Resenha | Sessão da Meia-Noite com Rayne e Delilah – Jeff Zentner
Uma comédia YA (Young Adult) que fará você sentir falta quando terminar. Escrito pelo americano Jeff Zentner, Sessão da Meia-Noite com Rayne e Delilah é muito mais do que a sinopse promete. Publicado pelo selo Seguinte do grupo Companhia das Letras, a obra vem para nos fazer rir, chorar e chorar de rir. Muito.
Delia e Josie tornaram-se amigas após descobrirem um gosto comum pela união da TV e os filmes de terror antigo. Juntas, criaram um programa regional onde escolhem péssimos filmes desse gênero para transmitir enquanto fazem comentários divertidos, sarcásticos e/ ou estranhos demais para a maioria, mas que, no fim, dá certo. Escondidas atrás de seus personagens Rayne e Delilah, as duas criaram um laço de carinho e fidelidade admirável.
Apesar de seus gostos se encaixarem perfeitamente nesse quesito, cada uma tinha um interesse a mais ao fundar o programa Sessão da Meia-Noite. Se por um lado Josie via como uma oportunidade de ingressar na TV (seu sonho de trabalho desde quando era criança), Delia enxergava como uma forma de atrair a atenção de seu pai, que a abandonou dez anos antes.
Os capítulos do livro são escritos em primeira pessoa do presente (embora umas quatro ou cinco vezes tenha encontrado um erro de revisão, tanto em palavra quanto em período), de modo a permitir que assistamos a vida de cada uma pelo seu próprio ponto de vista. Dessa forma, sentimos o quão traumatizada, abalada e não cicatrizada Delia ficou após o sumiço do pai. Seu amor por filmes de terror foi herança dele, como as fitas que deixou no trailer antes de partir, as quais tem a garota tem grande apego. Delia possui não só um complexo de abandono, como sofre de depressão.
É possível perceber a tentativa de Zentner em não rotular a doença, mas, ainda assim, soa clara e definitiva para quem acompanha os sintomas. Apesar do próprio sofrimento, Delia ainda lida com a depressão da mãe, em um nível mais avançado, a base de dias péssimos e remédios. A situação financeira é um empecilho na vida de mãe e filha, porém a relação das duas é tratada com um carinho, cuidado e sensibilidade tão bem escritos que desperta a esperança enquanto lágrimas escorrem. É lindo ler como, mesmo em seus piores dias, a mãe nunca abandona a filha.
Já Josie vem de uma família com condições financeiras e estruturada melhores. Pais ainda casados, uma irmã e um cachorro. Sabemos, por Delia, que Josie é o tipo de garota que sempre chama atenção, por sua beleza e personalidade. Ela é extremamente engraçada, tem sempre um comentário inusitado ou uma piada criativa. O que mais chama atenção em sua construção é em como ela conhece suas qualidades e não permite que ninguém as diminua; indiretamente, ela é um bom exemplo a se espelhar. Ela quem fica responsável por nos trazer um dos mais deliciosos romances românticos já lidos, sem nunca perder a própria essência ao passo que se apaixona.
Inicialmente temi que a diversão do livro acabasse se tornando forçada – afinal, ninguém é feliz o tempo inteiro -, ou que os personagens fossem todos tão engraçados que nenhum se destacaria. No entanto, a vida particular de cada um, por trás de toda similiaridade, cria independência para todos, permitindo que dividam igualmente o palco dessa trama.
O autor tem uma escrita impecável, leve e conquistadora. As meninas conseguem descrever coisas, pessoas, lugares e sentimentos através de analogias engraçadas – e muito inusitadas – que é impossível de o leitor não grava-las na mente. Todos os personagens secundários têm papéis importantes em suas vidas, as ajudam a crescer durante os capítulos.
A história – em palavras mais clichês do que animadoras – é, sim, sobre a importância da amizade, dos valores e princípios, e do quão firme e corajoso você precisa ser para alcançar seus sonhos, mas cada página vale o minuto gasto. Você vai torcer pela vitória do jovem lutador Lawson e pelo rabugento Arliss, diretor amador do programa; assim como vai ficar nervoso tentando descobrir se, no lugar de Josie, escolheria as pessoas que ama ou um estágio promissor; e, com frustração, dor e ansiedade, torcerá para que Delia finalmente encontre a resposta que só o pai pode dar, e consiga seguir a vida sem que os fantasmas do passado a atormentem.
De uma coisa eu tenho certeza, você vai sentir saudade: Josie e Delia, ou Rayne e Delilah, conquistarão seu coração sem que perceba. É pedir muito por uma continuação?