Capacitor Entrevista | Dayane Tosta, escritora do livro Nua e outros poemas
Nesta semana tivemos a oportunidade de entrevistar a escritora Dayane Tosta (D.T.), autora do livro Nua e outros poemas.
Confiram abaixo como foi nossa conversa:
O Capacitor – Para começarmos que tal falar um pouco de você. Quem é Dayane Tosta?
D.T. – Eu sou uma pessoa muito comum. Mulher preta, da periferia, proveniente da escola pública. Tenho 28 anos. Tive uma infância pobre, mas cheia de amor e união. Fui criada num contexto religioso e percebo que o que ficou para além de uma educação moralista foi a fé no amor como única forma de redenção humana, amor divino que se manifesta por meio de tudo que é bom, belo e útil. Hoje sou professora vinculada à Secretaria Municipal de Educação de Salvador no segmento da educação infantil. Sou pedagoga formada pela UNEB e mestra em Ensino na Educação Básica pela UFG. Cursei por um tempo o curso de filosofia na UFBA e também na UFG, mas nunca o concluí – a filosofia é um basilar para mim, um elemento constitutivo. Eu precisei garantir primeiro um emprego estável para só depois me dedicar ao sonho da escrita. Mas o sonho, por mais que adiado, atravessa o ser de um modo incurável e a escrita sempre me percorreu, hoje eu aceitei a missão de percorrer a escrita, mas, muito antes disso, fui tomada por ela, desde quando fiz o meu primeiro poema aos 14 anos de idade. Eu sou uma leitora assídua, a leitura e a escrita para mim são faces de uma mesma moeda.
O Capacitor – Acho que a pergunta que todo mundo tem vontade de fazer a uma escritora é: como surgiu o hábito da escrita? Teve alguma influência?
D.T. – Diferente de muitas amigas e amigos escritores eu não cresci num ambiente cheio de livros. Tive pouco acesso às bibliotecas e menos ainda à poesia. Mas eu sempre vi a escrita como um modo de organização do caos que habitava a minha mente. Então, na adolescência, eu escrevia para me entender ou para demonstrar afeto. Eu tive acesso a um curso de redação na escola pública que frequentava, eu gostava muito do curso, da professora e ela me incentivou a escrever. Mas o curso era todo voltado para a preparação para o vestibular. Não tive espaço para desenvolver a escrita poética nesse contexto. No entanto, a escrita me atravessava e eu seguia escrevendo estrofes, ensaiando rimas e versos livres. A minha entrada no universo da leitura poética foi tardia, só na fase adulta eu pude comprar livros de poesia. No Brasil, a leitura ainda é um privilégio. Eu fui muito influenciada por Neruda, Caeiro (Fernando Pessoa) e Cora Coralina. Hoje eu leio muitas autoras contemporâneas que tive conhecimento depois de fazer parte da antologia de 41 poetas baianas “Corpo que Queima” organizada pela escritora e poeta Maria Luiza Maia e lançada em forma de ebook pela Appaloosa Books.
O Capacitor – Você tem uma filhinha, trabalha, cuida da casa… como foi conciliar tudo isso com o processo da escrita?
D.T. – É um baita desafio. Mas eu tenho muito apoio dos meus pais que me ajudam nos cuidados com minha filha. Além disso trabalho perto de casa e isso me economiza um tempo grande de trânsito. Muitos dos poemas de “Nua e outros poemas” já estavam prontos na gaveta, eu organizei o livro durante as férias de janeiro. Ainda não tenho um tempo organizado e exclusivo para a escrita, mas sempre que tenho alguma inspiração escrevo no bloco de notas do celular ou em algum caderninho.
O Capacitor – Como foi a recepção de sua família quando você revelou que estava escrevendo um livro?
D.T. – Eles ficaram felizes. Sempre incentivaram muito meu sonho de escrever.
O Capacitor – Quais são as principais dificuldades que você encontra enquanto escritora?
D.T. – Publicar um livro é um empreendimento caro. Mas a maior dificuldade é chegar aos leitores, alcançar pessoas para além dos amigos e família. Hoje eu não teria nenhuma condição de viver somente da escrita, o mercado é cruel, mas a vocação tem o poder de prevalecer em meio as adversidades.
O Capacitor – Infelizmente, no Brasil, ainda existe muita resistência acerca da leitura, em especial, em relação ao acesso aos livros pelos mais jovens. Como você enxerga isso? Como interfere no seu trabalho?
D.T. – Eu percebo essa carência nos hábitos de leitura. Mas tenho percebido também uma proliferação de muitos influencers digitais de livros, pessoas que se dedicam a fazer resenhas, booktubers, clubes de livros por assinatura e outras manifestações que não eram comumente percebidas quando eu tinha 18 anos. Acredito no potencial positivo desse fenômeno, no sentido de colocar leitores em contato com escritores, a rede social tem funcionado como ponte. Eu prefiro enxergar com bons olhos o momento atual e tenho feito muitas parcerias com outros autores e professores no sentido de desenvolver projetos de fortalecimento do hábito de leitura e escrita.
O Capacitor – No último sábado (6) tivemos o lançamento do seu livro, Nua e Outros Poemas. Você poderia nos falar um pouco dele?
D.T. – “Nua e outros poemas” é meu primeiro livro de poesia. Eu criei uma narrativa poética para os poemas que foram produzidos ao longo de 7 anos. Essa narrativa engloba três níveis de experiência afetiva: o encantamento da paixão, a dor da desilusão e a serenidade da superação. Esse livro surge numa época em que expressar afeto significa se colocar em um estado de vulnerabilidade ao qual poucos se sentem encorajados a estarem. No entanto, em “Nua” os sentimentos se encontram despidos, expostos, aparentes e revelados. Transformar afeto em letra é dar ao vivido uma existência imortal para fora de si mesmo, escrever “Nua” se apresentou à minha experiência como cura, como uma maneira de me livrar do cativeiro da minha alma. O livro pode ser comprado diretamente comigo, tenho utilizado o instagram @dayanetostacosta para divulgar e vender o livro. O leitor ganha um livro autografado, marcador cuja arte foi feita pela poeta e ilustradora Rebeca Victória (rebecaav) e um mimo poético especial. Dessa primeira tiragem deixarei alguns exemplares na livraria Porto dos Livros (em Salvador) e pretendo distribuir em outras livrarias a partir da segunda tiragem.
O Capacitor – Conte para gente como foi o processo do Nua. Sabemos que para além da escrita o livro passa por editoração, diagramação..
D.T. – A ideia de organizar o livro surgiu pouco antes do feriado de natal de 2018 durante uma baita crise de insônia e ansiedade. Eu usei o meu mês de férias para concretizar a escrita do livro. O poema que dá nome ao livro foi o último a ser escrito, mas representa bem o meu processo de produção: Eu escrevo para me entender / E me reconciliar comigo mesma / Diante do abrigo da palavra. O livro também possui um posfácio que eu chamo de convite à leitura literária. Eu escolhi uma design amiga, Suzane (@movimento1989) para fazer a capa do livro. A diagramação e editoração ficou por conta da Editora Vecchio. Essa editora tem crescido por dar oportunidade aos escritores iniciantes.
O Capacitor – Sei que ainda é tudo muito recente, seu primeiro livro recém-lançado. Mas, você tem planos para outros projetos?
D.T. – Tenho planos sim. Quero me aventurar a escrever outros gêneros literários, tais como conto, romance e literatura infantil. Mas eu respeito muito o meu tempo de produção e não ultrapasso os meus limites. Atualmente eu tenho uma quantidade boa de poemas para produzir outro livro, esse livro será completamente diferente de “Nua”, visto que o cunho social tem perpassado muito os meus escritos recentes. Mas eu quero explorar as possibilidades de “Nua” por pelo menos um ano. Outros projetos aos quais tenho me dedicado são relacionados a democratização da escrita e da leitura entre jovens da periferia. Estou organizando um projeto de ir as escolas, organizar junto a outros escritores a realização de saraus fora dos grandes centros de Salvador.
O Capacitor – Entrando um pouco no campo da publicação, um dos principais debates da atualidade é acerca da expansão dos ebooks. Como você vê essa nova tendência da atualidade? As tecnologias têm sido facilitadoras no processo de criação da escrita?
D.T. – Eu sempre prefiro encarar pelo lado positivo. Acho que os ebooks e os livros físicos não precisam ser excludentes. Eu pretendo fazer uma versão em ebook de “Nua e outros poemas”, só estou sem tempo para organizar. A experiência de ler em ebook e ler em livro físico são diferentes e a diversidade é sempre enriquecedora, quanto mais fácil o acesso à leitura mais ela vai ser valorizada e difundida. Então, vejo com bons olhos a tecnologia.
O Capacitor – Por fim, gostaríamos de agradecer pela atenção e pela disponibilidade. Deixamos aqui esse espaço em aberto caso você queira acrescentar algo mais.
D.T. – Eu só tenho a agradecer também, dizer que me sinto muito feliz por ter conquistado a escrita, algo que no Brasil sempre foi espaço privilegiado de uma elite.