Resenha | O Mito da Beleza – Naomi Wolf
Por Beatriz Barbosa
Atualmente, as discussões sobre o protagonismo feminino nos diversos espaços da sociedade se intensificaram e muitos movimentos foram criados em torno desse debate. Um importante desdobramento diz respeito a questão estética, que por muitos anos as indústrias ditavam as regras e traziam inúmeras imposições para que as mulheres pudessem seguir, e agora o número de mulheres que tem buscado voltar ao seu natural tem crescido muito.
Apesar de todo destaque que essa temática tem ganhado, seja na imprensa ou nas redes sociais, esse tema já vem sendo debatido a muito tempo e um dos nomes, que podemos considerar como pioneira, é o de Naomi Wolf com sua obra O Mito da Beleza, lançado no Brasil pela editora Rosa dos Ventos.
Em sua obra, que é considerada como um dos livros mais importantes da terceira onda feminista, a autora confronta a indústria da beleza, tocando em assuntos difíceis, como distúrbios alimentares e mentais, desenvolvimento da indústria da cirurgia plástica e da pornografia e afirma que o culto à beleza e à juventude da mulher é estimulado pelo patriarcado e atua como mecanismo de controle social para evitar que sejam cumpridos os ideais feministas de emancipação intelectual, sexual e econômica conquistados a partir dos anos 1970.
O mito da beleza foi uma leitura essencial para mim. Sabe aquele livro que te ajuda a desconstruir conceitos enraizados durante toda uma vida dentro de você? Pois bem, foi assim que me senti com cada página, cada capítulo. Levei alguns meses para digerir tudo que era dito e ir aos poucos descontruindo em mim aquilo que foi durante muitos anos a minha verdade – estou passando por um processo de transição e esse livro foi um alento e uma certeza que eu estava no caminho certo.
Escrito em 1991, Naomi ouviu vários relatos de mulheres que -independentemente da idade, classe social -, viviam os mesmos dilemas e sofrimentos: o medo de envelhecer, a luta pela magreza, a busca pelo corpo ideal e a imagem perfeita. Mas o perfeito realmente existe? O que existe por traz desse interesse para que as mulheres se preocupem mais com sua própria imagem do que em ser feliz? Vamos descobrindo que a felicidade não vende, mas o sofrimento sim.
“A ‘’beleza” é um sistema monetário semelhante ao padrão ouro. Como qualquer sistema, ele é determinado pela política e, na era moderna no mundo ocidental, consiste no último e melhor conjunto de crenças a manter intacta o domínio masculino. Ao atribuir valor as mulheres em uma hierarquia vertical, de acordo com um padrão físico imposto culturalmente, ele expressa relações de poder as quais as mulheres precisam competir de forma antinatural por recursos dos quais os homens se apropriaram… A medida em que as mulheres iam exigindo acesso ao poder, esta estrutura recorreu ao mito da beleza para prejudicar de forma substancial o progresso das mulheres.”
Esses conceitos foram evoluindo desde a Revolução Industrial, então notamos que não é de agora que o mito foi construído e para ser ainda mais triste ele foi criado para as mulheres ter cada vez menos acesso ao poder. Uma mulher preocupada com sua imagem, insegura, infeliz não consegue facilmente conquistar espaços cada vez maiores e nem cargos que são dominados por homens. E assim foram existindo a rivalidade entre as mulheres, a competição para saber quem realmente é a mais “perfeita”.
A partir disso a indústria vai crescendo, produtos para rejuvenescer são criados, emagrecedores, modeladores. Os padrões são modificados conforme cada época e as mulheres tentando se adaptar.
Bem, como disse logo no início assim como tantas mulheres eu também fui vítima e fui facilmente manipulada, o que foi me vendido era que eu teria sucesso se eu chegasse no padrão da pele perfeita, cabelo com o liso perfeito, não muito magra e nem acima do peso, ser simpática para que os homens não me chamassem de grossa quando não tivesse interesse neles. Desejei por muitos anos fazer cirurgias plásticas, sentir medo de não ser uma mulher ideal – O que eu conquistei com tudo isso? Transtorno de ansiedade, lesões no couro cabeludo por uso excessivo de químicas, muita queda de cabelo, baixa autoestima por ter que me ver no espelho de outra forma.
As consequências são enormes, Naomi tem um capítulo onde ela fala sobre essa violência que nós mulheres cometemos com nosso próprio corpo, tem mulheres que ficam inférteis por desejar tanto a magreza e viver nessa busca a todo custo e muitas vezes essa violência custa a própria vida. Quantas já morreram por cirurgias plásticas malsucedidas ou simplesmente porque a cirurgias foi feita sem que de fato existir a necessidade? E quantas na busca do padrão do corpo perfeito cai no golpe do falso profissional e vão a clínicas clandestinas para realizar esse sonho e morrem? Inúmeras. Muito mais do que possamos imaginar.
“As dietas líquidas já provocaram pelo menos 60 mortes nos estados unidos e seus efeitos colaterais incluem náuseas, perda de cabelo, tontura e depressão. A compulsão pelo exercício produz anemia e interrupção do desenvolvimento. Os implantes mamários tornam mais difícil detectar o câncer. As mulheres deixam para depois as mamografias, com medo de perder um seio e de se tornar mulher pela metade… O mito não está adoecendo as mulheres apenas sob o aspecto físico, mas também sob o mental (…) O estresse é um dos mais graves fatores de risco médico, prejudicando o sistema imunológico e contribuindo para a pressão alta, as doenças cardíacas e o aumento das taxas de mortalidade no câncer. Ainda pior, o mito da beleza na era da Cirurgia, na realidade, reproduz dentro da consciência das mulheres os sintomas clássicos da doença mental.”
Esses dados são de 20 anos atrás, na época não existia as redes sociais e as exigências dos tempos atuais. Hoje o Brasil cresceu muito em cirurgias plásticas, aumentou ainda mais a busca pela “beleza” ideal, infelizmente com tantas regras impostas também aumentou os casos de procedimentos malsucedidos, depressão e transtorno de ansiedade. Por outro lado, muitas mulheres têm despertado e lutando pela liberdade de ser quem é, do amor-próprio e da auto aceitação. Nunca é tarde, não importa o que você já fez até aqui, o quanto já sofreu, adoeceu e se mutilou. Lute verdadeiramente para ter a liberdade de ser quem é.
“uma consequência do amor-próprio feminino é a de uma mulher se convencer de seu valor social. Seu amor pelo próprio corpo será irrestrito, o que é a base da identificação feminina. Se uma mulher ama seu próprio corpo, ela não inveja o que mulheres fazem com o delas. Se ela ama sua feminilidade lutará pelos seus direitos.”
O Mito da Beleza é uma leitura necessária, não só para as mulheres, mas também para os homens, afinal as mudanças se mostram urgentes e fundamentais para que a sociedade não padeça de um adoecimento autoimposto e catastrófico.