Os Perigos de se Expandir um Universo Fictício

Nada enche mais os olhos de um fã do que o conceito de “Universo Expandido”. A oportunidade de poder revisitar um universo amado é, sem dúvidas, algo que mexe com os sentimentos de qualquer nerd. Contudo, não é novidade que por mais apaixonante que a ideia pareça, ela é extremamente perigosa.

Ao se mexer em algo já estabelecido, no sentido de expandi-lo, é necessário ter muito cuidado com as inconsistências, principalmente no que tange a linha do tempo e perfil de personagens. Um universo expandido de forma inconsistente e desrespeitosa com o que já foi criado pode macular para sempre uma marca valiosíssima.

Universo Denso x Universo Raso

Obras como Star Wars, Harry Potter, Senhor dos Anéis e Game of Thrones são grandes exemplos de Universo Expandido, sejam bons outros ruins. E o motivo disso parte desde a sua concepção até o tratamento que recebem uma vez que já não são mais propriedade do autor (e sim dos fãs ou empresas).

Universos como o de Senhor dos Anéis e Game of Thrones ( Crônicas de Gelo e Fogo) possuem uma vantagem absurda no conceito de expansão de universo por terem suas histórias principais desenvolvidas em conjunto com um universo rico e denso. Tanto J.R.R. Tolkien quanto George R.R. Martin fizeram questão de embasar todo o seu universo em função da história que contavam. Por conta disto, ambos os autores desenvolveram um histórico riquíssimo que ambienta a sua narrativa, entregando vida a este mundo, indo muito além de pequenas citações e elementos sem contexto.

Enquanto Tolkien Escreveu sobre toda a criação da Terra-Média, até o ponto onde aconteceu a Guerra do Anel na Terceira Era, Martin esboçou toda a história dos Targaryen desde sua partida da Antiga Valíria e compondo toda a linha de sucessão dos reis de Westeros até os eventos principais de sua saga, isso sem falar do background de toda Westeros, seus castelos, terrenos e também da Longa Noite.

Este tipo de zelo e embasamento tornam o universo muito mais crível, denso e orgânico, trazendo muito mais chances de êxitos em um trabalho de expansão. Com tantos dados, é mais difícil que inconsistências ocorram. Assim, é possível que sejam criados prequels, sequels e side-stories sem que o que já foi criado possa ser prejudicado. O Universo Expandido nasceu junto com a obra principal e está à disposição para ser explorado.

Tanto em Game of Thrones como em Senhor dos Anéis, cada detalhe do universo possui uma história própria tão interessante quanto a principal. O Fosso dos Dragões em Westeros traz todo um histórico e uma relação com A Dança dos Dragões, um evento que magnânimo que até então serve apenas para encorpar o histórico do universo. A Terra-Média como um todo é fruto de uma história riquíssima envolvendo Melkor, os Valar, as Silmarils, e tantos outros elementos. Estes são apenas dois ínfimos exemplos em um mar de histórias, todos criados para enriquecer o lore da franquia.

Já a franquia Harry Potter, por mais bem escrita que seja, não se preocupou tanto com uma construção de universo tão encorpada e complexa como foi o caso de Tolkien e Martin. J.K Rowling ateve-se principalmente a sua história principal, inserindo apenas algumas poucas referências a um mundo maior que nunca chegamos a ver em sua saga principal.

Nota: Isso não significa que a história de Harry Potter seja ruim. Muito pelo contrário, Rowling soube fechar a sua saga de maneira brilhante, buscando pontas soltas em seu início e as amarrando em seu final formando um arco narrativo extremamente bem sucedido.

Por conta disso, a expansão de seu universo com a franquia Animais Fantásticos e o Pottermore, portal dedicado à franquia que traz informações adicionais sobre o universo, tem passado por diversos problemas de inconsistência. Aparentemente, Rowling e sua equipe não tem se preocupado tanto com a credibilidade de seu lore a ponto de fazer um trabalho preciso de seu universo fictício.

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Assim, filmes como Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald surgem recheados de retcons e inconsistências com o que fora contado na obra principal da franquia, a saga Harry Potter, fazendo com que esta seja prejudicada pela falta de zelo.

A criação de um suposto irmão que nunca existiu para Dumbledore, Uma Minerva Mcgonagall que era professora antes mesmo de ter nascido são exemplos de como um trabalho de expansão de universo mal feito pode macular a imagem de uma franquia.

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O Pottermore, portal onde a autora costuma colocar informações adicionais do universo Harry Potter também está recheado destas inconsistências. O caso mais recente foi a informação de que quando construída, Hogwarts não tinha banheiro. Os bruxos faziam suas necessidades em qualquer lugar e livravam-se dos dejetos com feitiços. Se fosse este o caso, como Salazar Slytherin teria construído uma passagem secreta para a Câmara Secreta, um dos elementos mais importantes do segundo livro, se ainda não haviam banheiros na escola?

Em tese, esta mudança teria sido pra ajustar uma certa falha, uma vez que a escola teria sido construída antes da invenção do sistema de saneamento. Assim, esta entrada teria sido construída por um membro da família Gaunt, que estaria relacionada a Slytherin. Todo este trabalho para responder perguntas que ninguém fez, em plots cujo único objetivo é criar buzz para colocar a franquia em exposição só fazem com que seu universo percam a força.

É tudo como um jogo de Jenga. Se você não organizar as peças da maneira correta, uma hora tudo irá desmoronar.

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Universo expandido independente

Outro caso interessante é o universo expandido de Star Wars. Este é quase um universo à parte, uma vez que se concentra sua maioria em mídias diferentes de onde a franquia surgiu. Com centenas de livros e quadrinhos, o universo expandido serviu de alento para muitos fãs que estavam órfãos de Star Wars após o final da primeira trilogia.

Com o volume de obras que foi surgindo, o universo acabou por tornar-se bagunçado e a qualidade das obras vinha caindo vertiginosamente, uma vez que o controle de qualidade estava cada vez menos criterioso. Este (e uma lua caindo na cabeça de Chewbacca) foi o maior motivo da Disney ter “resetado” o universo expandido da franquia após a compra da Lucasfilm.

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De um modo geral, o universo expandido de Star Wars segue bem construído sob o controle da Disney, apesar de ainda contar com algumas inconsistências.

Contudo, por se tratar de uma expansão de uma obra que surgiu no cinema, pode ser um pouco frustrante investir horas lendo um conteúdo que dificilmente será contemplado nas telas. Antes da Disney, o Universo Expandido fora fonte para muitas novidades na trilogia prequel, agora o universo expandido resume-se apenas a um conteúdo dito oficial, que pode facilmente ser ignorado ou sobrescrito pelos filmes decepcionando os fãs mais engajados.

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Feito para fãs

Universo Expandido tende a ser um assunto delicado porque é feito para os fãs mais ardorosos e estes possuem cada detalhe de suas franquias amadas na ponta da língua. Por conta disso, a prática de se ampliar um universo deve ir muito além do desejo de capitalizar com uma propriedade intelectual, mas partir da paixão pelo conteúdo e pelo desejo de tornar a obra ainda mais rica e completa.

Em casos como este, Tolkien e Martin mostram o que é talento na construção de um universo e J.K Rowling (que criou a magnífica franquia Harry Potter) mostra o que é fazer remendo por cima de pano que nunca rasgou.

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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