BGS 2017 | Entrevistamos David Crane, criador de Pitfall e co-fundador da Activision

Fomos à Brasil Game Show 2017 e tivemos a oportunidade de entrevistar o icônico David Crane, criador do famoso Pitfall e um dos co-fundadores da Activision, uma das maiores publishers de jogos que existe.

Apesar da dificuldade de conseguir a entrevista por conta do trânsito caótico de São Paulo, David foi gentil e compartilhou um pouco do seu vasto conhecimento conosco. Confira:


Pergunta 1) Como você enxerga a diferença entre os jogos que você costumava fazer com os jogos atuais

Resposta: Hoje existe um novo grupo de pessoas que gostam de jogos retrô. Os jogos que fazíamos antigamente eram bem divertidos de se jogar, claro que eles não tinham gráficos como os jogos do Playstation, mas alguns deles tinham mais ação e uma jogabilidade mais dinâmica. Uma vez conversei com o criador de God of War em uma feira que fomos juntos e ele me disse “Eu consigo fazer jogos imensos como God of War, mas eu queria fazer jogos que você costumava fazer.” No caso, jogos pequenos e divertidos. Antigamente, criávamos jogos com apenas 8 bits. O tamanho de Pitfall por exemplo é 4kb. Em virtude de comparação, um jogo atual como Grand Theft Auto V tem 64 milhões de Kb.

Pergunta 2) Você é bastante conhecido por Pitfall. Qual foi a sua inspiração pro jogo?

Resposta: Eu comecei com uma folha em branco e comecei a pensar. Desenhei um pequeno homem correndo. Eu quis colocar um personagem humano no jogo por que as empresas na época só faziam jogos com tanques, aviões ou skis, um ser humano era uma inovação para aquela época. Então, desenhei o homem e perguntei pra mim mesmo “O que ele está fazendo?”, desenhei duas linhas e disse: Ele está correndo em um caminho. “Onde está o caminho?”, desenhei algumas árvores: Chamei aquilo de Selva. Agora ele está correndo em uma Selva. “Por que ele está correndo?” Desenhei pedras, escorpiões, alguns tesouros para ele coletar, agora ele tinha um propósito. Em cerca de 10 minutos eu desenhei o conceito do jogo. Após milhares de horas de programação, o jogo estava pronto.

Pergunta 3) Qual o seu jogo favorito do Atari 2600? 

Resposta: O primeiro jogo que fiz para o Atari 2600 foi Outlaw. A Atari lançou o Atari 2600 para que as pessoas pudessem jogar os games de arcade em casa. Quando eu fui contratado pela Atari, essa era a minha função: Fazer a portabilidade de jogos arcade para versões caseiras. Dessa forma, eles conseguiriam atingir um público maior. O hardware do Atari 2600 era um tanto limitado e a maioria dos jogos eram de tanques de guerra ou coisas do tipo, mas, logo começamos a fazer projetos ousados nele. Haviam dois jogos chamados Canyon Bomber e Depth Charge. Ambos eram bem famosos na época. Minha maior realização no Atari 2600 foi conseguir colocar os dois jogos em um único cartucho. Dessa forma, as pessoas poderiam comprar os dois jogos pelo preço de um. Na época, os cartuchos tinham apenas 2Kb de armazenamento, então foi uma tarefa difícil colocar todos os efeitos sonoros, visuais e a jogabilidade de dois jogos em um único cartucho.

Canyon Bomber

Pergunta 4) Você vivenciou de perto o Crash dos Video Games em 1983. Qual o maior aprendizado que você tirou desse momento? 

Resposta: Um fato interessante sobre a Quebra da Indústria dos Video Games é que a Activision basicamente foi a responsável pelo que ocorreu. Nós éramos a referência na época. A Activision foi a primeira third party publisher (empresa que faz jogos para consoles que não são dela). Nós provamos que era possível ganhar bastante dinheiro fazendo apenas jogos e não consoles. Então, de repente, todos queriam ser como nós. Muitas empresas começaram a surgir tentando fazer o mesmo, mas, essas empresas não possuíam desenvolvedores de jogos talentosos. Elas estavam recrutando pessoas que entendiam de programação, mas, desenvolver jogos é bem diferente de programas de computador. Então, começamos a pensar que a maioria dessas empresas iriam fechar dentro de um ano e no fim das contas, estávamos certos. O que não tínhamos pensado era no efeito que isso iria gerar na indústria. As prateleiras estavam cheias de jogos que ninguém queria jogar e diversos depósitos estavam cobertos desses jogos. Para não ficar totalmente no prejuízo, as empresas começaram a vender os jogos por U$ 1-2 e as pessoas compravam mesmo sendo ruins, afinal, o preço estava muito abaixo do normal. Com as pessoas comprando os jogos ruins e deixando os jogos novos de lado, todas as empresas, inclusive a Atari e a Activision, começaram a perder dinheiro, causando o Crash. Então, de certa forma, a Activision foi a responsável pelo Crash por mostrar que dava pra ganhar dinheiro fazendo jogos.

Pergunta 5)  Você foi um dos fundadores da Activision, mas saiu da empresa poucos anos depois. Algum motivo específico?

Resposta: Quando eu entrei na Activision, o nosso CEO era Jim Levy. Após o Crash, o comitê de diretores demitiu Jim. Algo parecido com os técnicos de futebol. Quando algo dá errado, alguém precisa levar a culpa. Eu não concordei com a decisão, então, optei por sair da empresa.

Pergunta 6) Drante o seu tempo na Absolute Entertainment, você fez jogos como David Crane’s Amazing Tennis e A Boy and His Blob. Existe alguma chance de vermos o Amazing Tennis na geração atual, visto que quase não existem jogos de tênis?

Resposta: Eu não sei por que não existem jogos de tênis atuais. O motivo de eu ter feito Amazing Tennis foi por que eu era um jogador profissional de tênis enquanto criança. Quando o Super Nintendo foi lançado, era o primeiro sistema que permitia uma visão em 3D da quadra. Eu fiz um jogo que eu queria ter/jogar como um ex atleta profissional. Saíram alguns jogos de tênis após ele, mas não há nenhum jogo do esporte que seja de fato bom nos consoles atuais. Eu não sei, o tênis era um esporte popular nos anos 80 e 90, mas hoje não tem tanto destaque como antigamente.

Pergunta 7) Muitos dos nossos leitores sonham com uma carreira na indústria dos jogos. Você tem alguma dica pra dar a eles?

Resposta: Bom, a indústria hoje está mais voltada aos negócios do que antigamente. Naquela época nós éramos os pioneiros, consolidando o caminho por volta dos anos 70, 80. Hoje você pode ir para a universidade e conquistar um diploma em video games. Então, existem muitas formas diferentes de se entrar na indústria atualmente. Mas, uma coisa que costumo dizer com frequência é: Se você quer ser um desenvolvedor de jogos como eu era, o ideal é começar a fazer um. Baixe uma das ferramentas, coloque no seu computador e comece a criar. Se o seu melhor amigo for um artista, ele pode te dar algumas artes e juntos vocês podem criar um bom projeto e vender para uma publisher.

Pergunta 8) A nova moda da indústria são as remasterizações/remakes. Alguma chance de Pitfall retornar?

Resposta: Eu fiz uma campanha no Kickstarter para trazer Pitfall de volta. A nova versão seria chamada de David Crane Jungle Adventure, por que os direitos de Pitfall pertencem a Activision. Infelizmente a campanha não obteve a quantia necessária. Acredito que as empresas estão investindo em remakes por que é difícil conseguir trazer a jogabilidade original nos jogos atuais.


Entrevistar o sr. Crane foi uma experiência enriquecedora e fantástica. Graças ao seu trabalho, temos o gênero Aventura nos jogos e uma das maiores publishers do mercado. Esperamos que ele volte para outras edições da BGS!

Abaixo você confere o o áudio original da entrevista:

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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