Capacitor Entrevista | Rayanni Freire, escritora do livro O Segredo de Ana Rosa

Por muito tempo, a sociedade ditou padrões – de comportamento, de beleza – inalcançáveis para muitos. Tais tendências terminou ganhando ainda mais força, com o surgimento das redes sociais, onde a realidade passou a ser tão editada que nos perdemos entre a verdade e o fake (as mentiras), práticas que levaram a um adoecimento da juventude e o crescimento alarmante da depressão e do suicídio.

Diante de um cenário tão angustiante se faz necessário que a gente volte nossa atenção para vozes que surgem que vão de encontro ao senso comum, e se propõe a trazer um pouco de lucidez e autoconhecimento para a população em geral.

Com grande surpresa, conhecemos a jovem Rayanni Freire, que em sua obra O Segredo de Ana Rosa, lançada pela editora Umanos, aborda a importância da autoaceitação.

Confiram o bate papo que tivemos com ela.

O Capacitor – Para começarmos, que tal você se apresentar para os nossos leitores. Quem é Rayanni Freire?

R.F. – É um enorme prazer poder me apresentar para os seus leitores e contar um pouco sobre quem sou. Eu sou a Rayanni, ou, carinhosamente, Ray, atualmente tenho 18 anos e sou estudante de Medicina. Normalmente, é assim que nos apresentamos para a maioria das pessoas, mas quando nos perguntam quem somos, é algo tão além do nome, da idade ou de um curso, é algo bem mais profundo que diz muito sobre a nossa essência e como vemos o mundo ao nosso redor.

Sendo assim, eu sou filha, irmã mais velha, uma leitora apaixonada por poesias, romance, distopias e plot twist, que gosta muito de chuva, chá  e ama a arte desde pequena. Eu escrevo porque é a forma como consigo expressar o que sinto e  o que acredito, na esperança de que minhas palavras encontrem outros corações que precisavam daquela mensagem, da mesma forma que me sinto quando sou a leitora. E essa sou eu, ou quer dizer, um pouco de Rayanni Freire.

O Capacitor – No meio literário muito se fala no hábito da leitura, antes mesmo de se criar o hábito da escrita. Baseando-se nisso, como foi que começou sua relação com os livros? Quais autores você leu? Quais te fascinaram? Você lembra quais livros te levaram a se apaixonar pela leitura?

R.F. – Desde pequena minha mãe sempre me estimulou a ler, comprava vários livros com figuras – quando eu ainda não sabia ler – e me motivava a ter um hábito de leitura. O que antes partia da vontade da minha mãe, começou a ser a minha própria paixão quando eu li “O Pequeno Príncipe” pela primeira vez, esse livro foi tão marcante para mim que até hoje eu tenho a tradição de ler ele todo ano e sempre tenho um novo aprendizado. Com o tempo, comecei a ler vários gêneros, desde clássicos nacionais a romances adolescentes (que eu particularmente amo haha), e tenho uma carinho especial pela escritora Paula Pimenta, que acompanho há anos, e um enorme fascínio e admiração por Rubem Alves.

O Capacitor – Já se adentrando na questão da escrita, conta um pouco para a gente como surgiu esse hábito em sua vida? Você teve alguma influência?

R.F. – Como eu sempre gostei muito de ler, chegou um momento – quando eu tinha uns 12 anos – que eu comecei a ter vontade de estar do outro lado, de ser a pessoa que cria e a aquela que inspira por meio das palavras. Então, comecei a escrever poesias e me encontrei ali, era a forma como eu podia expressar qualquer emoção, sentimento e ideias que passavam pela minha mente.

Quando entrei no Ensino Médio, tive que canalizar todo esse processo criativo para produzir redações e foi algo que enriqueceu muito a minha escrita, uma vez que aprendi a ser mais persuasiva, melhorar os argumentos e realmente prender a atenção do meu leitor.

O Capacitor – Além de escritora, você é filha, estuda medicina… Como é conciliar o processo de escrita a outras áreas de sua vida, como os estudos, a vida pessoal, o tempo com os amigos?

R.F. – Acredito que todas as relações que temos nos ajudam a ganhar experiências e ideias para escrever mais, já que, ao escrever, nós transmitimos o que vivemos e o que sentimos diante das situações. Logo, as outras áreas da minha vida sempre potencializaram meu processo de criatividade e isso ajuda bastante a criar momentos de aproximação da realidade dentro das narrativas, de modo que o leitor se identifique mais com a história que estou escrevendo.

No entanto, a maior dificuldade é conseguir administrar o tempo para cada uma dessas áreas da vida, principalmente, os meus estudos, por demandarem mais esforço. Por isso, muitas vezes, eu estava inspirada para escrever, mas não tinha tempo para colocar tudo em prática, o que travava bastante a evolução da escrita. Hoje em dia, sempre que tenho ideias, quando estou com amigos, ou até mesmo estudando, eu paro uns minutinhos e tento anotar em bloco de notas ou gravar um áudio para eu me lembrar posteriormente.

O Capacitor – Como foi a recepção de seus familiares e amigos quando você revelou que estava escrevendo um livro?

R.F. – Todos eles receberam muito bem a ideia, meus pais foram os maiores incentivadores e apoiadores do meu sonho, assim como todas as minhas outras ideias e planos. Meus amigos também me motivaram muito a continuar escrevendo, principalmente quando eu estava sem inspiração e desacreditada. Com certeza esse apoio fez toda diferença!

O Capacitor – Chamou a nossa atenção a sua juventude na época do lançamento do livro, 16 anos. Você percebe que essa juventude trouxe dificuldades para você, nesse processo de escrita, produção e lançamento do livro? Conta um pouco para gente, quais são as principais dificuldades que você tem encontrado enquanto escritora?

R.F. – Com certeza a idade traz certas dificuldades, acredito que especialmente para produzir e lançar um livro, uma vez que vivemos em um país que incentiva minimamente os jovens a desenvolverem suas habilidades e competências artísticas. Além da falta de apoio e incentivo governamental, o mesmo cenário é visto na sociedade, uma vez que, infelizmente, muitas pessoas desacreditam no potencial dos jovens para pensar, criar e produzir e eu pude sentir isso diversas vezes ao longo do processo de construção do meu livro.

Muitas portas foram fechadas para mim porque as pessoas não acreditavam no meu sonho, muitos pensavam que uma menina da minha idade não tinha experiência e muito menos maturidade para escrever um livro. Isso é muito triste, porque reflete uma realidade de inúmeros jovens, que a desmotivação, sendo que esses poderiam se encontrar na arte, poderiam usar a arte como uma válvula de escape para os problemas, como uma ferramenta de crescimento pessoal e também profissional.

O Capacitor – Infelizmente, no Brasil, ainda existe muita resistência acerca da leitura, e com os valores dos livros, o acesso a eles pelos mais jovens tem se tornado mais difícil. Enquanto leitora e agora, também, como escritora, como você enxerga isso? Tem sugestões para que a gente possa começar a mudar esse quadro?

R.F. – É de partir o coração saber que vivemos em um país que investe e incentiva tão pouco a leitura – a arte como um todo – e isso afeta diretamente a estrutura social. A leitura tem o poder de abrir a mente das pessoas, de fazê-las pensarem por si só, de imaginarem, refletirem e criticarem. Além disso, os livros também podem ser refúgios para sofrimentos, motivadores para lidar com os problemas e inspiração para o futuro das pessoas.  Quando há restrição da leitura, diminui-se a oportunidade de muitas pessoas, principalmente crianças e jovens, e isso impacta a sociedade como um todo, porque nos é tirado a chance de crescer como indivíduos, de criticar a nossa realidade e de exigir nossos direitos, bem como melhorias para o nosso país.

Acredito que para mudarmos esse cenário é necessário que o Governo compreenda a necessidade de investir e estimular a leitura, destinar verbas para construir bibliotecas públicas, projetos de leitura em bairros carentes, baratear o acesso aos livros, entre outros. E a sociedade também pode atuar para mudança dessa realidade, por exemplo, pais e responsáveis podem estimular crianças e jovens a lerem, criarem metas de leitura na família, de modo que todos embarquem nisso e não apenas os filhos. As escolas também são muito importantes e podem atuar com a criação de projetos literários, rodas de conversa e troca de ideias.

O Capacitor – Agora, falando um pouco sobre o seu livro, O Segredo de Ana Rosa. Você poderia nos falar um pouco dele? Como surgiu a ideia do enredo do livro? Qual foi sua inspiração para escrevê-lo? (diz também onde ele pode ser comprado)

R.F. – “O Segredo de Ana Rosa” foi algo totalmente novo para mim, uma vez que eu apenas escrevia poesias e tinha vontade de publicar um livro com essas poesias. Então, quando contei para minha mãe dessa minha vontade, ela ficou com isso na cabeça e sonhou com o lançamento do meu livro,  e nesse sonho ela conseguia ver o nome “O Segredo de Ana Rosa”, a capa e a trama central da história. Quando ela acordou, foi logo me contar o que tinha sonhado e eu  fiquei animada e inspirada com tudo aquilo, porque vi muito potencial naquilo, mas não fazia ideia de como escrever uma narrativa. Fui estudar, ler e assistir vários vídeos sobre a construção de narrativas e resolvi que queria muito embarcar naquele desafio, que queria muito dar vida a Ana Rosa.

Eu tinha em mente o objetivo central da história, que me norteava, e o restante foi sendo construído aos poucos, foi sensacional poder ver a evolução da história da minha personagem. Ela que tem muito de mim e, ao mesmo tempo, não se parece nada comigo hahah, me fez aprender e crescer demais, foi realmente um desafio prazeroso construir a vida da Ana Rosa. Eu me inspirava muito em vivências pessoais, mas também em problemas coletivos, não só de jovens, mas da vida como um todo, de modo que pessoas de várias idades pudessem se identificar com situações do livro.  Hoje em dia, “O Segredo de Ana Rosa” pode ser adquirido no site da Umanos Editora.

O Capacitor – Na época do lançamento de sua obra, você falou um pouco sobre as dificuldades financeiras para arcar com os custos do livro e citou a questão do financiamento. A gente sabe que essa é uma das maiores problemáticas relatadas pelos novos escritores que querem lançar seu trabalho. Conta um pouco para gente como foi sua busca para viabilizar que O Segredo de Ana Rosa chegasse às prateleiras?

R.F. – A publicação, sem dúvidas, foi a parte mais demorada e estressante, pois, eu tentei diversas formas de concretizar esse sonho, conversei com várias editoras, pedi ajuda financeira do governo, de empresas privadas, tentei participar de concursos e nada dava certo. Eu fiquei mais de ano tentando diversas formas de conseguir publicar e a cada porta fechada eu ia me desmotivando mais e mais, até que minha mãe teve a ideia de arrecadar uma parte do dinheiro – foi quando eu  vendi rifa e fiz sorteios – para ajudar a pagar a publicação. Apesar de eu ter recebido apoio de muita gente e ter arrecadado um montante, ainda ficava custoso e fora da minha realidade. Até que encontrei a Umanos Editora, que desde o primeiro encontro foram extremamente receptivos, acessíveis e compreensivos, o que me fez sentir muito acolhida. Foi a editora que realmente apoiou o meu sonho e fez acontecer, sou muito grata por todo suporte e incentivo que tive deles!

O Capacitor – Ainda falando sobre a confecção de um livro, sabemos que além da escrita, existe todo um processo por trás da produção de uma obra. Tem a editoração, diagramação, divulgação. Você poderia contar para gente um pouco sobre isso.

R.F. – A Umanos Editora foi essencial em todo o processo de editoração, diagramação e divulgação, eles fizeram um trabalho com excelência, sempre mantendo uma boa comunicação comigo e com meus pais, buscando incluir todas as minhas vontades e o que eu imaginava na construção do livro. A relação que tínhamos era muito boa, e toda vez que eu recebia alguma novidade da evolução do livro, eu ficava muito animada e grata. Meu livro ficou além do que eu conseguia imaginar, tanto que quando vi ele pela primeira vez, fiquei muito emocionada por saber que tinha, de fato, realizado um sonho!

O Capacitor – O Segredo de Ana Rosa traz elementos como a maturidade, a autoaceitação… Em uma sociedade que dita padrões seja de beleza, seja de comportamento; aos quais, cada vez mais, vamos nos sentindo sufocados e insuficientes, como você percebe a importância de obras que vão na contramão disso? Em especial seu livro, voltado para os jovens?

R.F. – A discussão dessa temática é de extrema importância nos dias atuais, ainda mais na juventude, uma vez que as redes sociais potencializaram ainda mais padrões estéticos e comportamentais. Essa padronização tem afetado todos, pois de forma involuntária, somos convencidos a achar que precisamos mudar, que estamos fora da curva, que nosso corpo não se enquadra, que nossa forma de pensar ou agir está errada porque não segue os padrões e isso está adoecendo as pessoas.

Vivemos em uma sociedade cercada de regras e nos cobramos constantemente para nos mantermos nessa linha, esse tipo de circunstância está destruindo a individualidade, as diferenças, as particularidades de cada um. É cada vez mais necessário abordarmos essa temática em filmes, livros e ferramentas que impactam as pessoas, para tentarmos desconstruir essa busca sem fim e ilusória pela perfeição, pela felicidade constante, e amenizarmos os impactos psicoemocionais que isso tem causado. Voltarmos a valorizar e respeitar as diferenças estéticas e de pensamentos, afinal, nunca seremos iguais e isso é algo que torna o ser humano especial, a capacidade de pensarmos diferente e de aprendermos a conviver com nossas nuances.

O Capacitor – O Segredo de Ana Rosa é sua primeira obra? Já tem planos para outros projetos? O que pode falar sobre eles?

R.F. – Isso, “O Segredo de Ana Rosa” é minha primeira obra. Tenho sim planos para construir outros projetos de escrita para o futuro, um deles, que já comecei a produzir, é um spin-off de uma das personagens do meu primeiro livro. A história dessa personagem sempre teve potencial para virar um livro, ela tem uma personalidade muito forte e dentro do “O Segredo de Ana Rosa” há várias lacunas sobre o que de fato acontece com ela.

Esse segundo livro terá um caráter mais maduro, com discussões mais adultas, até porque eu cresci e amadureci muito também, e a ideia é poder transmitir a forma como eu penso e enxergo diversos problemas sociais. Porém, no momento, o tempo para escrever tem sido a maior dificuldade, apesar de eu já ter toda a história em mente.

Acredito que os leitores do meu primeiro livro vão se surpreender positivamente com a evolução do enredo, dos meus pensamentos e da minha escrita como um todo e também vão poder esclarecer suas teorias sobre a personagem no primeiro livro e vão enxergá-la de modo totalmente diferente. Essa é uma das minhas intenções, mostrar como um mesmo momento acontece de forma totalmente diferente na mente das pessoas e como a maneira de lidar com os problemas está diretamente ligada aos sentimentos e vivências que carregamos ao longo da vida.

O Capacitor – Por fim, gostaríamos de saber o que você poderia dizer para a galera que está começando agora e tem o sonho de publicar seu próprio livro.

R.F. – Primeira coisa que eu queria dizer, porque eu gostaria muito de ter escutado isso na época que comecei a projetar o sonho de escrever e publicar um livro, é que toda história possui significado, razão e potencial para ser contada. Independente da sua idade, suas palavras sempre poderão encontrar corações, elas sempre farão sentido na vida de alguma outra pessoa, que pense igual a você ou que precisava ler aquilo, então, o que você tem a dizer importa muito. Não deixe com que as pessoas te façam desacreditar que sua história não tem chance, que você não tem vivência ou maturidade para compartilhar com os outros o que você pensa e sente. Pelo contrário, as pessoas que se arriscam, que compartilham seus sentimentos por meio de palavras, são as mais corajosas, porque se abrem para outras e expressam sua forma de enxergar o mundo.

O Capacitor – Agradecemos pela atenção e pela disponibilidade. Deixamos aqui esse espaço em aberto caso você queira acrescentar algo mais.

R.F. – Gostaria de finalizar agradecendo pela oportunidade de falar um pouco sobre mim, sobre o meu livro que é um sonho real, e poder responder perguntas muito bem elaboradas e fundamentadas, que permitiram com que os leitores pudessem conhecer um pouco mais das minhas opiniões e pensamentos. Espero poder inspirar outros jovens a investirem nos seus sonhos, a acreditarem que são capazes e a motivá-los a fazerem a diferença na vida de outras pessoas por meio da arte. Também gostaria de convidar os leitores do blog a conhecerem “O Segredo de Ana Rosa” e se conectarem com as minhas palavras, será um enorme prazer e motivo de grande alegria para mim!

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.