Resenha | Filhos de Sangue e Osso – Tomi Adeyemi
Desde já, peço perdão se eu me alongar muito…
Foi depois de ir à Salvador, na Bahia, que Tomi Adeyemi, jovem autora norte-americana de origem nigeriana, se inspirou para criação do seu livro de estreia, enquanto estudava cultura africana aqui no Brasil. A editora Rocco lançou uma versão bela e fiel do primeiro livro da trilogia O Legado de Orïsha: Filhos de Sangue e Osso vai contar a história de Zélie Adebola, onze anos depois da Ofensiva, o evento que tirou tanto a magia do continente, quanto a vida de sua mãe e de outros inúmeros majis.
Dez clãs representam a magia da Mãe Céu e os dotados são marcados com indiscutíveis cabelos brancos. Divinais só se tornam majis (ou seja, manipulam sua respectiva magia) após completar treze anos, por isso, quando a monarquia investiu à Ofensiva, poupou a vida somente das crianças mais jovens, assassinando famílias por todo o continente.
Onze anos depois, a jovem Zélie vive sob a opressão do reino em sua pequena vila. Impulsiva, para corrigir o erro de sua língua grande, vai à capital vender o peixe que salvará sua pele da escravidão nas colônias, e lá, o destino de Zélie se cruza não apenas com a princesa Amari, mas um de três artefatos capaz de trazer a magia e a esperança de volta.
Adeyemi inspira-se na mitologia ioruba e transforma pequenos detalhes para criar a sua própria. O universo rico envolve a magia dos elementos, assim como magia do metal, de sangue, etc. Transforma animais conhecidos em novas espécies, dá novos sabores e aromas a comidas familiares; mantém um pé dentro da realidade e outro na fantasia, expandindo a mente do leitor para os detalhes enriquecedores baseados na cultura africana.
Seus personagens são tão diferentes entre si, cada um possui autenticidade para se destacar e criar objetivos e obstáculos durante o enredo. Com a chance de trazer a magia de volta para seu povo, Zélie se une ao irmão mais velho, Tzain, e a princesa, para uma aventura por florestas, desertos e cidades de metal, fugindo do príncipe herdeiro Inan, cujo objetivo é matá-la.
A história não é discreta ao fazer críticas e apelos à nossa sociedade, mas se agarra ao mundo fantástico para reforçar o sofrimento imposto aos negros diariamente – a opressão, os assassinatos, a escravidão.
Eu estou sempre com medo!
Escrito em primeira pessoa, temos três pontos de vista distintos. Dois são importantes para entender a dinâmica de pensamentos opostos. Ao analisar somente o quesito magia e sua influência, ambos argumentos são tão fortes que faz personagem e leitor reconsiderar os próprios ideais – benção ou maldição? Por outro lado, a mensagem por trás da Ofensiva é clara, unânime e inabalável.
Um fato interessante na história é ver como a nobreza negra menospreza àqueles de pele retinta e sempre procuram usar produtos para ficarem mais claros; a autora se posiciona mais uma vez frente ao racismo – de que ser negro é ruim.
Adeyemi tem mão e mente sensíveis, os sentimentos são descritos vividamente, faz nossa pele esquentar se a do personagem esquenta, faz o coração doer, se suas dores forem tocadas. Descrições físicas e de ambiente são límpidas e formam imagens precisas. A inserção da história mágica e a introdução detalhada dos deuses africanos é impecável, assim como as cenas onde a magia é demonstrada.
No meio do livro, temos um pequeno percurso onde a dinâmica se torna lenta, mas logo os eventos avançam com fluidez. Para mim, o único ponto negativo foram as cenas de ação; se tirar a influência da magia durante os confrontos, a luta em si perde sua euforia, descrita de forma tão prática e rápida que, por vezes, me vi pensando “é só isso?”
Por último, quase todos os acontecimentos desse livro foram de níveis altos, me deixando com uma pulga atrás da orelha para saber se Adeyemi conseguirá manter ou superar nos próximos. Mas, sem dúvida, Filhos de Sangue e Osso é uma leitora rápida, satisfatória e mal vejo a hora de continuar.