Resenha | The Kiss of Deception
Essa história tinha tudo para ser um erro terrível. Uma princesa, a fuga de um casamento arranjado e um triângulo amoroso. Tudo dentro de uma fantasia que nos fazer criar início, meio e fim sem sequer ter lido a dedicação da autora.
A trilogia Crônicas de Amor e Ódio, escrita pela americana Mary E. Pearson e publicada no Brasil pela editora Darkside consiste em: The Kiss of Deception, The Heart of Betrayal e The Beauty of Darkness.
Mas onde The Kiss of Deception pega o ônibus para sair do óbvio?
ENREDO
Lia é a Primeira Filha da casa de Morrighan, reino muito conhecido por sua riqueza, história e tradições. Para selar a paz com o reino de Dalbreck, Lia é usada como uma peça no jogo real e obrigada a se casar com um príncipe cuja face ela nunca viu. Indignada e assustada, a princesa resolve fugir ao lado se de sua melhor amiga, carregando consigo arquivos misteriosos do castelo. O que ela não imagina é que sua fuga irá atrair tanto a curiosidade do homem com quem devia se casar quanto o desejo de um assassino cruel vindo de território bárbaro. Após aceitar o emprego de garçonete numa cidade afastada do castelo, Lia acredita estar disfarçada o bastante para viver uma vida comum, até que conhece Rafe e Kaden.
TRIÂNGULO AMOROSO
Depois de tantos triângulos amorosos culpados de estragar uma boa história, por que insistir em outro? Pearson ousou ao arriscar em algo que afasta diversos leitores, mas sua forma de interagir com o clichê é incrível. Os dois homens que perseguem Lia – por motivos diferentes –, de fato, a encontram. Sentimentos surgem e relacionamentos se moldam, mas em momento algum o foco da história é ameaçado por conta do romance. A maior adrenalina do primeiro livro está no mistério: quem é o príncipe e quem é o assassino? Nós e Lia sabemos seus nomes e conhecemos as histórias criadas por eles para compor o disfarce, mas não há pista alguma da procedência de ambos. A esta altura do campeonato Lia é garçonete de uma taverna e tromba com os rapazes diversas vezes; ora juntos, ora à sós. As relações são profundas e se desenvolvem gradativamente, tomando cuidado para não criar romances fúteis, fracos e dispensáveis. Com diálogos inteligentes, é impossível não sentir apreço por um ou outro, se não pelos dois.
PERSONAGENS
A personagem principal – e narradora – é uma das poucas princesas retratadas em livros com tanta coragem, poder decisivo e personalidade forte. Pearson nos presenteou com uma personagem de caráter evolutivo. Apesar de não ser uma guerreira física, a mente de Lia possui uma sede de conhecimento que a torna um oponente perigoso. Seu motivo para trair a família e o reino acarreta numa descoberta de si mesma. A evolução da personagem é um trabalho astuto e gradativo, transformando um lado de coragem duvidosa para decisões tempestuosas. Enquanto trabalha na busca de sua liberdade, também desenvolve o autoconhecimento, revelando aptidões, qualidades e reavaliações de crenças, mas mantendo princípios.
De um lado, temos o príncipe: A rejeição para com o casamento foi tão decisiva quanto a de Lia, mas, em prol da proteção de seu reino, ele estava disposto a continuar. Irritado pela desobediência da princesa, é guiado pela curiosidade. Decide, então, procura-la, julgando conhecer alguém egoísta e mesquinha, mas é surpreendido. Lia é o oposto do que imaginava. O príncipe partiu numa missão para consertar um grande erro, mas acaba por se perguntar se o erro não estava justamente no que a fez fugir.
Vindo do reino bárbaro de Venda, temos o assassino. Jovem e temido, sua missão é unicamente matar a princesa, para que não aja acordo político entre Morrighan e Dalbreck, aumentando a rivalidade e enfraquecendo a imponência dos reinos. O assassino é, acima de tudo, leal aos seus. Mas ao conhecer Lia, ele percebe algo se desconstruindo dentro dele, a força se aliando a incerteza e a lealdade se mostrando questionável.
As personagens secundárias complementam a história. Acrescentam humor e descontração, além de ajudar no desenvolvimento do mistério e magia criada pela autora.
MUNDO E MAGIA
Lia possui nas mãos algo valioso. O passado que deu origem ao mundo ao redor. Sobre os povos e culturas. Sobre alguém especial que nasceu para guiar e proteger, carregando um poder não muito explorado inicialmente, mas que lança nós para serem desenrolados nos próximos livros. A magia pertencente a essa história é profunda e lentamente retratada, não por incapacidade ou erro da autora, mas pela necessidade de mostrar que é preciso se conhecer antes de conhecer o poder dentro de você. A construção de mundo possui um detalhe minucioso essencial. Para que entendamos religiões e culturas, é preciso um desenvolvimento da ambientação.
O CAMINHO
Em meio a romance e mistério, essa é uma fantasia com muito menos ação do que se espera para um livro com retrato da Idade Média; o foco está justamente na história, em como mitos, lendas, tradições e religiões são formadas ao longo do tempo e como persistem apesar das mudanças. É uma dose de equilíbrio e perfeição, um empurrão para dentro de um universo que você desejará entender se quiser ter a chance de revelar todos os mistérios.
Na reta final da história, todas as máscaras caem e a verdade afeta diretamente o caminho dos três reinos. Como manter-se firme depois de tantas traições? As mentiras valeram a pena quando o futuro se mostrou mais ameaçador?
Fugir do casamento não foi um ato de traição para com seu reino ou família, tampouco egoísmo de alguém indisciplinado. Tomar essa decisão foi uma forma de impor que manter a própria essência e buscar por liberdade também é um tipo de sacrifício.
The Kiss of Deception foi apontado pelo comitê da Young Adult Library Services Association (YALSA) como umas das melhores ficções YA (Young Adult) de 2015 e escolhido uma das principais fantasias de 2014 no Goodreads.