemplação natural e observação de fatores externos à “máquina” que se tornou a sociedade moderna.

O Capacitor – Ainda falando sobre sua obra, sabemos que além da escrita, existe todo um processo por trás da produção de um livro. Tem a editoração, diagramação, divulgação. Você poderia contar para gente um pouco sobre isso.

W.A. – Como é um lançamento independente, boa parte desse processo foi feito por mim. É algo novo para falar a verdade. Um processo de aprendizagem contínua que vou aprendendo um pouco mais a cada dia. Por ler bastante conhecia a parte da estrutura da escrita, mas vi que o processo de finalização é bem mais complicado por conta dos detalhes e por ser algo trabalhoso.

A internet acabou sendo minha grande professora, foi onde fui aprendendo e praticando até ter a sensação que estava pronto para realizar um lançamento.

O Capacitor – Como o título do seu livro – Y(in): Crônicas do Caos Cotidiano – sugere, o cotidiano foi uma importante influência na sua obra. Contudo, temos acompanhado eventos muito difíceis para a população – pandemia, governos questionáveis, violências… Esse fenômenos tornaram o conteúdo do livro pesado ou você conseguiu filtrar para que todos os leitores conseguissem encontrar um alento em suas páginas?

W.A. – É um livro mais reflexivo, na verdade. Escrevi como se observasse boa parte de todos acontecimentos “de fora” e em muitos momentos acabava jogado no meio de tudo aquilo, como acontece no dia a dia. Achamos que nada daquilo nos afeta ou que não fazemos parte, e de repente, lá estamos nós, presos, à deriva no caos cotidiano, algo meio que pequeno, perfil de um cidadão comum do Belchior.

Porém, dentro dessas duas opções, diria que é algo mais “pesado”. Escrito para ser mais agonizante por ser, em alguma medida, uma realidade de boa parte das pessoas que vivem nas grandes cidades. A ideia de que, na maior parte estamos sozinhos, que as multidões são uma forma de se sentir parte de algo estando em meio à muitas pessoas, as bolhas sociais, a morte iminente que não sabemos quando vem, a ideia de que a morte vem e a maioria tem a sensação que não “aproveitou a vida”, a cobrança interminável pelo sucesso, a busca por algo que preencha, a falta de um pouco de ócio, os divertimentos vazios apenas por serem socialmente aceitos, as cobranças que a vida em sociedade impõe, as utopias políticas, a busca fadada aos fracassos, relações líquidas e fadadas a fracassar, a ideia de sermos uma geração desapegada que não se dá conta de que, na verdade somos carentes fingindo um desapego inexistente e outras conclusões que cheguei e fui descrevendo enquanto escrevia são assuntos que vão corroendo as pessoas durante o tempo. Mas, como todo Yin, tem uma gota de Yang (uma parte mais leve), escrevi alguns desfechos que podem trazer algum alento ao leitor.

O livro tem um objetivo mais reflexivo com situações o mais realista possível, em que todas elas vem de experiências minhas, histórias de amigos, conversas que observo ou escuto pelas ruas da cidade. No fim, são poemas que estão falando sobre alguém, mesmo que esse alguém seja quem está lendo.

O Capacitor – Sabemos que seu livro foi recém-lançado e por isso tudo ainda é muito recente. Mas, você tem planos para outros projetos? O que pode falar sobre eles?

W.A. – Sim, tenho outros projetos. Esse período de isolamento me deu certo tempo que consegui utilizar para criar novos projetos. Ainda tenho guardado um material que escrevi e não pus no Y(in) por achar que ainda precisava trabalhar um pouco mais neles e mais dois livros para lançar à partir do início do ano que vem. Em um deles iniciei a edição inicial, pois ainda estava no original “bruto” e é chamado: Poesia de Guerrilha. É um livro com uma proposta mais agressiva e direta que o Y(in), onde falo sobre a guerrilha que é o mundo moderno e os estigmas nos quais o cotidiano nos coloca. Abordo o assunto de um espectro mais psicológico, falando também das guerras que acontecem na mente das pessoas no dia a dia, além dos problemas psicológicos que o esgotamento diário traz. Tem alguns enfrentamentos às ideias políticas e religiosas também. É um livro mais voltado ao enfrentamento de ideias, saindo um pouco dessa linha mais reflexiva que tem o Y(in).

Além desse, estou finalizando outro chamado: Poesia Morta. Esse trata das diferentes interpretações sobre a morte e as formas que o cotidiano tem de “enterrar” sonhos, ideias e vontades. Esses três são um projeto que pensei em fazer como complementares, já que não teria como abordar todos os temas em um livro só e queria trabalhar cada um deles de forma separada.

E tenho uns livros perdidos que comecei sem previsão de término. Um romance chamado: Eu, Narciso e um de aforismos chamado: Devaneios Modernos, mas esses vão à passos lentos e quem sabe saiam em algum momento depois de Poesia Morta.

O Capacitor – Entrando um pouco no campo da publicação, um dos principais debates da atualidade é acerca da expansão dos ebooks. Como você vê essa nova tendência da atualidade? As tecnologias têm sido facilitadoras no processo de criação da escrita?

W.A. – O mundo tem migrado para as redes. Cada era tem sua característica de mudanças e tendências. A “virtualização” do mundo é a atual realidade, e, em suma, tem aberto novos horizontes a leitura utilizando a mecânica moderna de “ter o mundo na palma da mão”.

Ainda há uma resistência a leitura digital, mas é algo que tem se difundido muito mais nos últimos 3 ou 4 anos. Vejo como um ponto mais amplo a se analisar. Um dos maiores fatores que ajudou com que os ebooks se difundissem entre leitores foi a questão de valores. Ao passo que eles se tornam mais presentes na vida dos leitores brasileiros, o processo de comercialização dos livros físicos se torna mais caro, pois, além da cadeia produtiva, se tem, por exemplo, questões econômicas e logísticas, o que diminuem a procura e aumenta os custos deles. Nessa conjuntura os livros digitais se tornaram uma forma de dar novas opções para o leitor, principalmente o brasileiro, e criar oportunidades de novos escritores conseguirem lançar seus livros.

O Capacitor – Por fim, gostaríamos de saber o que você poderia dizer para a galera que está começando agora e tem o sonho de publicar seu próprio livro.

W.A. – Escrevam, nada mais. Não existem fórmulas para isso, quanto mais original, mais ela significa para você. Peguem aquilo que pensam, observam, gostam, suas referências de vida (sejam elas literárias, música, arte num contexto geral, ou pessoas com que convivem) e ponham no papel.

O Capacitor – Agradecemos pela atenção e pela disponibilidade. Deixamos aqui esse espaço em aberto caso você queira acrescentar algo mais.

W.A. – Posto alguns trechos de poemas autorais no Instagram, no: @poesiadocaoscotidiano. Estarei reformulando ele, pois era apenas um meio de teste das reações aos poemas, mas irei começar a utilizar ele para trazer um conteúdo maior e mais abrangente. Lá posto textos que escrevo e, vez ou outra, recebo alguns textos de outras pessoas que faço a postagem com os devidos créditos. Quem quiser bater um papo, pode falar comigo por lá, ou pelo meu Instagram pessoal: @_wendellalmeida.

No mais, quero agradecer ao espaço. Essa troca de ideias em um veículo que utiliza a internet para difundir opiniões e informações sobre os mais variados temas da atualidade é algo que agrega bastante e tem um papel importante na vida das pessoas.

O livro está disponível nos links abaixo:

Digital (E na versão física pela Amazon EUA e de outros países)

Amazon

Físico

Uiclap

Clube de Autores

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.