Crítica | O Último Duelo

Dizem que toda história tem 3 lados: o de quem conta, o do objeto da história e o verdadeiro. E é mais ou menos assim que funciona a narrativa de O Último Duelo.

A história é bem simples: dois escudeiros da França no ´Século XIV que passam de companheiros de batalha a rivais, até que um deles se casa e o outro cobiça sua mulher. Em dado momento, este segundo estupra a esposa do ex-amigo e a acusação leva ambos a duelarem até a morte.

É claro que este é apenas um resumo extremamente simplório da história, apenas para ilustrar que não há nada de mirabolante.

A grande sacada do filme é contar a mesma história por três pontos de vista diferentes. O primeiro, é o de Jean de Carrouges (Matt Damon). Vemos todo crescimento do bravo e honrado escudeiro que se casa com a filha de um homem de posses, muito por conta do dote (já que se encontrava falido), mas acaba se apaixonando pela moça.

Contudo, ele é um homem da guerra, das batalhas. Assim sendo, é endurecido, orgulhoso e está sempre fora, no campo de batalha. Isso, aliado com o tempo e sociedade em que vive, se reflete em seu relacionamento com sua esposa. Na verdade, ele é apenas um homem de seu tempo.

Após ser nomeado cavaleiro, ele vai até a capital buscar seu prêmio por mais uma batalha. Enquanto está fora, sua esposa fica sozinha e acaba sendo enganada para deixar entrar um conhecido que dizia precisar de ajuda. Ela então é estuprada por Jacques Le Gris (Adam Driver).

Então, vemos a segunda versão da mesma história, contada pelo próprio Jacques. Nessa versão, vemos que ele sempre respeitou Jean, mesmo ele sendo intempestivo e após algumas decisões erradas nas batalhas. Ele conhecia bem Jean e o defendia perante o Conde Pierre d’Alençon (Ben Affleck), que nunca o respeitou ou teve qualquer simpatia.

Em sua versão, vemos que ele de fato violentou a esposa do ex-amigo e agora desafeto. Porém, ele tenta amenizar isso pedindo perdão a Deus. Lembrando que se trata da França na Idade Média, o cristianismo era praticamente a lei. Mas diante dos homens, ele se declara inocente, fazendo a situação se tornar a palavra dela contra a dele, já que nem mesmo houve testemunhas.

Por fim, vemos a versão da vítima, Marguerite de Carrouges (Jodie Comer). A produção dá a entender que esta é a versão verdadeira. Nela, vemos que Jean era um homem frio e que parecia apenas se importar com sua honra e em ter um herdeiro. Vemos também como Jacques era sedutor, manipulador e como foi violento com ela.

Como há duas pessoas com versões distintas envolvidas na ocasião, vemos duas vezes a cena de estupro, com certas diferenças, porém, em ambos os casos, extremamente desconfortáveis de assistir. Isso porque quem está dizendo é um homem. Não posso imaginar o quão doloroso deve ser para uma mulher sequer assistir uma cena de ficção com tamanha violência.

Dá pra entender a escolha do (brilhante) diretor Ridley Scott. Quando vemos todo o contexto, acreditamos que se trata de algo que certamente acontecia com frequência. Mas, pessoalmente, acredito que poderia ter sido mais sugerido e menos gráfico. Entendo, mas discordo.

Diferente da audiência pública com o Rei Charles VI (Alex Lawther), onde também é bem desconfortável assistir. Só que nesse caso, trata-se de vermos como a sociedade daquela época tratava as mulheres e de sentirmos empatia pela mulher que além de ser violentada ainda precisa ser humilhada em público para provar que o foi, sendo descreditada ao máximo e culpada. Pior ainda, é notar que, guardadas as diferenças da sociedade, há muito em comum com o que acontece hoje, séculos depois.

Nesse caso, o desconforto é completamente diferente e totalmente necessário para a história. Até mesmo para os dias de hoje, para que refletirmos do quão terrível é estar nessa situação. Além disso, a coragem e postura de Marguerite é inspiradora. Se em 2021 conseguimos melhorar um pouquinho nesse ponto, sem dúvida ela tem muita importância por dar voz a todas as mulheres que não se calaram diante de tal violência. Apenas lembrando que essa uma história (supostamente) real.

Jodie Comer, a propósito, dá um show na atuação. Ela passa por diversas nuances, até por ser vista pelos olhos de seu marido, do seu violentador e da sociedade no geral. Ela se agiganta diante das também excelentes atuações da dupla de protagonistas masculinos. Todos com atuações dignas de concorrer ao Oscar. Ben Affleck não fica muito para trás, apenas tem menos espaço. Mas seu personagem é bem convincente em nos fazer raiva.

O final é digno de uma ´produção de Ridley Scott. O tal ‘último duelo’ do título (que diz-se ter sido, de fato, o último a ter sido legalmente realizado na Europa), é de tirar o fôlego e fazer você se agitar na cadeira do cinema ou no sofá de casa. É violento, brutal e muito bem feito.

Me lembrou um pouco a estética de o Gladiador. Até mesmo as reações do Rei pareceram um pouco com as de César. Talvez seja uma marca do diretor, que no caso é o mesmo em ambos filmes. Assim como o final do filme, em si, que também tem uma ‘cara’ parecida.

O Último Duelo é um filme grandioso, como normalmente um bom épico é. Arrisco dizer que deve figurar nas premiações do ano em diversas categorias. Se você gosta de épicos, é familiarizado com o trabalho de Ridley Scott e quer ver um filme que valha a pena, assista O Último Duelo. Você não vai se arrepender.

Thiago Amaral

Geek inveterado e consumidor assíduo e voraz de cultura pop. Enquanto não está lutando com a Aliança Rebelde, dá aulas de Inglês. Curte Marvel & DC. Retro Gamer. Conhecido no underground como Pai da Alice.

You may also like...