Star Wars: Os Últimos Jedi | Em defesa do filme
Aviso: Este textos contém spoilers de Star Wars: Os Últimos Jedi
Depois de anos de espera, a continuação da saga Skywalker chegou. Star Wars: Os Últimos Jedi definitivamente não foi o filme que ninguém esperava, seja isso bom ou ruim. O filme traz um roteiro fora dos padrões, com eventos marcantes para a saga, de forma que nada mais poderá ser o mesmo após este episódio. Por conta disso, é compreensível que público fique dividido. Afinal, este é um dos filmes mais ousados de toda a saga.
Contudo, é preciso refletir sobre onde efetivamente o filme erra e onde a insatisfação é fruto de uma frustração com base em expectativas pessoais. Os Últimos Jedi não é um filme perfeito. Em alguns momentos o roteiro tropeça, o filme tem uma leve barriga, como todo o arco de Finn. Mas, ainda com os erros, não se pode deixar de negar o valor que o longa tem para a saga ou como obra individual.
Enquanto O Despertar da Força foi criticado por emular Uma Nova Esperança, Os Últimos Jedi tinha a responsabilidade de inovar, de quebrar estruturas. E foi exatamente o que o filme fez, quer o público estivesse pronto ou não. O filme arrisca e apresenta humanidade, fragilidade e defeitos nos personagens mais icônicos da franquia. E, ao mesmo tempo que isso possa soar como “blasfêmia” para alguns, isso humaniza a história e a torna ainda mais crível.
“Isso não vai terminar como você pensa.” (Luke Skywalker)
Depois de décadas esperando para ver o que Luke Skywalker tinha se tornado, sempre imaginando o quão poderoso ele se tornou, expectativas foram frustradas com o resultado apresentado. No filme, nos deparamos com um Luke quebrado, decepcionado e extremamente amargo. Mas, se analisarmos friamente, isso faz sentido em um personagem que encontrou fracasso em sua missão de reestabelecer uma Ordem Jedi. Luke foi um dos grandes salvadores da galáxia, mas teve de aprender e lidar com muita coisa sozinho. Seus mestres lhe davam ensinamentos breves para logo depois abandoná-lo.
Em determinado momento, Luke se deparou com um desafio que exigiu mais do que habilidade com Força e isso era algo que ele ainda não havia dominado totalmente. E isso fica ainda mais evidente com a aparição de Yoda para ensinar uma última lição. Este é um personagem que nunca teve um treinamento satisfatório e que nunca tinha aprendido, até agora, a lidar com o fracasso.
Apesar da beleza dos duelos com sabre de luz, das tramas políticas e naves, muito do que torna Star Wars apaixonante são as características humanas de seus personagens. Seus relacionamentos, seus desafios e superações. Para muitos, o treinamento de Luke em Dagobah tem muito mais peso do que todas as batalhas da saga. Isso porque é o momento onde podemos presenciar um real desenvolvimento de personagem. Em Os Últimos Jedi, depois de décadas, ainda temos a oportunidade de ver mais uma vez Luke crescer e aprender.
“O melhor professor o fracasso é.”(Yoda)
Gostando ou não, temos de reconhecer que a forma como Luke foi apresentado no longa é surpreendente. E, mesmo com todas as falhas do personagem, ele ainda se mostrou tão poderoso quanto muitos fãs sonhavam. E apesar de muitos esperarem um duelo onde Luke pudesse apresentar todas as suas habilidades, é o tipo de desejo que Star Wars sempre nos deixa. A saga encontra sua magia muito mais no que deixa subentendido no que efetivamente mostra.
“Eu não acredito.” (Luke Skywalker)
“É por isso que fracassa.” (Yoda)
Considerando o rumo que a saga toma e o “passar da tocha”, a morte do personagem faz sentido, ainda que não represente o fim de sua jornada. Está mais do que claro que Luke ainda tem um papel a desempenhar na saga, todas as dicas foram dadas. E é por isso que, como disse Rey, a sua partida estava cheia de “paz e propósito”. Luke ainda tem muito o que fazer nesta saga, ainda que seja de outro plano.
“Eles eram ninguém.” (Rey)
As expectativas pessoais representam uma das maiores armadilhas para o público e para o filme. Durante os dois anos de espera, o público criou teorias, conjecturou possibilidades e torceu por certas revelações. Contudo, apesar de às vezes da resultado, atitudes como esta são armadilhas que o público arma para sim, especialmente em filmes surpreendentes como Os Últimos Jedi.
Toda a questão da paternidade de Rey, apresentada como um mistério em O Despertar da Força, acaba por ser mais uma armadilha que a franquia armou para si. A verdade é que qualquer que fosse a solução, parte do público estaria insatisfeita. Caso a personagem fosse filha de algum personagem da franquia, muitos criticariam por ser uma repetição do plot twist que foi a descoberta de Darth Vader como pai de Luke. Assim, colocá-la como filha de “ninguém”, tal qual Anakin Skywalker uma vez fora, parece sim ser a decisão mais acertada. A Força trabalha de maneira desconhecida, e nos mais remotos cantos da galáxia a esperança pode surgir. Portanto, por mais que muitos possam julgar como anti-climática, a escolha faz sentido no universo.
A beleza do que não é visto
Outro ponto que foi muito criticado no longa é sua falta de explicações. Pouco se sabe sobre a formação da Primeira Ordem, do surgimento da Resistência e especialmente sobre quem seria o Supremo Líder Snoke. E isso é um fato. O filme pouco aborda questões como essa. Contudo, isso sempre foi uma característica de Star Wars.
Tomando a trilogia clássica como exemplo, os filmes no apresentam muito pouco do panorama geral da galáxia e ainda menos detalhes sobre diversos personagens da trama. O Imperador Palpatine sequer teve seu nome citado nos filmes, sendo apenas visto nas novelizações do longa. O contexto político também é muito pouco explorado nestes filmes, sempre focando no núcleo dos regimes sem nos mostrar um panorama.
Características como essa que sempre estiveram presentes na saga, encontram suporte em um dos recursos mais importantes para Star Wars, seu universo expandido. Por contar com diversas obras paralelas que exploram muito mais do que pode ser visto em duas horas de filme, Star Wars pode focar no coração da trama em seus filmes.
Portanto, o fato do Supremo Líder Snoke não ter o enfoque desejado não quer dizer que não haverá explicação sobre o personagem. A ascensão e morte do líder cumprem o seu papel no desenvolvimento de Kylo Ren, ainda que não o filme não explore seu passado. Isso certamente será objeto de obras do universo expandido. E isso é algo que os fãs de Star Wars estão (ou deveriam estar) acostumado a consumir.
Obviamente, os tempos mudam e o público também. Em 1977, quando Star Wars foi lançado, o público era completamente diferente e se contentava com menos. No entanto, muito do que foi apresentado ali, até hoje é objeto de admiração. A saga sempre despertou paixão no que não é mostrado, no mistério que é deixado para o público explorar por conta própria. E isso requer um investimento por parte do público, que talvez não esteja mais disposto a ir atrás hoje em dia, querendo tudo mastigado em um espaço de duas horas.
Muito do que hoje é amplamente sabido na saga, durante muito tempo pôde apenas ser visto no universo expandido, e isso nunca fora considerado um defeito. Pelo contrário, a recompensa era ainda maior. Existia um senso de merecimento pela informação obtida, pela jornada acompanhada e por saber um pouco mais sobre este universo. Experiência de fãs que estão cada vez mais raras hoje em dia.
O Universo Expandido sempre será parte de Star Wars. Filmes de duas horas não são suficientes para explorar a magnitude deste universo, e aqueles que quiserem mais disso terão de buscar. Vivemos em tempos de fartura, diferente de muitos fãs que durante muitas décadas tinham apenas estas obras paralelas para satisfazer o seu desejo de mais Star Wars. Assim como a trilogia Aftermath de livros ajuda a explicar o surgimento da Primeira Ordem e da Resistência, obras futuras (livros HQs ou até mesmo filmes) explicarão detalhes como a história de Snoke e dos Cavaleiros de Ren.
“Você deu seu primeiro passo em um mundo maior.”(Obi-Wan Kenobi)
Como dito, Os Últimos Jedi não é um filme perfeito. Com arcos desnecessários, humor excessivo e até mesmo alguns furos, o filme se mostra tão falho quanto seus personagens. Contudo, não podemos deixar de reconhecer o valor em um filme que toma riscos sem medo de mexer no sagrado. Um longa que consegue quebrar estruturas, fugir do padrão e surpreender o público de modo a causar este choque que presenciamos. Isso é Star Wars. A franquia que mostrou que o grande vilão era pai do herói, que mostrou que a princesa era irmã deste mesmo herói mesmo depois de tê-lo beijado no filme anterior. Star Wars é um clássico, mas nunca se propôs a ficar dentro das barreiras do padrão. E se hoje a internet não pára de discutir o filme, é porque ele cumpriu o seu propósito.
40 anos após o lançamento da franquia, poder ser surpreendido de maneira tão forte em uma sala de cinema com um filme de Star Wars, é um privilégio que, até recentemente, não era concebível. Assim como alguns poucos ainda podem dizer que viram a revelação de Darth Vader em uma sala de cinema, a partir de hoje poderemos dizer que vimos a partida de Luke.
Assim como aconteceu com o Episódio I, é possível que a percepção sobre o filme mude com o passar dos anos, de modo que só o tempo dirá se ele é de fato um sucesso absoluto, um fracasso ou um filme a ser esquecido na mediocridade (por mais improvável que pareça).
Star Wars: Os Últimos Jedi está em cartaz nos cinemas. Confira a nossa crítica.