Capacitor Entrevista | Lynn Rosalina Gama Alves, pesquisadora na área de jogos

O dia 8 de março é marcado como uma homenagem a um grupo de mulheres que no ano 1857 foram queimadas durante um protesto por direitos em uma fábrica têxtil de Nova York. Desde então algumas coisas mudaram, e entre elas, o protagonismo feminismo em diversas áreas intelectual e profissional.

E é neste dia de celebração que divulgamos nossa entrevista com a professora doutora Lynn Rosalina Gama Alves, pesquisadora na área de jogos.

Confira abaixo, a conversa que tivemos com ela:


O Capacitor – Como foi a introdução dos jogos em sua vida? Quando você percebeu que queria trabalhar com esse segmento?

Lynn Alves: Essa história começa efetivamente quando eu inicio o meu mestrado e os os sujeitos da minha pesquisa, que eram crianças, começaram a sinalizar o desejo por interagir com os jogos. Contudo, nessa época eu tava trabalhando com a internet e terminei optando em não desfocar dela.

Paralelo a isso, eu começava a fazer palestra para pais e professores e era muito comum eles me perguntarem “meu filho fica tanto tempo na frente do jogo, do computador jogando será que isso faz mal, esses jogos violentos”. Daí, comecei a responder a partir da minha experiência enquanto pesquisadora da área de educação e tecnologia, mas ainda sem o aprofundamento na discussão sobre jogos eletrônicos – até porque no Brasil, na época ainda não existia, sendo que eu fui a primeira pesquisadora na área de jogos, a fazer uma tese de doutorado.

E ainda, no final da década de 1990 e início dos anos 2000 começou a acontecer várias situações de violência nas escolas, tanto no Brasil quanto no mundo – em especial nos Estados Unidos; nas quais alguns alunos matava os colegas. Depois desses episódios a relação que se fazia era que o jovem matou porque jogava videogame, se tornando uma pessoa violenta.

Então todos esses fenômenos começaram a me inquietar e eu senti vontade de investigar e aprofundar essa relação de jogos e violência. E como eu sempre trabalhei com a psicologia e com a discussão da aprendizagem eu também comecei a me preocupar com a relação de jogos e aprendizagem. Assim, foi nessa época que eu descobrir que eu queria investigar, estudar e aprofundar a discussão em torno dos jogos eletrônicos.

O Capacitor – No Brasil, boa parte das pessoas ainda enxergam os jogos como “Coisa de Criança”, dificultando o desenvolvimento do setor. Como você acha que podemos mudar essa visão e aumentar o interesse pelos jogos?

L.A.: A indústria de jogos cresce no mundo todo a cada dia, sendo que no Brasil esse crescimento ainda é tímido, fazendo com que o número de pesquisas na área de jogos aumente de forma exponencial.

Então o nosso trabalho é esse que já estamos fazendo – o de formiguinha, de desmitificar, de esclarecer. Por exemplo, recentemente teve a decisão da Organização Mundial de Saúde de dizer que se você tem um comportamento compulsivo de jogador, o jogo pode ser considerado uma doença. Dessa forma, cada vez que surge uma coisa nova culpando  o jogo de forma acrítica, sem analisar, sem contextualizar eu tenho sido chamada para me colocar. Assim é o meu trabalho e o de diversos pesquisadores, de falar; de explicar; de orientar – os pais, os professores e os diferentes canais de informação -, que o jogo é um importante espaço de aprendizagem em nível cognitivo, social e afetivo, sendo também algo lúdico, divertido e ufane.

Outra coisa, eu não sei porque as pessoas ainda fazem essa associação de que jogo é coisa de criança considerando que no mundo todo, inclusive no Brasil, o maior número de jogadores estão na faixa etária da geração Atari, quer dizer são pessoas com mais de 40 anos. Criança e adolescente, joga? Joga. Mas adultos jogam também, e eles são predominantes. Então, realmente precisamos desmisticar isso, trazendo dados, apontando pesquisas, esclarecendo.

O Capacitor – A UNEB faz parte da vanguarda de jogos na Bahia, principalmente no setor pedagógico. Você acredita que os jogos apresentam algum impacto social? Se sim, quais?

L.A.: A UNEB faz parte realmente da vanguarda, ela vem construindo uma história há 16 anos atrás através do grupo de pesquisa Comunidades Virtuais. Nesse processo a gente começa desenvolvendo jogos educacionais, porque o primeiro edital foi voltado para isso. Mas, já desenvolvemos também outros jogos para espaços de aprendizagens que não são escolares – sugiro que vocês visitem o site do Comunidades e vejam os doze jogos que a gente desenvolveu, sendo dois deles para empresas do polo petroquímico.

O impacto social é no sentido da abertura de um nicho de mercado, no qual profissionalizamos pessoas para atuar nesse segmento, criamos um espaço de aprendizagem diferenciado, potencializamos que diferentes expertises – o artista do design, do musico, do roteirista-, sejam estimulados a partir do desafio de desenvolver um jogo. Além disso, hoje vemos de forma crescente o número de jogos que são desenvolvidos para a saúde – havendo um impacto desses jogos para orientar aspectos relacionados com o câncer, com a depressão, com a diabete, entre outros. E ainda, existe uma área chamada Game For Change que são jogos feito para mudança, tendo jogos para trabalhar a questão ideológica, questões éticas, questões étnicas. Então assim, existe impacto social significativo e que vem sendo comprovado e investigado nas pesquisas.

O Capacitor – A UNEB apresenta um forte viés de jogos pedagógicos, porém, a indústria de games em geral caminha para um sentido oposto, apostando cada vez mais no campo comercial. Como os alunos do curso de Jogos Digitais são preparados para o mercado exterior?

L.A.: Bem, aqui vou discordar de vocês. Sugiro que leiam o mapeamento da indústria de games no Brasil publicado em 2014 com o financiamento do BNDES. Lá vocês poderão ver claramente que a produção de games no Brasil em 2013, tanto na área de entretenimento quanto na área educacional, foi praticamente igual – apresentou uma diferença de 2 ou 3 números. Então assim isso que vocês estão dizendo não procede. Apesar do carro forte ainda ser o entretenimento, tem crescido bastante o número de jogos que são desenvolvidos para cenários pedagógicos. Outra coisa que vocês trazem, que é algo que eu gosto muito, é sobre o Discovery que é o módulo do Assassin’s Creed Origins, uma versão educacional. Então assim imagine o Minecraft, por exemplo, foi um jogo que foi feito para fins de entretenimento, mas como as pessoas no mundo todo atribuíram um sentido pedagógico pro jogo, a Microsoft terminou criando o MinecraftEdu. O Angry Birds, outro exemplo, foi um jogo casual, com a mecânica super clássica e que fez maior sucesso e depois também foi usado para ensino de física e matemática, o que terminou resultando numa versão educacional também – o Angry Bird. Edu. E agora temos esse caso, que eu adoro citar, do Assassin’s Creed Origins que criou o modo Discovery que vai ser lançado. Então esse jogo já vem sendo usado para cenários educacionais no ensino de história. A intenção dos desenvolvedores não foi essa, mas nós que interagimos, que conhecemos, que gostamos, que jogamos percebemos que existe um potencial pedagógico que mobiliza os alunos, que motiva os alunos. Então imagine que a Ubisoft já pegou essa dica e no novo jogo eles deram esse salto e criaram o modo Discovery que é indicado para os jogadores ter mais informações sobre a civilização egípcia. Outro jogo da Ubisoft que tem um caráter pedagógico, embora tenha sido feito para fins comerciais e de entretenimento, é o Valiant Hearts que é um jogo maravilhoso e parece um jogo educacional. Então eu acho que essa dicotomia pedagógico e não pedagógico ela tem sido quebrada inclusive por conta dos usuários e as empresas elas estão atentas a essa questão.

A gente não prepara os alunos do curso de Jogos Digitais para desenvolver jogos educacionais, isso seria uma maluquice. A gente os prepara, estamos formando para ingressarem no mercado interno e no mercado externo. A ideia do curso é formar empreendedores para que eles possam, mesmo estando aqui, atua e desenvolver para empresas do exterior. A ideia é formar profissionais que possam desenvolver diferentes tipologias de jogos, então é um equivoco se vocês pensam que a UNEB está formando seus alunos para desenvolverem apenas jogos educacionais. Sugiro que vocês entrem no site do curso e veja a grade, vocês vão ver que tem apenas uma disciplina chamada jogos, educação e saúde. O resto são disciplinas que tem o objetivo de formar e instrumentalizar esse profissional para atuar em qualquer segmento.

O Capacitor – O que motivou a criação do curso de Jogos Digitais da UNEB e quais são os principais desafios enfrentados pelo curso?

 A.: Nossa motivação foi a história do Comunidades Virtuais, com 15 anos de estrada, realizando pesquisas, desenvolvendo 12 jogos, realizando 2 cursos de especialização com financiamento da FAPESB, realizando vários eventos e participando de vários outros dentro e fora do Brasil, cursos de extensão que fizemos para a comunidade. Então essa história nos motivou porque acreditamos que a Bahia precisa de processo de formação inicial e permanente para consolidar essa indústria, que ainda é tímida na Bahia. Hoje além do curso da UNEB, temos o curso da UNIME, que tem como ênfase a programação de jogos. O curso da UNEB é uma visão mais sistêmica, é preparar esse profissional para ele atuar nas diferentes áreas que dialogam com o processo de desenvolvimento de games. E tem ainda o IHAC, Instituto de Humanidades Artes e Ciências da UFBA, que está criando uma área de jogos, uma área de concentração – é por isso que eu fiz o concurso pra essa área e sai da UNEB, para poder criar e fortalecer esse segmento na UFBA. O IFBA também em Camaçari está criando cursos de formação, o SENAC de Lauro de Freitas tem o curso de técnico na área de programação de jogos. Então você vê que é um movimento da Bahia para fortalecer a indústria de games, qualificar profissionais e crescer o número de campo de trabalho nessa área dentro e fora daqui.

Os principais desafios que a gente encontra dentro de uma universidade pública, é a falta de concurso pra ter professores qualificados. Outro problema que a gente enfrenta dentro da Universidade publica é não ter recurso pra ter laboratórios mais atualizados com programas recentes, com equipamentos, com configurações adequadas pro desenvolvimento.

O Capacitor – Os jogos no Brasil ainda sofrem com impostos absurdos. Você acredita que o governo vai reverter essa situação e incentivar a produção dos games nacionais?

L.A.: Eu não acredito. Eu acredito que podem existir algumas ações pequenas, como existem os editais, publicados por alguns ministérios e secretarias. Agora para mudar essa questão da taxação eu acho difícil, nós sofremos muito com impostos em várias áreas e eu acredito que a indústria de games não será diferente. A gente é o quarto país em nível de consumo de jogos, mas a gente tem um problema muito grande aqui que é a pirataria e isso termina afastando as grandes empresas para investir aqui nesse segmento. Então eu não acredito não.

O Capacitor – Com as melhorias das ferramentas como Unity e Unreal Engine, fica cada vez mais fácil criar um jogo, gerando um acúmulo de produções independentes. Como o curso prepara os alunos para o mercado voraz de jogos eletrônicos? Existe um incentivo a inovação?

L.A.: O nosso curso é pautado na inovação e a gente tem disciplinas de Unity, o motor que usaremos é Unity. Nesse semestre, teremos uma aula com um professor que trabalha com modelagem em 3D que trabalha com Unreal. Então os meninos estão interagindo, eles já tiveram aula de Constructor. Eles estão em contato com o que existe de mais atual e mais utilizado em nível de desenvolvimento porque a ideia exatamente é mostrar todas as ferramentas que existem, o potencial para qualifica-los, para interagir com aquelas que forem mais adequadas para a frente de trabalho na qual ele vai estar inserido.

O Capacitor – Com uma grande quantidade de jogos, promover bem uma produção acaba determinando o sucesso ou insucesso de um game. O curso da UNEB explora o segmento de marketing dos games ou o foco é o desenvolvimento dos mesmos?

L.A.: Como eu falei para vocês, o curso da UNEB tem uma visão sistêmica. Ele tem o foco na parte do game design, na parte da gestão, da programação, do empreendedorismo e da inovação. Então, consequentemente, o marketing transversaliza tudo isso. É uma visão sistêmica mesmo.

O Capacitor – Com os ataques cada vez mais recorrentes nos Estados Unidos, os jogos são ligados cada vez mais à violência. Em sua opinião, os jogos incentivam a violência?

L.A.: Minha pesquisa do doutorado foi exatamente essa. Eu queria investigar se havia realmente uma relação de causa e efeito no fato dos meninos jogarem jogos violentos se tornarem violentos. Obviamente que isso não é real. O fato de jogar jogos violentos não torna ninguém violento. O que pode tornar as pessoas violentas é várias questões a serem analisadas em nível de compreender a estrutura psíquica do sujeito, o que pode estar acontecendo na vida dele, que o deixa infeliz e insatisfeito, fazendo com que ele canalize para os jogos. Assim como são os jogos podia ser o cinema, ser a musica. Então os jogos não são a causa da violência, nem a causa de comportamentos hediondos. Os jogos podem potencializar isso se a pessoa tiver algum problema psíquico e essa pessoa provavelmente já vem sinalizando que tem algo que não vai bem com ela e o que pode ser feito é estar atento a esses comportamentos, encaminhar para os profissionais da área psicólogos, psicanalistas, psiquiatras, para que possam investigar o que esta acontecendo com esse sujeito. Dessa forma, essa transposição do que acontece na tela para a vida real só vai acontecer se o sujeito tiver algum problema na sua estrutura psíquica. A relação não é de causa e efeito. Jogou jogos violentos se tornou uma pessoa violenta. Essa discussão é atualizada sempre, você imagine que eu estou contando um caso que começou no final da década de 1990 e hoje cada vez que acontece qualquer coisa as pessoas dizem “ah é porque fulano jogava um jogo violento”. Isso tem acontecido no governo Trump que faz essa relação de causa e efeito, e tem se popularizado na mídia, que culpa dos jogos por conta do comportamento hediondo do sujeito. Eu não acredito que essa violência seja fruto do fato de interagir com os jogos eletrônicos, qualquer coisa pode detonar um comportamento violento. Provavelmente se a pessoa joga, pode ser um caminho mas não o definidor.

O Capacitor – Recentemente a Ubisoft, uma das maiores publishers do mundo, lançou uma versão educacional do jogo Assassin’s Creed Origins, onde o mapa do jogo, ambientado no Egito Antigo, se torna um Museu Interativo.  Você acredita que práticas como essa se tornarão mais frequentes no futuro? Como é o processo de criar um papel pedagógico para um jogo?

L.A.: Sim, eu acredito que essas práticas vão se tornar cada vez mais corriqueiras, pois tanto as pessoas, quanto os desenvolvedores e os jogadores tem compreendido que os jogos são espaços de aprendizagens. Então assim, criar um jogo pedagógico consiste em você interagir com diferentes jogos, consiste em você trabalhar e analisar diferentes similares para que você possa se apropriar da lógica que está presente nos jogos que são feitos para entretenimento e que motivam e mobilizam os jogadores a serem fãs fieis daquele jogo. Assim o jogo pedagógico ele ensina alguma coisa então se eu estou lhe dizendo que o Assassin’s Creed, que o Call Of Duty, que o Valient Hearts são jogos comerciais que ensinam então isso é um jogo pedagógico. Um jogo pedagógico não é um livro didático, divertido, eletrônico, interativo, infelizmente a qualidade dos jogos pedagógicos voltados para fins educacionais é muito ruim porque as pessoas que desenvolvem acreditam que é você criar um livro eletrônico e não é isso.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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