Crítica | Death Note

“São tantas regras.”

Escrito por Tsugumi Ohba e ilustrado por Takeshi Obata, Death Note é um mangá japonês publicado entre 2003 e 2006 na revista Shonen Jump. Por conta de seu sucesso, a série foi adaptada em um anime que também agradou muito aos fãs do mangá, além de angariar novos fãs para a obra. Além do mangá e anime, Death Note ganhou quatro filmes live-action no japão.

Agora, no entanto, foi a vez do ocidente adaptar a famosa e benquista obra. Produzida pela Netflix e dirigida por Adam Wingard, a adaptação se propõe a contar uma história diferente utilizando apenas alguns elementos do original. Por conta disso, o filme deve ser avaliando de maneira separada da sua obra original para que não haja risco de comparações injustas em obras diferentes.

Apresentando Light Turner (Nat Wolff), protagonista do filme, em uma tentativa de estabelecer o quão inteligente o personagem seria, em detrimento de sua moral, vemos o personagem vendendo cópias do dever de casa para outros colegas. Além de um recurso óbvio e pouco criativo, o discurso sobre moral e justiça que uma obra como Death Note pode trazer já é posto de lado nos primeiros segundos.

Em um filme que trata sobre a possibilidade de um ser humano decidir quem deve viver ou morrer ao toque de uma caneta, Death Note passa mais do que superficialmente nas implicações morais e pessoais desta questão. Esta não é uma obra feita para se refletir e isso já é deixado muito claro nos primeiros segundos, assim como durante o filme com seus diálogos expositivos e nada criativos.

Junto a Light, encontramos Mia (Margaret Qualley), personagem que poderia ter sido bem interessante não fosse o pobre desenvolvimento que os personagens receberam no filme. Com uma inclusão extremamente gratuita e despropositada na trama, a personagem acaba por ganhar certo destaque apenas para ser desperdiçada como todos os elementos do filme.

O ponto alto dentre os protagonistas fica para a dublagem de Ryuk, que foi muito bem executada por Willem Dafoe. A qualidade, no entanto, limita-se à sua voz e tonalidade, uma vez que os diálogos são extremamente pobres e Ryuk perde a possibilidade de ser um guia ou até mesmo fazer às vezes de expectador em tela para se tornar uma pequena ameaça constante. Além de muito mal aproveitado, o personagem precisa se esconder atrás das sombras ou aparecer de costas afim de economizar o uso de CGI.

Em uma tentativa de se afastar da obra original e manter a sua essência, Death Note falha miseravelmente. Buscando inserir momentos do mangá em meio a um filme bagunçado, o roteiro acaba se tornando extremamente frágil e cheio de furos.

Outro personagem que deveria ser o destaque da Obra e acaba por ser uma enorme decepção é o L (Lakeith Stanfield)Apresentado como um jovem detetive enigmático, o filme falha tragicamente com o personagem, expondo-o como nada mais do que alguém sem qualquer controle que usa de seu “excentrismo” para parecer mais inteligente. Diferente do que poderia se esperar, aqui não há um xadrez, uma caçada inteligente, há apenas melindres e artimanhas baratas.

Para elucidar o tamanho dos furos de roteiro, teremos spoilers no parágrafo a seguir. Portanto, se quiser evitá-los pule-o.

Logo ao receber o caderno e folheá-lo pela primeira vez, Light encontra a mensagem escrita em suas páginas que diz “Não confie em RYUK”. Já em um momento posterior, Light ameaça escrever o nome de Ryuk no caderno e pôr um fim à “vida do Shinigami, que promete matar Light antes que ele termine de escrever as quatro letras. Ora, mas o nome do RYUK já não estava escrito no caderno!?

(Fim do trecho com spoilers)

O roteiro do filme é tão mal escrito que precisa constantemente ir jogando novas regras do caderno para a sua conveniência. Quando Light o abre pela primeira vez e fala sobre a quantidade de regras, é quase um aviso de que elas pulariam sempre que o roteiro precisasse dessas manobras, que seriam mais perdoáveis se ao menos tivesse resultado em um bom filme.

Sem qualquer discurso moral, com constante descaracterizações dos personagens apresentados (nem o filme sabe os personagens que tem nas mãos), com roteiro mal escrito e desenvolvimento risível, Death Note é um enorme desperdício de orçamento, tempo e principalmente de uma obra tão interessante e rica como a original. Aparentemente havia a vontade de se criar algo inteiramente novo, entretanto parece ter faltado coragem, o que resultou em uma obra que deturpa o conteúdo original e falha em trazer algo realmente novo para o público.

Teria sido muito mais interessante assistir uma obra inteiramente nova, com novos personagens, novo contexto e quem sabe, à título de fanservice, alguma citação à obra original. Às vezes expandir o universo é mais interessante que partir do mesmo início.

Nota:

Death Note está disponível na Netflix. (Felizmente, o anime original  também está)

Pedro Cardoso

Editor do Capacitor, apaixonado por games, filmes e literatura sci-fi/fantástica.

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