Crítica | Os Farofeiros
Há filmes que assistimos que tocam e falam diretamente com a gente. Conseguimos nos colocar na situação daquela mocinha (ou da vilã, por que não?) e saber quase que exatamente o que ela sente. Por vezes até passamos por situações parecidas, com outros meios menos esdrúxulos mas com o mesmo fim, ou com um fim diferente mais um meio bem parecido. São filmes com os quais nos identificamos e rimos ou choramos por sentir que ‘poderia ser a minha história ali’.
Por outro lado, há filmes que não tem nada a ver com nossas vidas. A mocinha é totalmente fora da nossa realidade, nem sequer parece com alguém que conheçamos pessoalmente. As situações são bizarras e nunca fizeram parte das nossas vidas, e muitas vezes agradecemos muito por isso. Mas ainda assim, conseguimos rir ou chorar de tais situações, pois temos empatia ou até mesmo ‘vergonha alheia’.
Os Farofeiros pode se encaixar no primeiro ou no segundo caso dependendo da região que você mora e especialmente da sua classe social e seu círculo de amigos e família.
Se você é um carioca suburbano pobre ou de classe média baixa, você imediatamente se identificará com o filme. As situações por mais exageradas que possam parecer, até mesmo para quem se encaixa no perfil, são totalmente verossímeis, apenas ampliadas, maquiadas, para causar um pouco mais de impacto. Os diálogos, poderiam ter saído de qualquer bate papo entre amigos ou família em uma simples festinha de criança ou churrasco com a rapaziada.
Contudo, se você não se encaixa no perfil descrito, provavelmente você achará o filme extremamente exagerado, forçado e não lhe será nada familiar. Talvez se mudarmos a região, especialmente nas regiões metropolitanas de outras capitais em que haja litoral minimamente próximo, acessível de carro, aí talvez você também possa achar alguma semelhança.
O filme tem como protagonistas Antônio Fragoso (Alexandre) e Danielle Winits (Renata). Aparentemente, eles são um casal de emergentes, pois pela região do Rio em que aparentam morar no filme, no mínimo tem que ter uma condição financeira acima da média. Além do mais, Alexandre acaba de ser promovido a gerente na empresa onde trabalha (também não muito claro no filme o que sua empresa faz) e Renata é uma clara dondoca, e trabalha(va) em uma revista de moda.
Entretanto, os colegas de empresa de Alexandre são visivelmente mais suburbanos. Maurício Manfrini (Lima) e Charles Paraventi (Rocha) estão bem convincentes com seus personagens. Lima é um típico malandro carioca mesclado com aquele tiozão piadista e sacana. Maurício Manfrini torna o personagem totalmente verossímil, porém, temos a nítida impressão de que estamos vendo uma versão renovada do seu personagem mais famoso, o Paulinho Gogó, que ficou famoso na Praça é Nossa e Escolinha do Professor Raimundo (aposto que você também não o conhecia pelo seu nome real!). Mas isso não é ruim nesse caso. Ele cumpre muito bem sua parte. Já Rocha é um outro tipo comum, que também pode ser reconhecido como vários tios por aí (talvez até mesmo pais), ou amigos da família. É um cara um tanto inconveniente e que no próprio filme é definido como um machista e babaca. Mas não é má pessoa, é apenas um fruto do meio onde convive.
Completam o elenco Elisa Pinheiro (Vanete, esposa de Rocha), Cacau Protásio (Jussara, esposa de Lima), Nilton Bicudo (Diguinho, amigo de Alexandre) e Aline Riscado (Elen, namorada de Diguinho), além das crianças. Sobre estas, merecem destaque o narrador da história Theo Medon (Fabinho, filho de Alexandre), que se não teve uma interpretação marcante, também não comprometeu, e Gabriel Rocha (Pitoco, filho de Lima), a criança mais ‘encapetada’ da história, mas que não foi tão convincente como tal. Sua mãe, Jussara, por sua vez, é totalmente crível e podemos ver um tipo clássico carioca suburbana nela. Cacau Protásio, mais uma vez, mostra que tem muito talento pra comédia. Já Diguinho é um personagem que não se reconhece como um clássico suburbano carioca e destoa do restante, mesmo que seu intérprete tenha o feito muito bem. A grata surpresa fica por conta de Aline Riscado, que dá vida a, obviamente, gostosona que todos pensam estar enganando o bobo Diguinho. Apesar de Elen também não pertencer ao restante do grupo, ela foi muito bem interpretado por Aline, que vai muito bem em sua estreia nas telonas.
A história é bem familiar a qualquer um que já tenha passado um fim de ano ou carnaval com os amigos e/ou família em uma casa de praia. Especialmente a aqueles que alugaram essa casa e a dividiram com muitas outras pessoas.
Alexandre e Renata passariam o fim de ano em Búzios com as crianças na casa do cunhado de Renata, mas ele ficou magoado com ela por, veja só, ela ter o esfaqueado em um momento de fúria e por isso retirou o convite. Assim, Alexandre, pressionado por sua esposa, acaba aceitando o convite de Lima para dividir uma casa em uma região desconhecida do litoral com os outros colegas de empresa.
As confusões começam quando a estressada e metida Renata não se dá com os amigos de Alexandre, especialmente Jussara. E depois de intermináveis horas no engarrafamento, eles na casa e descobrem que ela está em péssimas condições e fica muito longe da praia. Pra dificultar, existem 4 casais adultos na casa (sendo que Vanete está grávida de 8 meses), uma adolescente e 5 crianças, todos a serem distribuídos em 3 quartos. Como dito, por mais exagerado que possa parecer tudo isso a quem não pertence ao nicho em questão.
Dentre todos as tramas e tretas que se desenvolvem no longa, a mais over, exagerada além da conta, fica por conta do comportamento de Renata, especialmente nos dois primeiros terços da história. Ela grita demais e sem necessidade por motivos fúteis. É compreensível que ela é uma outsider naquele grupo (ou pelo menos se coloca como tal), mas ainda assim está pelo menos um tom acima. Resta saber se foi uma escolha artística ruim da atriz (curiosamente a mais consagrada do elenco, Daniele Winits), uma decisão do diretor ou do próprio roteiro. Felizmente na reta final do filme ela encontro um equilíbrio e faz com que o público até a compreenda, encontrando redenção.
A história se desenvolve de uma forma previsível, o que também não chega a ser ruim, já que não pretende se levar a sério e cumpre seu papel de entreter. Talvez houvesse espaço para mais diálogos engraçados, que ficam basicamente por conta de Lima e Jussara. Poderia vir também de outras direções. Os clichês e momentos pastelões estão no ponto certo, são bem utilizados e não são apelativos. Há até uma cena em animação entre dois mosquitos que brincam com questão das doenças transmitidas por eles que (perdoem o trocadilho) são febre no verão brasileiro, especialmente no Rio de Janeiro. O momento mais original do filme fica por conta de uma cena que é pura metalinguagem onde os personagens vão ao cinema e assistem uma comédia nacional e fazem uma autocrítica a elas mesmas (e especialmente ao público delas), dizendo, entre outras coisas, que nesse gênero ‘há muito palavrão e putaria’. Como diz um personagem na tal cena, muito boa sacada.
Os tais palavrões e putaria, aliás, podem ser a única ressalva que podem afastar a quem pensa em assistir ao longa nos cinemas. Dependendo da classificação etária, alguns espectadores mais conservadores podem não gostar do palavreados em algumas situações. Nada, no entanto, que um suburbano, especialmente carioca, não esteja acostumado a ver no seu dia a dia. E as únicas cenas que podem ser taxadas como apelativas, são uma ou outra envolvendo Elen e um pequeno personagem chamado Adonis, o faz tudo. Mas nada que não possa ser visto em qualquer praia ou até mesmo em um comercial de cerveja ou de ‘produtos fitness’.
Outra questão que pode levantar discussões pós sessão, são algumas piadas e situações que nos dias atuais são tidas como politicamente incorretas, apesar de cotidianas no contexto apresentado. Se viessem de filmes dos anos 90, por exemplo, seriam normais, e se vistas daqui uns dois ou três anos, no caminhar da sociedade, podem ser censuráveis. Como dito, cabem discussão, mas nada escandaloso.
Os Farofeiros é uma comédia despretensiosa, que traz pouca coisa nova ao gênero (no máximo a citada cena de metalinguagem). E é justamente por isso que merece uma chance: para provar que ainda é possível fazer uma boa comédia nacional sem precisar reinventar o gênero. Contudo, vale reforçar: pode não atingir ao espectador não familiar às situações apresentadas. Ao passo que aquele que se identifica, dará boas risadas. Talvez devesse ter sido lançada na época em que a história se passa, no fim de ano, ou até mesmo às vésperas do carnaval, porém, sabemos que é difícil concorrer com os blockbusters hollywoodianos lançados em dezembro e com o próprio carnaval, onde o grande público deixaria o cinema para última opção ao pensar em se divertir. Vale a pena ser assistido em domingo preguiçoso e que peça algumas gargalhadas com os amigos.